O combate ao crime organizado só será efetivo e eficaz se houver a conjunção de esforços internacionais com foco no lucro dessas organizações. Essa é a opinião do jurista e criminalista português Fernando Conde Monteiro, diretor do curso de Criminologia da Universidade do Minho, em Portugal. Para ele, não basta prender líderes e chefes de organizações criminosas.
Segundo Monteiro, o Brasil é refém do crime organizado e os números confirmam: o País tem 53 facções criminosas conhecidas e presentes, com pelo menos uma delas, em todos os Estados do País e no Distrito Federal. A maior delas, o Primeiro Comando da Capital, o PCC, se internacionalizou, associando-se à máfia italiana Ndrangheta para abastecer a Europa de cocaína, e hoje fatura, só com essa operação, cerca de US$ 1 milhão por mês. Os dados são do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
O professor visita o campus da USP em Ribeirão Preto para uma série de eventos e também para dar seguimento às tratativas de criação dos cursos de graduação em Criminologia na USP e na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), através do Projeto SuCCESS Erasmus+ “Fortalecendo o Ensino da Criminologia” e que envolve universidades da Colômbia e Peru, além de Espanha e Portugal. Ele visitou a Rádio USP e concedeu entrevista ao Jornal da USP no Ar – Edição Regional.”
Jornal da USP – Professor, o que caracteriza o crime organizado?
Fernando Conde Monteiro – Bom, é uma pergunta extremamente complexa na medida em que não há unanimidade de pontos de vista de todos aqueles que se debruçam sobre esta questão. De qualquer maneira, e no contexto em que estamos, diria fundamentalmente que o crime organizado se caracteriza pela complexidade, na existência de uma grande divisão de tarefas, numa internacionalização do crime, num poder hierárquico forte, num grande poder de conhecimento por parte dos agentes ao nível desta organização, por um grande poder econômico – o light motive inerente à criminalidade organizada é essencialmente o lucro.
Por outro lado, e por uma via até deste poder econômico, por uma extensão aos poderes públicos, políticos. Não é apenas uma questão de internacionalização do crime, mas é também um aspecto qualitativo de minar a sociedade em suas altas instâncias.
Jusp – Nesse sentido, a gente observa que o crime organizado aqui no Brasil tem conexões com as forças políticas e judiciais. Isso enfraquece o Estado, deixa a sociedade vulnerável? Como é que se analisa isso?
FCM – Isso tem a ver fundamentalmente com o crescimento do crime organizado modernamente e, concomitante a isso, com a aldeia global na qual estamos efetivamente inseridos e também, subjacente a tudo isto, com o desenvolvimento das tecnologias que nos fazem ser cidadãos do mundo. Isto é, no fundo, um “pau de dois bicos”, como se costuma dizer. Ou seja, tem aspectos altamente positivos, mas também tem aspectos negativos e o crime é efetivamente a expressão já desta mundialização e, portanto, inerente a tudo isto é aquele aspecto a que me referi inicialmente de o crime se desenvolver extensivamente em termos de uma realidade mundial, movimenta milhares de milhões.
Há uma grande ineficácia das instâncias formais de controle no nível mundial de combate ao crime e, portanto, como é uma coisa altamente poderosa, do ponto de vista econômico e financeiro, mina naturalmente as instâncias formais de controle, o que evidencia o poder político do crime.
Jusp – Como combater essa questão do poder político e econômico do crime organizado?
FCM – É uma questão obviamente também muito complexa. As instâncias formais de controle, a lei, a prisão, etc., são formas que se têm revelado muito pouco eficazes no combate ao crime em todo o mundo. Vocês têm aqui no Brasil o exemplo com o PCC, o Comando Vermelho e outras facções que dirigem os negócios do crime dentro das prisões. Combater o lucro, e essa perspectiva é prevalecente na União Europeia, é o aspecto fundamental porque sem lucro não há crime.
E isto pressupõe menos uma atividade do ponto de vista estritamente jurídico ou penal, das instâncias formais de controle, da prisão etc., mas pressupõe fundamentalmente uma política que tem que ser uma global que se focaliza em retirar as vantagens do crime. Há vários instrumentos relativamente a esta matéria no direito civil e também penal, no nível internacional, organização de sistemas bancários, de sigilo, peritos fiscais e por aí afora.
Portanto é um problema muito complexo e ele só pode ter uma solução satisfatória se houver uma política global, em termos internacionais, porque também a criminalidade praticada pelo PCC, pelo Comando Vermelho, não são realidades do Brasil. São realidades que estão para além do Brasil como acontece em Portugal, nos Estados Unidos etc.
Jusp – Inclusive, o Poder Judiciário português, o senhor me corrija se eu estiver errado, está começando a investigar um crescimento de prisão de brasileiros envolvidos com facções criminosas em Portugal. Correto?
FCM – Olha, eu podia lhe dar um caso que analisei de uma investigação de mais de dois anos relativamente ao principal mentor que era aqui do Brasil. Isso pressupôs uma colaboração entre a polícia judiciária portuguesa e a polícia brasileira e culminou com o encarceramento dos responsáveis principais, mas a instituição criminosa não acabou porque ela tinha ligações para além de Portugal e do Brasil. É um crime plurilocalizado no nível mundial muito poderoso do ponto de vista econômico, com múltiplas expressões em tempos de nacionalidade. Um estudo da Agência da União Europeia para a Cooperação Policial, a Europol, de 2010 sobre Portugal e Bélgica identificou mais de 60 nacionalidades relativamente a um grupo organizado que operava também em Portugal.
Jusp – Mais de 60 nacionalidades?
FCM – Mas isto é uma regra geral. Inclusive o Brasil, África, Ásia, Europa… É a criminalidade mais importante que tem atualmente porque está ligada a uma série de atividades como drogas, o excelente comércio de carros, armas; é uma infinidade.
Jusp – O senhor acha que o Brasil hoje é refém do crime organizado?
FCM – Claro que é. Toda a sociedade mundial é refém do crime organizado. Com estes números, o crime vai continuar e não adianta colocar o sujeito no estabelecimento prisional. Isso é muito sensacionalista em termos midiáticos mas não funciona para combater o crime. Você tem que quebrar o seu principal motivo: o lucro.