A literatura é um espaço de representação universal, capaz de comportar as mais diversas realidades de um país. Desde a década de oitenta, o crescimento de autores de origem indígena vem crescendo no mercado editorial, trazendo consigo a realidade de seus povos e o seu lado da história do Brasil.
Segundo o IBGE, existem mais de 300 etnias, fazendo do Brasil um dos países com a maior diversidade de povos locais no mundo. O número de línguas faladas em um país é um dos critérios para se avaliar o grau de diversidade cultural nele existente. No Brasil, são faladas mais de 170 línguas indígenas, o que o coloca entre os dez países de maior diversidade cultural do mundo.
“É preciso lembrar que algumas dessas línguas têm hoje menos de dez falantes, estão morrendo”, conta Eduardo Navarro, professor do Departamento de Letras Clássicas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.
Atualmente, São Paulo tem a quarta maior população indígena do País, com mais de 10 mil índios vivendo em bairros periféricos. Hoje, mais de 30% dos índios brasileiros com fenótipo indígena ainda visível vivem nas cidades, representando cerca de 300 mil. “Nas capitais e cidades da Amazônia, tal realidade é ainda mais grave, e o desenraizamento de pessoas provenientes de terras indígenas é ainda mais forte”, afirma o professor.
Nesse contexto, o meio literário torna-se um espaço de disputa de narrativa, como explica Navarro: “A literatura é uma arena na qual se debatem diferentes visões de mundo e onde se mostram as diferentes representações do índio”. Segundo ele, houve uma mudança na representação da figura do índio a partir dos anos 80. “O índio idealizado e mitificado das epopeias árcades como Uraguai, o Caramuru, os romances indianistas de José Alencar e mesmo de autores modernistas, a literatura indígena dos últimos 40 anos passa a mostrar o índio de forma mais verossímil”, afirma.
“Por exemplo, mal se pode perceber um índio real no personagem Peri, da obra de Alencar, impregnado dos valores morais e éticos da cristandade e das características do herói medieval importados de além mar”. De acordo com Navarro, a riqueza da cultura indígena é mal aproveitada e representada nas obras clássicas de literatura, mesmo em movimentos que o colocam como protagonista, como o modernismo.
“A literatura indígena atual, porém, desvia o olhar de um índio do passado e passa a olhar para um indígena do presente, aquele que a história tornou invisível do ponto de vista social e político”, explica Navarro.
Protagonismo indígena
Para Eliane Potiguara, escritora, ativista e professora, o crescimento da representação indígena na literatura é importante na luta por direitos e representação, passando a ter papel ativo na criação da sua história: “O indígena, hoje, tanto na parte política quanto na parte da educação, quanto na parte literária ele tem se tornado um protagonista, pegou o destino dele nas mãos e começou a caminhar com seus próprios pés. A literatura especificamente indígena, feita por pessoas que vêm das comunidades dos povos indígena, que têm um amplo conhecimento e vivência de suas culturas, é uma literatura que nasceu como uma forma de resistência”
A escritora ressalta como essa representação nasceu da necessidade de se mostrar a cultura, a luta dos povos ameríndios e a violação dos direitos humanos sofridos por esses povos. Para ela, outro aspecto importante do crescimento da representação é o compartilhamento da história dos povos originários do Brasil.
“A voz é oral, os nossos velhos trazem essas histórias de vida e de criação de cada povo. Muitas dessas histórias, muitos brasileiros não indígenas passaram para o papel e, quando passaram, reescreveram as nossas histórias”, mudaram o sentido geral, ressignificaram e até deturparam de certa forma”, diz Eliane.“Ela está contando algo que não está vivendo, como uma pessoa de origem indígena vive e sabe da sua realidade, da sua história, da história da sua família, que viveu o cotidiano desde criança, escutando a história dos avós em torno da fogueira, toda uma realidade, uma cultura indígena, que só quem sabe é quem conviveu”, conclui Eliane.
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