Os filmes trazem cenas do cotidiano e histórias que ajudam a preservar os costumes de uma época e são passados de geração em geração. Por isso, é importante promover a valorização do cinema e, aqui no Brasil, a principal medida nesse sentido determina que as salas de exibição incluam em suas programações obras brasileiras. Nesse contexto foi criada a Medida Provisória 2.228-1/01, que estabeleceu a cota de exibição de filmes nacionais, por um prazo de 20 anos, mas que expirou em 2021. Assim, o presidente Lula assinou o Decreto nº 12.067/2024, que regulamenta a cota de tela para salas de cinema brasileiras, conforme estabelecido pela Lei nº 14.814/2024. As cotas estipulam que entre 7,5% e 16% da programação das salas devem ser destinadas a filmes brasileiros. Além da lei e do decreto estabelecendo cotas de tela para fortalecer o cinema nacional, o Governo Federal destinou R$ 1,6 bilhão para o setor audiovisual.
Essas medidas parecem importantes, mas não suficientes, na visão do cineasta e professor da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, Carlos Calil. “O mercado do cinema no Brasil pertence ao cinema americano e não ao cinema brasileiro. Se não for criado um sistema de cotas, os exibidores só vão escolher os filmes americanos, por isso é necessário. Entretanto, as cotas determinadas pelo Decreto são pequenas e quem escolhe o filme brasileiro que vai entrar na programação ainda é o exibidor. Por isso, a cota de tela não garante a exibição dos filmes, pois o que se garante é apenas um espaço dentro da programação e de datas disponíveis no cinema.”
Independentemente da criação de cotas, o que mais atrai o público são filmes comerciais, então, para que mais brasileiros valorizem as produções nacionais, é necessário que mais filmes sejam feitos de maneira comercial e que sejam estabelecidas políticas públicas de incentivo às produções nacionais que gerem renda ao País, diz Calil. “O último filme brasileiro que fez sucesso foi a comédia Minha Irmã e Eu (2024), com a Ingrid Guimarães e a Tatá Werneck, que tem um perfil mais popular e pode agradar tanto a um público mais popular como a um público de classe média que vai ao shopping.”
Paralelo internacional
Segundo pesquisa realizada pela Agência Nacional do Cinema (Ancine), o market share, ou seja, o percentual de venda de ingressos na Coreia do Sul alcançou os 57% em 2014 e a França obteve 36,8% no mesmo ano. A mestre em Estudos Culturais pela Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP e doutora em artes visuais pela Unesp, Gabriela Andrietta diz que “na Coreia do Sul existem casos em que a própria população se organiza para ir à sala de cinema e ver se está passando filmes nacionais. Na França, tem as salas de arte e ensaio, direcionadas para filmes de arte e nacionais. Isso é um hábito cultural, que faz parte da população”.
Além disso, a especialista também aponta que grande parte dos cinemas brasileiros é elitizado, fazendo com que não seja acessível para toda a população. “Os cinemas ficam concentrados em shoppings, com estacionamentos mais caros, uma barreira natural para as pessoas entrarem. Nós temos poucos cinemas de rua hoje em dia, esse é um hábito que precisaria ser mais acessível e valorizado.”
O sucesso do cinema sul-coreano vai além das políticas de cota de tela, segundo Gabriela. “O governo daquele país viu o potencial comercial e industrial do cinema, por isso, conseguiu que as chaebols, representantes da economia sul-coreana no cenário internacional e formados por conglomerados e empresas familiares, investissem no cinema, permitindo que os produtores tenham retorno financeiro.”
A pós-graduanda entende que os incentivos estatais ao cinema não devem ficar restritos às cotas de tela. “A política de cota de tela deve ser apenas uma política a mais de toda uma estratégia, como acontece na Coreia do Sul. Lá, tem o Festival Internacional de Cinema de Busan, que aumenta a visibilidade, tanto dos filmes sul-coreanos no próprio país, como também no exterior.”
Segundo Gabriela, os filmes sul-coreanos conseguiram atingir um padrão de qualidade e estética muito altos, com efeitos especiais de som e fotografia. Todo esse investimento permitiu que os filmes alcançassem um grande sucesso. Como exemplo, a pós-graduanda cita o filme sul-coreano Parasita (2018), uma mistura de suspense e comédia, ganhador do Oscar em 2020, além de vários prêmios como o de melhor filme internacional, direção, montagem, roteiro original e direção de arte.
Plataformas de streaming
Além das telas, um projeto aprovado pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado Federal em abril deste ano estabeleceu que as plataformas de streaming terão que obedecer a uma cota mínima de obras nacionais para estimular o consumo e a produção dessas obras. Em plataformas com duas mil obras, terão que ser disponibilizadas pelo menos 100 produções brasileiras. Já as com sete mil títulos, terão que oferecer ao menos 300 filmes nacionais, e metade deverá ser de conteúdo produzido por produtoras independentes, sendo uma média de 2% de produções. A cota nacional entrará em vigor aos poucos e, só após oito anos, será exigido 100% do cumprimento. Mesmo com essa regulamentação, não é garantido que as pessoas passarão a assistir mais obras brasileiras, segundo Gabriela. “Nós temos os algoritmos nas plataformas de streaming, por isso, não temos autonomia sobre o que escolher para assistir, é algo que já está formatado.”
Além disso, os dados do Relatório de Adoção de Streaming Global do Finder, empresa de consultoria australiana que lista os 18 principais mercados de streaming do mundo, mostrou que 65% dos adultos brasileiros são assinantes de pelo menos um serviço de streaming, índice acima da média global em que 56% dos adultos são assinantes. O Relatório apontou ainda que o Brasil é o segundo país que mais consome as plataformas, marcando 64,58% no ranking, perdendo apenas para a Nova Zelândia com 65,26% de consumo.
Apesar disso, a especialista diz que é importante despertar o interesse das pessoas para irem ao cinema. “É diferente assistir um filme no streaming da sua casa e em uma sala de cinema com outras pessoas, onde é possível perceber as reações, ter diálogos, ter a experiência de sair de casa e vivenciar um espaço diferente. É preciso continuar cultivando o costume de assistir um filme em uma tela grande, desligar os celulares, a luz e prestar atenção no filme, algo que nós não fazemos hoje em dia, pois somos multitarefas e é muito difícil parar para se concentrar em algo, e o cinema nos proporciona esse espaço”.
*Estagiária sob supervisão de Ferraz Junior e Rose Talamone.
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