Bactéria tem potencial como biopesticida para combater fungos que atacam alimentos

Testada em laboratório, a Pediococcus pentosaceus inibiu atividade dos genes que regulam produção de toxinas do fungo Aspergillus nomius, presente em diversas espécies agrícolas, em especial grãos

 18/10/2023 - Publicado há 8 meses     Atualizado: 19/10/2023 as 14:14

Texto: Júlio Bernardes

Arte: Simone Gomes

Cepa da bactéria Pedinchices pentosaceus LBM18; para chegar ao mercado, biopesticida baseado no microrganismo precisará ser estudado para verificar possíveis efeitos negativos em espécies não visadas pelo controle de pragas e depois ser aprovado e registrado pelos órgãos governamentais - Foto: Researchgate

Na Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da USP, pesquisa demonstra o potencial da bactéria Pediococcus pentosaceus como biopesticida no combate a fungos que atacam cultivos agrícolas e alimentos. Testada em laboratório, a bactéria inibiu a atividade dos genes que regulam a produção de toxinas pelo fungo Aspergillus nomius, presente em diversas espécies empregadas na agricultura e na alimentação, em especial grãos. Para chegar ao mercado, o biopesticida precisará ser estudado para verificar possíveis efeitos negativos em espécies não visadas pelo controle de pragas e depois ser aprovado e registrado pelos órgãos governamentais. A pesquisa é descrita em artigo publicado na revista científica International Journal of Food Microbiology.

O professor Ricardo Pinheiro de Souza Oliveira, da FCF, que participou do estudo, relata ao Jornal da USP que atualmente existem diferentes tipos de biopesticidas. “Os bioquímicos usam substâncias químicas, no caso, feromônios sexuais, para o controle de pragas por meio de mecanismos não tóxicos, o que é feito, por exemplo, nas culturas de algodão”, explica. “Os microbianos são aqueles que usam alguma bactéria, fungo, vírus ou protozoário como ingrediente ativo. Geralmente são pulverizados nas lavouras, como no caso da Beauveria bassiana, fungo inseticida de contato que libera esporos quando é tocado, agindo ao infectar várias espécies de insetos.”

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Ricardo Pinheiro de Souza Oliveira - Foto: Researchgate

“Por fim, os biopesticidas incorporados em plantas são os vegetais que foram modificados geneticamente para produzirem o pesticida dentro dos seus próprios tecidos. Isso acontece, entre outras situações, com a adição de genes de Bacillus thuringiensis no genoma de plantas”, afirma Oliveira. “Considerando a visão econômica, a agricultura acaba criando uma alta dependência dos pesticidas químicos, ou seja, dos agrotóxicos, porque eles melhoram e maximizam a produção”. Entretanto, estes apresentam desvantagens ambientais por interferir de forma indesejável na contaminação, intoxicação humana, desequilíbrios ecológicos e resistência de pragas.”

O objetivo da pesquisa foi avaliar de forma minuciosa a segurança e adequação da cepa de bactérias Pediococcus pentosaceus LBM18 para uso como biopesticida para o controle ou eliminação de fungos micotoxigênicos (que produzem toxinas) e suas micotoxinas. A espécie é uma bactéria que se agrega em conjunto formando uma película chamada biofilme. “A cepa já vem sendo estudada pelo nosso grupo de pesquisa há algum tempo e foi selecionada em razão do seu potencial antifúngico”, aponta o professor. “Abordamos vários possíveis mecanismos de ação e efeitos potencialmente deletérios.”

Eliminação de toxinas

Fungos Aspergillus flavus (A), Aspergillus nomius (B) e Fusarium verticillioides (C) após 17 dias de incubação na ausência (controle) e presença de P. pentosaceus LBM18 em diferentes concentrações (0,2, 2 e 20 mg/mL); a menor dosagem já promoveu a inibição total de genes produtores de toxinas – Imagem: adaptada de Mendonça et al. (2023).

O efeito contra fungos e toxinas foi investigado por meio da comparação da fisiologia dos fungos, com avaliações visuais macroscópicas e exames de microscopia eletrônica, taxa de crescimento fúngico, produção de esporos e análises da produção de toxinas (alfatoxinas e fuminosinas). “Também foi realizada análise quantitativa de transcrição reversa por PCR em tempo real (RT-qPCR), que é um teste para avaliar a concentração da bactéria que seria mais eficaz na regulação negativa dos genes relacionados com a síntese de aflatoxinas pelo fungo Aspergillus nomius”, descreve Oliveira. “A morfologia, crescimento e produção de toxinas foi afetada de forma dependente da concentração do agente microbiano. A menor dosagem de P. pentosaceus LBM18, de 0,2 miligrama por mililitro (mg/mL) promoveu inibição total e específica dos genes para produção de alfatoxinas.”

O professor acrescenta que o gênero Aspergillus, junto com o Penicillium e o Fusarium são responsáveis pela produção da maioria das toxinas de fungos conhecidas e estudadas até o momento, e frequentemente contaminam produtos que sofrem secagem e armazenamento. “Por esta razão são chamados fungos de armazenamento. Sendo assim, grãos em geral e forrageiras, como silagem, podem facilmente ser contaminados por espécies de Aspergillus”, destaca.

“Como conclusão, a pesquisa revelou que a segurança e adequação de P. pentosaceus LBM18 dependem especificamente das suas concentrações, cenários de utilização e condição de exposição”, ressalta Oliveira. “Portanto, seria necessária uma avaliação mais abrangente da sua potencial eficácia e segurança sob estratégias de controle em ambientes do mundo real, com espécies que não são alvo, a fim de obter aprovações regulamentares para a sua futura utilização comercial.”

De acordo com o professor da FCF, ainda não se sabe qual é a influência do biofilme produzido pela cepa de bactérias na sua atividade antifúngica. “Porém, entendemos que ele é importante para a sobrevivência das bactérias, pois oferece efeitos protetores contra diferentes condições indutoras de estresse”, observa. “Assim, o uso bem sucedido de bactérias produtoras de biofilme como bioconservante contra diferentes patógenos bacterianos e fúngicos tem sido amplamente explorado. Além disso, esta habilidade em produzir biofilme tem sido proposta como característica preponderante durante a seleção de agentes de controle biológico bacteriano contra fungos”.

A pesquisa foi realizada no Laboratório de Biomoléculas Microbianas da FCF por Ricardo Pinheiro de Souza Oliveira, Pamela Oliveira de Souza de Azevedo e Carlos Miguel Nóbrega Mendonça. O trabalho teve a colaboração de Benedito Correa, do Laboratório de Micotoxinas e Fungos Micotoxigênicos do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP.

Mais informações: e-mail rpsolive@usp.br, com o Ricardo Pinheiro de Souza Oliveiraz


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