Os países e organizações que têm o poder de interferir ou se acovardaram ou, por interesses outros, se mantêm distantes da questão dizendo, de forma hipócrita, que o problema é intratável e insolúvel. Líderes corajosos deveriam surgir para construir caminhos melhores que esses, minados pela incompreensão, e há o medo de se tornar um novo Rabin, ou de serem taxados de traidores.
Não há problema bélico, social ou territorial que as sociedades não tenham condições de resolver construtivamente pelo diálogo. A história já nos deu inúmeras vezes essa lição. Mesmo assim, os fanatismos estão aumentando, todos pregando aniquilações tal e qual a filosofia nazista antes da Segunda Guerra Mundial.
O ódio é um sentimento humano que habita todos nós, sendo despertado facilmente. Mas acreditamos que fomos criados com a capacidade de dominá-lo. Ao longo da História o ser humano fugiu algumas vezes dessa característica, e todos sabemos quais foram os resultados. Cito o Oriente Médio como exemplo atual, com fatos desumanos ocorrendo diariamente, como se a humanidade estivesse perdendo a capacidade de construir sociedades saudáveis. Criamos tecnologias impressionantes, mas às vezes fica nítida a impressão que ética e humanamente não estamos avançando.
O Oriente Médio, berço de civilizações admiráveis, encontra-se hoje refém de radicalismos sectários e religiosos que nada devem aos regimes totalitários mais destrutivos dos últimos tempos. Assistimos à execução de barbáries realizadas por pessoas e sociedades cultas, mas fanatizadas por um deus raivoso e vingativo criado na mente de grupos movidos a ódio. É um ser humano criando um deus à sua imagem. Quanta arrogância. Estudantes de nossa psique levantaram a hipótese de que a gênese de radicalismos e ideologias fanáticas seria sempre a mesma. Idealistas frustrados se tornam revolucionários, com a intenção de impor, de forma não democrática, suas opiniões radicais. Não aprenderam a dialogar. Muito colaborou para essa situação o imperialismo que outros povos lhes impuseram, com todas as consequências das agressões culturais profundas sofridas. Sistemas políticos construtivos necessitam de educação e tempo para serem implantados, sem revoluções, que levam povos a enormes sofrimentos. Isso gera evolução.
O Estado de Israel foi criado de forma impositiva, truculenta, sem que tenha havido preparo para o deslocamento de multidões da Europa para a região, com invasões em terras previamente habitadas por povos pacíficos e com culturas milenares. Ao invés de estabelecer uma migração gradativa pacífica e construtiva, avançaram agressivamente, destruindo vilas e expulsando povos que lá viveram por milênios, criando uma situação que os palestinos chamam de Nakba. Na sua fundação, a forma escolhida foi profundamente traumática e supremacista, como está muito bem documentado na história.
Em textos prévios, comentamos que o povo judeu, que lá habitava, poderia agregar os seus valores e costumes com as sociedades seculares e religiosas lá existentes, e não impor uma política exclusivista, com a eliminação de outros que têm raízes profundas na região, e instalando grupos humanos que mal conheciam aquelas terras e habitantes. Por ordens “divinas”, criou-se um novo país. O choque consequente é vivido até hoje. Erros após erros, deram origem a um ambiente explosivo. Como consequência, houve aumento brutal do antissemitismo, que está piorando dia a dia. Aquela região deveria ser um modelo de convivência entre diferentes, ecumênica, e servir de norte para a humanidade, sem sectarismos, racismos e exclusivismos.
O tempo passa, e as perspectivas não são otimistas. Se essa situação persistir, com o mundo assistindo sem interferir, o problema aumentará e ultrapassará fronteiras, o que já está ocorrendo. Julgamos que essa região seja hoje a mais perigosa para a desestabilização do planeta. Os povos que representam o Oriente Médio estão nos quatro cantos do mundo, e acompanham o desenrolar dos fatos com grande ansiedade. Deixou, portanto, de ser um problema regional, que está necessitando de um posicionamento forte, construtivo e imparcial para a solução, antes que esse barril de pólvora venha a explodir, atingindo a todos nós.
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