Atletas transexuais ajudam a pensar um mundo mais inclusivo

Análise foi feita durante evento na USP em Ribeirão Preto sobre a questão do gênero no esporte

 13/03/2018 - Publicado há 7 anos
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Professora Berenice Mendonça e a psicóloga Gabriela de Oliveira Zin durante debate de gênero na USP em Ribeirão Preto – Foto: Luis Gomes – EEFERP

Polêmica na imprensa e redes sociais. Caso da primeira atleta transexual autorizada a disputar o Campeonato Brasileiro de Voleibol Feminino é preconceito ou tem base científica? Para autoridades presentes à terceira Jornada USP de Psicologia do Esporte, é preconceito. A mulher foi o tema do evento, não por acaso, realizado no Dia Internacional da Mulher, 8 de março, em Ribeirão Preto, organizado pela Escola de Educação Física e Esporte (EEFERP) da USP.

“Pode até faltar informação sobre a fisiologia humana ou a formação de um atleta à maioria da sociedade, mas o que vem primeiro é mesmo a dificuldade em lidar com a diversidade”, afirma a professora Berenice Bilharinho Mendonça, titular do Setor de Endocrinologia da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), em São Paulo, e consultora do Comitê Olímpico Internacional (COI) para a inclusão de atletas latino-americanos com distúrbios sexuais.

Há 40 anos trabalhando com distúrbios do desenvolvimento sexual (DDS), a médica garante que a principal diferença entre homem e mulher na capacidade física para o esporte é o nível de testosterona, hormônio que define características masculinizantes como maior massa muscular e, consequentemente, mais força, potência e velocidade.

Respondendo aos críticos das mulheres transexuais em competições femininas, Berenice lembra das várias condições médicas que resultam em hiperandrogenia e produção excessiva de testosterona em mulheres. “Se a questão é de vantagens de um corpo pregressamente esculpido pelo hormônio masculino, deveriam também considerar os casos de hiperandrogenia em mulheres. A síndrome do ovário policístico é um exemplo relativamente comum”, comenta a médica.

Quanto às desvantagens para o esporte, a professora lembra os riscos à saúde e à vida oferecidos pela terapia de transformação de gênero. E no universo esportivo nem se fala em cirurgia, já que se usadas as regras do COI elas não são mais necessárias, mas os oferecidos pelos tratamentos hormonais.

A psicóloga do esporte da equipe masculina de vôlei do Sesi, Marina Gusson, chega a se questionar quanto aos prejuízos físicos da transformação para a atleta, quando se diminui a força com a queda da testosterona no organismo. Marina conta que são tantas as variáveis envolvidas no desempenho de uma atleta que se torna muito difícil usar apenas o fator hormonal para definir vantagens ou injustiças em competições esportivas, principalmente como as de vôlei, que dependem da inteligência.

Em 2003, quando uma comissão médica se reuniu em Estocolmo, Suécia, definindo o Consenso sobre Reatribuição de Sexo e Hiperandrogenismo, o COI autorizou a participação de atletas transexuais nas Olimpíadas, mas com muitas restrições. Na mudança de sexo biológico de masculino para o feminino, era necessária a cirurgia de reconstrução genital.

Com a revisão dessas regras em 2015, as atletas que querem competir em eventos femininos devem apresentar níveis de testosterona no sangue abaixo de 10 nmol/L durante os últimos 12 meses antes de sua primeira competição olímpica. Aquelas que passaram por mudança de sexo não precisam mais das cirurgias, mais devem ter declarado a identidade de gênero feminina, além de manter o nível hormonal. Não existem restrições para casos de mudança de feminino para masculino.

‘Um olhar mais aberto’ para a inclusão

Atleta transexual não foi o único tema da Jornada USP destacado pelo preconceito. O mundo esportivo foi por séculos tido como “coisa de homem” e apresenta ainda muito desafio às mulheres. Mas a situação persiste em diversos setores, não só o esportivo. Mesmo com os avanços alcançados, elas ainda são discriminadas, recebem salários menores e, como mostra pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgada no início do mês de março, perderam cargos de lideranças. De 39% em 2015, ocuparam apenas 37,8% das chefias empresariais em 2016, mesmo tendo mais escolaridade que os homens.

Tomando como base as falas das psicólogas, médicas, atletas, professores e alunos de Educação Física presentes ao evento, a desigualdade de gêneros na sociedade brasileira ainda é grande e deve ser combatida com “estratégias de humanização”. Para Marina Gusson, a discussão sobre as mulheres transexuais nos esportes faz pensar no quanto se deve “ampliar o leque sobre os vários parâmetros a serem analisados para tirar conclusões”.

Berenice vê no sofrimento dessas mulheres com o preconceito social uma oportunidade que “ajuda a pensar num mundo mais inclusivo”. E a também psicóloga Gabriela de Oliveira Zin acredita em mudança de ideia e aconselha a “manter um olhar mais aberto”.

Assista ao evento completo on-line.

 

 


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