O caso Dom Phillips e Bruno Pereira e os crimes contra o meio ambiente e a liberdade de imprensa

Por Carlos Eduardo Lins da Silva, professor do Insper, livre-docente pela Escola de Comunicações e Artes da USP e colunista da Rádio USP

 15/06/2022 - Publicado há 2 anos
Fotomontagem feita por Guilherme Castro/Jornal da USP com imagens de Flickr e Reprodução/Twitter

 

Carlos Eduardo Lins da Silva – Foto: Maria Leonor Calasans / IEA

 

Em 2020, pelo menos vinte ambientalistas e defensores de terras indígenas na Amazônia foram mortos no Brasil, segundo a organização não governamental Global Witness. Entre 2009 e 2019, haviam sido 139.

A situação para jornalistas não tem sido muito menos letal. De acordo com a Repórteres Sem Fronteiras, na década de 2010 ao menos trinta deles foram assassinados no País, o segundo pior número na América Latina.

A maior parte desses casos trágicos não teve a mesma repercussão que está tendo e ainda terá o desaparecimento de Dom Phillips e Bruno Araújo Pereira.

Em parte, isso se deve ao fato de Dom Phillips, 57, ser britânico e ter trabalhado, ainda que como free-lancer, para alguns dos principais veículos jornalísticos do mundo, como The New York Times, The Washington Post e The Guardian, com o qual vinha contribuindo de forma regular até recentemente.

Quando desapareceu com Pereira, de 41 anos, que trabalhou anos na Funai como respeitado especialista em comunidades indígenas, Phillips pesquisava para um livro que iria publicar sobre a Amazônia.

Outro motivo para o caso chamar tanto a atenção é que a administração Jair Bolsonaro tem sido tão deletéria para a floresta e para os indígenas, que isso a tornou pauta prioritária na maioria dos países desenvolvidos, tanto do ponto de vista jornalístico quanto do de ONGs, entidades multilaterais e governos.

Os estragos de Bolsonaro contra o ambiente prejudicam o interesse nacional e até muitos dos seus alegados objetivos como presidente.

A OCDE, chamada de “clube dos países ricos”, para a qual Bolsonaro quer que o Brasil entre, por exemplo, exige que os candidatos ao bloco apurem violências contra ativistas ambientais como um requisito para a aprovação de seu pleito.

O acordo de livre-comércio entre Mercosul e União Europeia, finalizado em 2019 após vinte anos de negociações, está travado porque a opinião pública europeia e muitos dos parlamentos nacionais não querem ratificá-lo devido aos crimes ambientais que vêm sendo praticados no Brasil.

É fato indiscutível que, desde janeiro de 2019, a devastação da floresta e a segurança dos povos originais pioraram como nunca em razão da política intencional de desmonte de instituições reconhecidas mundialmente como competentes na tentativa de controle de danos ambientais na região.

Bruno Araújo Pereira, por exemplo, foi um dos muitos exonerados pela Funai, que a cada dia têm menos condições de cumprir sua missão, boicotada de modo sistemático pelos atuais dirigentes.

A lentidão com que as autoridades militares e policiais procederam para dar início às buscas por Dom e Bruno é outra demonstração clara da indisfarçável má vontade do governo Bolsonaro com o respeito aos direitos humanos e com a preservação do meio ambiente.

Os criminosos que praticam atividades extrativas de modo ilegal e em territórios onde elas não podem ser feitas ganharam passe livre do governo Bolsonaro para atuarem de maneira ostensiva e com agressividade sem precedentes.

Tudo isso só pode levar ao aumento de crimes contra os que ainda se opõem a essas práticas, com risco de perda da própria vida, como tem acontecido.

Dom e Bruno se tornarão personalidades emblemáticas de defesa da Amazônia, como foram Chico Mendes, assassinado em 1998, e Irmã Dorothy Mae Stang, morta em 2005. Mendes era um dos mais importantes ativistas ambientais do mundo, e tinha amigos e admiradores em diversos países. Irmã Dorothy era de nacionalidade americana, embora tivesse vivido no Brasil a maior parte da vida.

A tragédia reforçará ainda mais a cobertura jornalística do que acontece com o meio ambiente no Brasil. Os grandes veículos das principais nações darão cada vez mais espaço a esses temas.

Há poucas semanas, a agência Associated Press contratou um dos principais jornalistas brasileiros especializados no assunto, Fabiano Maisonnave, e os resultados já se fazem sentir com o aumento de matérias aprofundadas com sua assinatura em maior destaque em jornais como o Washington Post.

Outro fator que reforçará a importância desse assunto na imprensa mundial é que a liberdade de imprensa está sob assédio em diversos países, e o Brasil de Bolsonaro é um dos principais, com as agressões verbais e simbólicas do próprio presidente, seus assessores e familiares e com o incitamento deles a agressões físicas contra jornalistas por parte de seus apoiadores.

Até como uma forma de autodefesa, além do combate pelo princípio da liberdade de imprensa, será natural que Dom Phillips se junte ao memorial das vítimas que sofreram as piores consequências pela coragem de exercer sua profissão.


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