Demarcação de terras indígenas: momento atual é de reorganização das instituições

Ao comentar que apenas oito demarcações de terras indígenas aconteceram, de 14 listadas, Marta Rosa Amoroso argumenta que o Brasil vem de uma desarticulação administrativa considerável no governo passado

 Publicado: 11/04/2024

Texto: Redação

Arte: Simone Gomes

Podemos considerar esse momento atual como uma reorganização das instituições – Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

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Sob pressão de demanda antiga, governo federal fez apenas oito demarcações de terras para povos indígenas até o momento. Lideranças cobram mais apoio político ao Ministério dos Povos Indígenas e cogitam vetar convite ao presidente Lula para o Acampamento Terra Livre, maior mobilização indígena no País. A professora Marta Rosa Amoroso, do Departamento de Antropologia da Faculdade de Filosofia, Letras, e Ciências Humanas (FFLCH) da USP e do Centro de Estudos Ameríndios da Universidade, elucida o assunto.

Existem hoje dois órgãos de alta relevância dedicados às questões dos povos indígenas. A Funai e o Ministério dos Povos Indígenas são os principais agentes trabalhando nas demandas dessa comunidade. “É importante frisar que existe uma mudança de conjuntura, esses órgãos hoje estão munidos de bons profissionais; 14 terras indígenas foram listadas pela articulação dos povos indígenas do Brasil, portanto, já há uma participação do movimento indígena relevante. 

Dessas 14 terras, oito já foram listadas no primeiro ano da nova gestão”, conta a professora Marta Amoroso.

Como explica a professora, o processo demarcatório é complexo. O percurso envolve tramitação pelo Judiciário e tem andamento lento. “Oito territórios de 14 listados é, de fato, um número menor do que o esperado. Porém, ainda assim, existe uma mudança clara de cenário. Viemos de uma desarticulação administrativa considerável no governo passado, com declarações emblemáticas como ‘nem um milímetro de terra indígena vai ser demarcada’ feitas pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. Por isso, podemos considerar esse momento atual como uma reorganização das instituições”, ressalta.

Marta Rosa Amoroso - Foto: Cecília Bastos/USP Imagens
Marta Rosa Amoroso - Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Entraves internos

A docente destaca que, apesar dos avanços, existem embates políticos internos ao aparato governamental que dificultam os projetos de demarcação. Para exemplificar como esse embate se dá na prática, Marta cita a disputa entre a empresa Potássio Brasil e a comunidade indígena Mura, que é acompanhada de perto pela especialista. “Os muras estão na Amazônia Central, território que está sendo disputado pelas mineradoras. O que se observa é que o governo se mostra dividido. A Potássio Brasil já está de fato atuando sem autorização e, recentemente, o governo do Estado está apoiando essas atividades, mesmo contra qualquer regularização fundiária das terras.’’

Até o momento, as terras Mura não foram demarcadas, o que torna a disputa pelas terras mais delicada. “Quando acontece a disputa de uma mineração, o embate passa a ser muito acirrado, porque você tem uma regularização ainda não feita, mesmo que eles estejam lá desde sempre. Nesse sentido, você percebe que o cenário é de divisão do governo federal e do governo estadual”, complementa.

O significado do Marco Temporal

O Marco Temporal passou a ser o parâmetro utilizado para a regularização das terras. Para a professora, esse é um ponto que adiciona instabilidades ao cenário. “Essa medida é uma derrota para o movimento indígena. Ele transfere a responsabilidade da demarcação da Funai para o Ministério da Justiça. Atualmente, temos um ministro alinhado com a Funai e as questões indígenas, mas não necessariamente será sempre assim. Além disso, a estrutura da decisão favorece os garimpos em detrimento da proteção aos indígenas “, finaliza.


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