Nelly Novaes Coelho: um nome a ser lembrado

Por José Nicolau Gregorin Filho, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP

 14/04/2022 - Publicado há 2 anos
José Nicolau Gregorin Filho – Foto: Arquivo pessoal

 

Conheci Nelly Novaes Coelho por ocasião do meu concurso para docente da Universidade de São Paulo. Evidente que os livros da professora já faziam parte de minhas referências bibliográficas dos trabalhos de mestrado e doutorado, mas o primeiro contato pessoal com a grande estudiosa e professora da área de literatura infantil e juvenil acontecera ali, no dia 16 de dezembro de 2002, 20 anos depois de a própria Nelly ter fundado essa área de estudos na instituição. Então, quase 20 anos atrás, pensei que teria grande responsabilidade no concurso porque era evidente que a autora daqueles livros que eu mesmo utilizava para minhas pesquisas e aulas estava ali para avaliar o meu conhecimento sobre o tema e a minha caminhada anterior como professor e pesquisador.

O olhar atento e gentil daquela senhora deixou-me à vontade para expor minhas ideias sobre o tema da aula, na arguição e na leitura da prova escrita. Lembro-me que durante a arguição do memorial a professora expressou a vontade de conhecer mais sobre meu trabalho como docente, meu pensamento sobre o que era ensinar literatura para crianças e jovens na universidade e mesmo sobre minha formação, sempre com uma postura atenta e rigorosa, mas com respeito e muita gentileza.

No momento em que a professora Lúcia Pimentel Góes, outro expoente da área e presidente da banca, divulgou o meu nome como aprovado, lembro-me claramente do sorriso na voz da professora Nelly dizendo que “agora a tocha olímpica está nas suas mãos”. Entendi que naquele instante a responsabilidade de continuar o ensino e a pesquisa em literatura infantil e juvenil começava realmente.

Convivi alguns anos nos corredores da Universidade com a professora que ainda orientava alunos na pós-graduação, participava de bancas e tinha muitos projetos de reedições e publicações de livros.

Numa ocasião, escrevi um artigo para a revista Via Atlântica, vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa em que eu acabara de ingressar. O texto fazia uma reflexão sobre os períodos da literatura para crianças e jovens no Brasil e ampliava o quadro publicado por Nelly há 20 anos. Resolvi conversar com a professora antes de enviar para publicação, queria saber sua opinião sobre as mudanças que eu propunha. Com a mesma gentileza de sempre, ouvi: “Publiquei isso há 20 anos, você deve publicar sim! É desse modo que o saber científico avança. Eu disse que a tocha estava com você!”.

A cada encontro com Nelly, ficara mais nítida a modernidade daquela mulher nascida no ano da Semana de Arte Moderna e que teve a ousadia de criar uma área de estudos que ainda não existia nas universidades brasileiras, somando essas atividades a outras na área de literatura portuguesa no Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas. Sim, a professora criou a área e passou a ministrar mais quatro disciplinas além daquelas já constantes de suas atividades.

Passou a ser conhecida nacional e internacionalmente com várias publicações, muitas delas referências até hoje, tais como o Dicionário crítico de literatura infantil e juvenil, obra que reúne em seus verbetes quase a maioria dos escritores brasileiros. Na sua grande produção acadêmica, grande em número e em qualidade, destacam-se também títulos sobre a literatura portuguesa, leitura e arte.

Em 2010, no lançamento de um livro seu, o Panorama histórico da literatura infantil/juvenil, obra revisada e também referência para a área, Nelly parecia ainda ter muitos planos e era com alegria que recebia uma centena de presentes para as dedicatórias. Foi uma das últimas oportunidades de estar com a professora que falecera em 2017.

Neste ano, centenário de nascimento de Nelly Novaes Coelho e quase 40 anos de criação da área de literatura infantil e juvenil da USP, mais do que a lembrança dessa grande mulher e todas as merecidas homenagens pelo seu trabalho inovador na Universidade de São Paulo, é o momento de lembrar as palavras da professora há 20 anos, no dia do meu concurso: “Agora a tocha olímpica está nas suas mãos”.

Apesar dos momentos difíceis pelos quais as universidades passam, chegou o momento de recorrer à metáfora de Nelly para que novos professores venham e que uma área absolutamente necessária para a formação de novos profissionais em letras continue iluminando os momentos de incerteza pelos quais passa a educação do nosso país.

No ano em que se comemora os cem anos da Semana de Arte Moderna, ano de nascimento de Nelly, e numa época em que se fala tanto sobre inovação, importante refletir que nada é mais inovador do que pensar a educação pela arte e valorizar a educação com a grandeza e a sensibilidade que essa docente nos deixou.

Obrigado, professora Nelly Novaes Coelho. Continuarei com o compromisso de passar a tocha olímpica para que ela não se apague.


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