Pequena homenagem a Aziz Ab’Sáber

Por Marli Quadros Leite, pró-reitora de Cultura e Extensão Universitária da USP

 Publicado: 23/10/2024 às 14:40
Marli Quadros Leite – Foto: Marcos Santos/USP Imagens
No centenário de Aziz Ab’Sáber, todas as comemorações são merecidas. Por isso, compartilho com os leitores do Jornal da USP minha homenagem ao professor que tanto fez pela nossa Universidade e pelo desenvolvimento do conhecimento no nosso País, na abertura da 8ª Semana Internacional Aziz Ab’Sáber – Homenagem ao Centenário do Mestre! (1924/2024), que acontece em São Luiz do Paraitinga entre os dias 21 e 24 deste mês.

Neste seminário em homenagem ao centenário de nascimento de um dos maiores intelectuais brasileiros, professor Aziz Ab’Sáber, que muito honrou a Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da USP com sua presença durante sua longa sua carreira de docente e pesquisador. O professor foi importante tanto por sua atuação didática quanto pelas ideias que formulou e divulgou e permanecem profundamente relevantes nos debates atuais sobre clima, sustentabilidade e relação entre sociedade e natureza.

Aziz Ab’Sáber não foi apenas um geógrafo de excelência, foi um visionário que soube antecipar questões ambientais hoje presentes no centro das discussões globais. Sua vasta contribuição para o entendimento dos domínios morfoclimáticos do Brasil, dos biomas e das complexas interações entre o homem e o ambiente abriu caminhos que, em muitos aspectos, ainda estamos trilhando. Para ele, estudar o território brasileiro era também compreender suas riquezas naturais, seus desafios ecológicos e os impactos das ações humanas sobre o equilíbrio dos ecossistemas.

Um dos pontos centrais da obra de Aziz foi a defesa incansável da Amazônia e do Cerrado, dois biomas que, décadas após seus alertas, continuam sob ameaça constante. Muito antes das discussões sobre as mudanças climáticas tomarem proporções globais, o cientista já chamava atenção da sociedade para os riscos do desmatamento desenfreado e das intervenções humanas porque, ao se desrespeitarem os limites naturais, a estabilidade climática e a biodiversidade restariam comprometidas. Ele entendeu que a destruição desses biomas não apenas degradava o meio ambiente, mas também afetava diretamente as populações que deles dependem.

Quando olhamos para o cenário atual, em que o mundo enfrenta os desafios impostos pelas mudanças climáticas, percebemos o quanto Aziz estava à frente de seu tempo. Hoje, falamos em aquecimento global, em eventos climáticos extremos, em perda de biodiversidade, e em como esses fatores agravam as desigualdades sociais. Todas essas questões já eram, de certa forma, previstas nos estudos e preocupações de Aziz Ab’Sáber. Sua visão integradora, que unia a geografia, a ecologia e a antropologia, mostrou que não podemos separar o ambiente natural das dinâmicas sociais e econômicas. Ele nos ensinou que a busca por um desenvolvimento sustentável é indissociável de uma política ambiental séria, que respeite os limites da natureza e promova a inclusão social.

Hoje, quando falamos em sustentabilidade, repetimos um termo que Aziz já praticava em essência. Ele compreendia que o desenvolvimento econômico não poderia ocorrer às custas da destruição ambiental e que políticas públicas voltadas para a preservação deveriam ser prioridade de qualquer governo que pretendesse realmente cuidar do futuro. O conceito de “desenvolvimento sustentável”, tão difundido nas últimas décadas, era, para Aziz, algo mais profundo do que uma palavra de ordem: era um compromisso ético com as futuras gerações.

Em um momento em que o mundo todo discute a emergência climática e busca soluções para frear a degradação do planeta, as lições deixadas pelo professor Aziz Ab’Sáber tornam-se ainda mais relevantes. Ele defendia que o Brasil tinha uma responsabilidade particular na preservação ambiental, não só por ser uma das nações mais ricas em biodiversidade, mas também por seu papel crucial na regulação climática global, especialmente devido à Amazônia. Hoje, sabemos que a preservação desse bioma é vital não só para o Brasil, mas para o equilíbrio climático de todo o planeta.

Além da advertência dada sobre o uso descontrolado dos recursos naturais, Aziz também era crítico da expansão agrícola sem planejamento, que destruía ecossistemas inteiros. Ele preconizava convivência harmoniosa entre o progresso e o meio ambiente, meta que o Brasil ainda tenta alcançar. O atual debate sobre agroecologia e agricultura regenerativa ressoa profundamente o som da voz desse grande cientista, defensor de práticas agrícolas que respeitassem os ciclos naturais e evitassem o esgotamento do solo.

Se hoje falamos de soluções baseadas na natureza, de restauração de ecossistemas e de mitigação das emissões de carbono, devemos reconhecer que muitas dessas ideias foram pavimentadas por estudiosos como Aziz Ab’Sáber, que já indicava o caminho para uma convivência mais equilibrada entre homem e natureza. O centenário de seu nascimento é, portanto, não apenas uma celebração de sua vida e de sua obra, mas um momento de reflexão sobre o que ainda temos a aprender com seu legado.

Que esta 8º Semana Aziz Ab’Sáber, comemorada em sua cidade natal, seja uma oportunidade para olharmos para o passado com gratidão, para o presente com responsabilidade e para o futuro com a mesma ousadia visionária que marcou a trajetória de nosso homenageado. Que possamos seguir sua trilha de conhecimento, sempre comprometidos com a construção de um mundo mais justo, sustentável e em harmonia com a natureza. Sejam todos bem-vindos e que tenhamos um evento inspirador!

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