A corrida por vacinas após o maior surto recente de febre amarela no Brasil, há quase dois anos, não foi suficiente para conter os riscos de expansão da doença. De acordo com números recentes do Ministério da Saúde, de 1º de janeiro a 8 de novembro deste ano foram registrados 1.311 casos e 450 mortes, quase o dobro do identificado no mesmo período do ano anterior, 736 casos e 230 mortes. Agora, com a proximidade do verão, época de maior risco de transmissão (o aumento da temperatura favorece a reprodução dos mosquitos transmissores e, por consequência, o potencial de circulação do vírus), o governo faz um alerta para que as pessoas que vivem em áreas com evidências da patologia busquem a vacinação o quanto antes. A cobertura vacinal continua abaixo do necessário.
O Jornal da USP no Ar conversou com o médico infectologista Marcos Boulos, professor do Departamento de Moléstias Infecciosas e Parasitárias da Faculdade de Medicina (FM) da USP e coordenador de Controle de Doenças da Secretaria de Saúde de SP. A febre amarela era uma doença silvestre e, mesmo nas epidemias urbanas, ocorridas antes de 1940, nunca houve tantos casos e mortes quanto neste ano. Boulos aponta que as mudanças de vida, como morar mais próximo às matas e viver de forma mais ecologicamente saudável, levaram à ocorrência de mais casos, teoricamente, pois a doença é própria dos primatas silvestres do que do homem.
Antes, a vacinação era realizada apenas quando havia contato com áreas de risco de contágio, mas desde o ano passado a febre amarela entrou nos grandes centros urbanos brasileiros. Em São Paulo, por exemplo, ela se alastrou com um número enorme de casos em Mairiporã e se estendeu até o entorno da Cantareira, levando a um aumento na preocupação com a doença e necessidade de vacinação. Agora, o especialista alerta para a necessidade de que todas as pessoas se vacinem, já que a transmissão do vírus entre primatas nos últimos dois invernos consecutivos, apesar de se tratar de uma doença de verão, sugere um quadro preocupante.
A cobertura de vacinação do Estado de São Paulo é em torno de 60%. Segundo Boulos, esses números estão muito abaixo do ideal, já que, diferentemente de uma doença transmitida por via aérea, por exemplo, qualquer pessoa que não tenha sido vacinada está vulnerável ao contágio, independente de estar cercada de pessoas que se preveniram.
Sobre os problemas da cobertura vacinal, durante o ano passado, o médico atribui culpa às notícias sobre os casos de morte por febre amarela, que levou pessoas que não precisavam se vacinar naquele momento a esperarem por horas em filas. Para evitar a falta das doses, começaram a ser noticiados efeitos adversos da vacina, o que teve efeito mais drástico do que o pretendido e fez com que as pessoas deixassem de buscar a imunização. O especialista estima que 15 milhões de pessoas ainda não se vacinaram.
Boulos adverte que o número de casos da doença já está aumentando com a aproximação do verão, especialmente no litoral do Estado. Por isso, é importante que todos se vacinem e aqueles que não podem fazê-lo usem repelente. O doutor ressalta que não existe interesse na vacinação além da proteção da sociedade contra essa doença e que não há outra forma de prevenção tão efetiva quanto a vacina disponibilizada gratuitamente.