A democracia reduziu a desigualdade no Brasil?

Essa foi uma das questões na conferência que discutiu o papel do Estado no País

 31/08/2022 - Publicado há 2 anos

Texto: Luiz Roberto Serrano

 Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Geografia da Fome, de Josué de Castro, Vidas Secas, de Graciliano Ramos, O Povo Brasileiro, de Darcy Ribeiro, Quarto de Despejode Carolina Maria de Jesus.

A leitura de trechos dessas quatro obras, todos espelhando, de um modo ou de outro, as mazelas da sociedade brasileira, abriu o caminho para a conferência Relações entre Estado e Desigualdade no Brasilde certa forma definindo o tom da discussão durante a qual o Estado, definitivamente, não se saiu bem.

Como conferencista, no segundo dia do Seminário USP Pensa Brasil, o experiente embaixador Rubens Ricupero, atualmente titular da Cátedra José Bonifácio da USP, tentou responder a duas perguntas: o que fizemos em 200 anos de Independência e o que deixamos de fazer?

Rubens Ricupero – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

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“Uma forma da USP dialogar sobre as questões centrais brasileiras”

Quanto ao que fizemos, ressalto a citação que fez de José Bonifácio, o Patriarca da Independência, que, em 1823, disse que a escravidão vigente no Brasil “era um câncer”. De quebra, lembrou que em 1822 havia um milhão de escravos em uma população de 4,3 milhões de habitantes.

Quanto aos tempos atuais, definiu a desigualdade “como o maior de nossos fracassos”. Seu enfrentamento, na sua visão, é fundamental para o Brasil se tornar um país minimamente decente.

Como grande desafio, enfrentar a questão do meio ambiente é, para ele, imperioso, caso contrário os próximos 100 anos serão muito problemáticos.

Sim e não

A democracia reduziu a desigualdade no Brasil?

Essa foi a principal pergunta que a socióloga Marta Arretche respondeu em sua fala durante o debate na conferência Relações entre Estado e Desigualdade no Brasil.

Foram duas as suas respostas:

Resposta 1: não

  • Níveis de concentração de renda permaneceram estáveis;
  • O 1% mais rico obtém uma parcela excepcionalmente elevada da renda total;
  • Nem a democracia nem os governos de esquerda reduziram a desigualdade de renda;

Resposta 2: sim

  • Desigualdade de renda caiu consistentemente dos anos 1990 em diante;
  • Desigualdade de renda caiu a uma taxa superior à dos países (hoje menos desiguais) no início de sua trajetória;
  • A velocidade da queda da desigualdade se acelerou sob os governos do Partido dos Trabalhadores;
  • Desigualdade de acesso à saúde e educação foi substancialmente reduzida;
  • Democracia e governos de esquerda reduziram desigualdade.
Seminário USP Pensa Brasil - Painel : Relações entre Estado e Desigualdade no Brasil - Debate: Gilson Rodrigues(presidente do g10 fAVELAS), Marta Arretche, Silvio Almeida.  Local: Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin. Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Marta Arretche – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Por estranho que possa parecer, ambas estão corretas, afirmou Arretche na sua exposição.

As respostas acima, na verdade, demonstram que a concentração de renda no período permaneceu a mesma de 1985 em diante, mas as camadas mais pobres melhoraram a sua situação graças às políticas públicas adotadas no período.

A partir de 2015, contudo, segundo Marta Arretche, verifica-se uma involução em um quadro que já deixava a desejar:

  • Crise na economia afeta o mercado de trabalho (queda de emprego e renda)
  • Os mais pobres foram os grandes perdedores
  • Políticas para os mais pobres não compensaram as perdas no mercado de trabalho
  • O que aconteceu para gerar essa inflexão?
  • Novos riscos surgiram e o governo nada fez
  • Cortes severos nos programas voltados aos mais vulneráveis
  • Preferência pelos programas que permitem estratégias silenciosas
  • Governo federal recua de coordenador das políticas dos governos subnacionais.

“Estar aqui é uma inovação”

O professor Silvio Almeida, advogado e presidente do Instituto Luiz Gama, por sua vez, elencou três pontos inescapáveis em qualquer análise sobre o País: a dependência econômica, o lugar que o Brasil ocupa na economia mundial; o autoritarismo, característica intrínseca à sociedade brasileira, que apenas diminui em momentos de respiros democráticos; e o racismo, que substituiu a escravidão quando esta foi legalmente extinta. Na visão dele, todos esses três pontos têm determinante influência na questão da desigualdade no Brasil.

Silvio Almeida – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

“Eu estar aqui é uma inovação”, reconheceu Gilson Rodrigues, presidente do G10 Favelas, representando Paraisópolis, o bairro popular incrustado na elegante região do Morumbi, em São Paulo. “É uma oportunidade de falarmos sobre nós mesmos, mostrar que não queremos mais ser tratados como coitadinhos.” Líder comunitário, Rodrigues relatou a saga de sua família no caminho do Nordeste para São Paulo, seus sofrimentos como órfão, depois que a mãe faleceu. Segundo ele, giram nas favelas do Brasil R$ 180 bilhões por ano, movimentados por uma população que quer superar todas as restrições com que é vista em todo o país. “Paraisópolis vai completar 101 anos, tempo suficiente para ter seus problemas resolvidos, se houvesse a vontade de fazê-lo por parte da sociedade, afirmou.

Assista à integra do seminário acessando o vídeo abaixo a partir de 9:35:00.

Gilson Rodrigues – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Seminário USP Pensa Brasil


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