Embora o risco de desenvolver câncer antes dos 75 anos seja aproximadamente 22%, estima-se que entre 40% e 45% dos casos podem ser prevenidos através da adoção de hábitos de vida saudáveis. Essas medidas preventivas incluem a manutenção de uma alimentação equilibrada, prática regular de atividades físicas, controle do peso corporal, abstinência de tabaco, consumo moderado de álcool, proteção adequada contra radiação solar, vacinação, adesão a exames de rastreamento recomendados, entre outras razões. Torna-se evidente a necessidade de implementar estratégias que ampliem o conhecimento da população sobre os fatores de risco e a prevenção, visando reduzir a alta incidência da doença.
Paralelamente, estudos indicam que a aquisição de informações está diretamente associada ao aumento do conhecimento sobre a prevenção, diagnóstico, tratamento e prognóstico da enfermidade. A maioria das pessoas acessa essas informações de forma passiva, especialmente através da mídia. Entre os veículos, os jornais, considerados uma fonte confiável, desempenham um papel decisivo na disseminação de conteúdo relacionado a este tema. No entanto, a cobertura midiática frequentemente se concentra em tipos específicos de neoplasias, independentemente de sua prevalência ou impacto na mortalidade.
Por outra parte, as características sociais, políticas, religiosas e culturais de um país podem influenciar a abordagem adotada pelos meios de comunicação em relação à enfermidade, resultando em variações regionais. Por exemplo, os jornais norte-americanos priorizam a cobertura do tratamento da doença, com menor ênfase na prevenção primária e secundária. Já os veículos de comunicação canadenses tendem a destacar os riscos associados ao estilo de vida, em detrimento de fatores sociais, ambientais e biológicos. Em contraste, a mídia chinesa foca predominantemente nas neoplasias malignas femininas, mesmo quando outras com maior taxa de mortalidade apresentam maior relevância.
No Brasil, não existem estudos abrangentes que analisem a cobertura da imprensa sobre o câncer. Apesar da significativa redução no número de leitores de jornais impressos durante a pandemia em 2021, essa tendência de queda já vem sendo observada desde 2016, concomitante ao crescimento expressivo do jornalismo digital. Diante desse cenário, compreender as particularidades da cobertura jornalística sobre a enfermidade, mesmo com a transição para plataformas digitais, torna-se vital para alcançar os objetivos de conscientização e educação da população.
Diante disso, conduzimos uma investigação sobre publicações em jornais on-line brasileiros que abordaram o tema do câncer, no período de janeiro de 2019 a dezembro de 2022, totalizando 232 artigos. As restrições ao acesso a cuidados de saúde impostas pela pandemia de covid-19 resultaram na interrupção de tratamentos oncológicos e de outras condições médicas, um fenômeno refletido nas reportagens veiculadas. Ainda assim, nesse cenário, houve a contínua divulgação e reconhecimento de diversas notícias relacionadas à doença.
Entre as variadas informações coletadas, e que seguramente merecerão um espaço individualizado de análise, gostaríamos de centrar a atenção em uma variável específica: o “tipo de conteúdo das notícias”. Em ordem decrescente de frequência, os principais temas abordados foram: diagnóstico, tratamento e prevenção. Registrou-se que, em 50% dos casos, a cobertura midiática enfatizou a ideia de que o diagnóstico precoce é crucial para aumentar as chances de sobrevivência, permitindo o acesso ao tratamento mais adequado. Em contrapartida, o diagnóstico tardio permaneceu fortemente associado à mortalidade, especialmente nos casos de câncer de mama, colo do útero, próstata e pâncreas.
Embora os meios de comunicação tenham dado ênfase principalmente aos tipos de câncer nos quais o diagnóstico tardio possui relevância estatística, as causas dos atrasos são multifatoriais e complexas. Estima-se que 13% dos adiamentos evitáveis ocorram antes que o paciente procure atendimento médico, enquanto 38% acontecem após o encaminhamento a um especialista. Os 49% restantes sucedem durante a avaliação pelo especialista, incluindo o tempo de espera para a realização de exames e a obtenção de resultados. Outros exemplos de atrasos preveníveis envolvem pacientes com sintomas inespecíficos, que, em consultas iniciais, podem passar despercebidos ou ser erroneamente atribuídos a outras condições médicas.
No jornalismo, o câncer tende a ser representado predominantemente como uma patologia de base fisiológica, sendo explicado e debatido sob a ótica da biomedicina, cujo enfoque taxonômico se caracteriza pela referência a aspectos biológicos, diagnósticos e terapêuticos. No campo biomédico, há uma clara priorização do tratamento em prejuízo da prevenção. Uma abordagem que também se refletiu, com relevância estatística, no material analisado.
É fundamental destacar que, atualmente, o discurso mais correto e amplamente defendido é o da prevenção. No entanto, na prática, observa-se uma considerável lacuna entre o que é propagado e sua efetiva implementação, evidenciando um descompasso entre o discurso preventivo e a realidade cotidiana.
Para que as ações de prevenção sejam eficazes, é imprescindível que se integrem de maneira adequada ao diagnóstico e ao tratamento, uma vez que são partes indissociáveis de um processo contínuo. É preciso não confundir diagnóstico precoce com prevenção e, sobretudo, incorporar a prevenção como prioridade nas ações de saúde dentro da atenção primária. Investir em prevenção hoje resulta em economias futuras, mas o benefício mais significativo vai além do aspecto econômico: trata-se da preservação de vidas, da redução de mutilações e da melhoria na qualidade de vida de milhares de pessoas, muitas das quais permanecem ativas e produtivas no mercado de trabalho.
Destacar a necessidade de ampliar a prevenção é essencial, uma vez que 50% dos anos de vida perdidos globalmente são atribuídos a hábitos e fatores ambientais; 20% a problemas genéticos, que ainda não podem ser modificados, e os 30% restantes a questões relacionadas a diagnóstico e tratamento, áreas que curiosamente recebem maior prioridade e visibilidade nos meios de comunicação.
Atualmente, é possível identificar a maioria das causas de quase todas as doenças, o que torna o enfoque exclusivo no diagnóstico precoce e em procedimentos médicos corretivos uma abordagem relativamente ultrapassada. Embora o diagnóstico precoce continue sendo uma ferramenta valiosa e deva ser mantido como parte do manejo clínico, questiona-se a lógica de esperar o surgimento da doença para, somente então, diagnosticar e tratar. Dado o conhecimento sobre os fatores causais, é muito mais eficaz e estratégico concentrar esforços na prevenção, promovendo hábitos de vida saudáveis que possam evitar o desenvolvimento das patologias desde seu início.
Diante dessa perspectiva, torna-se evidente que a prevenção deve ocupar um papel central nas políticas de saúde, com foco na promoção de hábitos protetores e na mitigação dos fatores de risco identificados, em detrimento do enfoque exclusivo no diagnóstico e tratamento, que ocorre após o surgimento da doença. Essa abordagem preventiva não apenas otimiza os recursos, mas também contribuirá para a melhoria da qualidade de vida da população. O presente trabalho, que embasa essa reflexão, foi publicado na Revista Internacional de Estudios sobre Medios de Comunicación. A disponibilização dessas informações visa incentivar um debate mais amplo e fundamentado sobre a importância da prevenção como estratégia principal na saúde pública.
_______________
(As opiniões expressas pelos articulistas do Jornal da USP são de inteira responsabilidade de seus autores e não refletem opiniões do veículo nem posições institucionais da Universidade de São Paulo. Acesse aqui nossos parâmetros editoriais para artigos de opinião.)