O consumo de álcool no Brasil é um hábito comum em momentos de lazer, especialmente nos finais de semana e em datas comemorativas, como Carnaval e Ano-Novo. Quando esse hábito se torna uma constante, esse consumo pode trazer graves danos à saúde, além de levar à dependência. Nesse caso, a mulher é quem se torna mais suscetível.
Um levantamento do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (Cisa), uma Organização Não Governamental (ONG), com dados do período compreendido de 2010 a 2020, revelou que o consumo abusivo de álcool é mais preocupante entre as mulheres brasileiras, com aumento de 4,25% anualmente. A tendência foi registrada em 12 capitais e no Distrito Federal. O levantamento foi feito com dados disponibilizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Além disso, o número de óbitos de mulheres a cada 100 mil habitantes causado pelo consumo excessivo de álcool aumentou 7,5% entre 2010 e 2021, ao mesmo tempo em que as mortes de homens tiveram redução de 4,8%, nesse mesmo período, segundo a quinta edição da publicação Álcool e Saúde dos Brasileiros: Panorama 2023, publicada pelo Cisa.
Segundo o Ministério da Saúde, ressalta-se que não existe consumo de álcool sem riscos, todo consumo, por menor que seja, apresenta certo perigo. Porém, o limite do que é considerado baixo risco é o consumo de não mais que uma dose por dia ou duas doses em uma ocasião por semana, para mulheres adultas, e de não mais que duas doses por dia ou três doses em uma ocasião por semana para homens adultos.
Perfil metabólico da mulheres
Segundo o professor Erikson Felipe Furtado, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, especialista em álcool e drogas, “as mulheres tendem a ter um perfil metabólico diferente em relação ao álcool. As enzimas de digestão do álcool que as mulheres apresentam têm uma eficiência menor, algo em torno de 60%, portanto uma quantidade maior de álcool chega até o sangue e no cérebro, logo as mulheres são mais vulneráveis à embriaguez com menor consumo de álcool”.
Porém, o professor ressalta que essas informações são em termos gerais e variações altas podem ocorrer de acordo com cada organismo e com a frequência de consumo, uma vez que o uso constante faz com que o corpo crie uma resistência maior ao álcool.
Segundo a Organização Mundial da Saúde, esse consumo excessivo pode gerar mais de 200 doenças e lesões, como distúrbios mentais, doenças cardíacas, cirrose e hepatite alcoólica, que é potencialmente mais grave nas mulheres por essas questões biológicas.
Mudanças culturais
Furtado afirma que o alcoolismo é um fenômeno multideterminado e questões sociais e culturais têm uma influência potencialmente maior na dependência que questões propriamente biológicas, que têm seu impacto, mas não são determinantes.
Para o professor, um dos pontos que explicam o aumento no alcoolismo feminino é a grande mudança cultural, na última década, que promoveu uma evolução da mulher no campo dos direitos e um aumento da liberdade social e comportamental. Essa liberdade se deu tanto no âmbito profissional quanto no lazer, alterando significativamente o papel social da mulher dentro da sociedade. Ele ainda afirma: “Devido a essas mudanças em práticas e hábitos, o consumo excessivo de álcool, que antes era restrito ao público masculino, mas que para os homens já conhecidamente apresentava riscos de saúde e sociais, agora também acaba atingindo as mulheres”.
Traumas e alcoolismo
Segundo o estudo Mulheres e alcoolismo: uma revisão integrativa da literatura, produzido pela Universidade Federal do Espírito Santo em 2020, eventos traumáticos, principalmente relacionados à família e de violência psicológica, física e sexual, em casos mais graves, são fatores de risco para o aumento do consumo abusivo e consequentemente da dependência de álcool entre mulheres.
O professor Furtado afirma que, pensando no álcool como um alívio do sofrimento psicológico, eventualmente observa-se no atendimento clínico o consumo se associando ao esforço de mulheres em intenso sofrimento emocional se envolvendo com o maior uso de bebidas alcoólicas, evoluindo em intensidade e frequência, até o ponto de se tornar um problema clínico que exige tratamento. “Logo, é necessário investigar as histórias de mulheres dependentes, pois frequentemente se encontram histórias de abuso”, afirma.
Perspectiva de gênero no tratamento
Em relação ao atendimento a mulheres que já são alcoolistas é preciso ter um olhar voltado para como as questões de gênero influenciaram a dependência. Um atendimento que não possui essa perspectiva pode ser uma barreira tanto para mulheres que querem começar o tratamento como para mulheres que já estão no processo de acabar com o vício.
“As mulheres, mesmo nos dias atuais, sofrem mais preconceitos relacionados ao consumo do álcool, então existem barreiras maiores na busca pelo tratamento. Mulheres, em sua maioria, se sentem desconfortáveis quando precisam relatar para homens sua história de uso e suas questões de dependência e sofrimento, pois muitas vezes essas questões são peculiares à vida da mulher”, afirma Furtado.
Em contato com o Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas de Ribeirão Preto (CAPS AD), serviço oferecido pelo Ministério da Saúde, foi informado que existem turmas de apoio exclusivamente femininas, exclusivamente masculinas e mistas, e que a escolha é por opção do paciente. O CAPS AD oferece atendimento especializado para alcoolistas e farmacodependentes, com serviço ambulatorial e de semi-internação e atendimento médico-psiquiátrico, psicológico, de enfermagem, de assistência social e de terapia ocupacional.
Gravidez e consumo abusivo
O estudo da universidade capixaba ainda diz que a gravidez é um momento muito importante da vida de uma mulher alcoolista e, em muitos casos, o consumo de álcool na gravidez se dá antes do diagnóstico da gestação, e, após o conhecimento da gravidez, a maior parte das mulheres coopera em restringir o consumo de álcool. Outra razão do consumo de bebidas alcoólicas na gravidez é o desconhecimento dos prejuízos que essa substância causa na gestação.
Segundo a Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas (Abead), o consumo de bebidas alcoólicas na gravidez, até mesmo em pequenas quantidades, pode gerar complicações ao feto como retardo mental, microcefalia, baixo peso ao nascer, atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, além de complicações gestacionais.
Para o professor Furtado, a falta de informação em relação aos malefícios do álcool é um grande fator que gera o vício entre homens e mulheres, mas, quando se trata de consumo de álcool na gravidez, essa falta de informação é ainda mais nociva.
A mulher alcoolista pode buscar tratamento através de serviços públicos pelo CAPS AD, que fornece atendimento especializado em tratamentos de alcoolistas e farmacodependentes. Além disso, existem outras opções de instituições privadas que oferecem reuniões e retiros, como é o caso do Alcoólicos Anônimos.
*Estagiário sob supervisão de Ferraz Junior e Rose Talamone
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