Hilda Hilst sem filtro

Gutemberg Medeiros – Doutor-ECA

 31/08/2016 - Publicado há 8 anos

Gutemberg Medeiros é doutor em Ciências da Comunicação pela ECA-USP e integrante do Grupo de Pesquisa, Imagem e Subjetividade na UEL - Foto: Atílio Avancini

Gutemberg Medeiros é doutor em Ciências da Comunicação pela ECA-USP e integrante do Grupo de Pesquisa Imagem e Subjetividade na UEL – Foto: Atílio Avancini

 

Lembrar-me de Hilda Hilst (1930-2004)– uma das mais importantes escritoras da literatura brasileira – é voltar a 1985, quando a vi pela primeira vez e ela mesma brincava: “si, muy conocida, pero en su casa”. Na época, era citada em poucas obras de referência, a exemplo de História Concisa da Literatura Brasileira, de Alfredo Bosi. Eu a conheci em um curso de extensão universitária na Unicamp e a primeira imagem dela em minha memória é a de fumar compulsivamente um extrafino cigarro a disfarçar a timidez ante os cerca de 20 alunos.

Eu tinha 21 anos e era leitor regular de cadernos semanais de cultura de O Estado de S. Paulo, Jornal da Tarde, Folha de S. Paulo e Jornal do Brasil e nunca tinha ouvido falar nessa escritora. E logo percebi o motivo. Até então, a sua obra fora publicada por pequenas editoras com tiragens mínimas.

As primeiras palavras escritas por Hilda, as vi ao entrar em sua casa, em agosto de 1985, ao me deparar com o poema-cartaz elaborado pelo editor Massao Ohno (1936-2010) a partir de seu poema dedicado a García Lorca sobre ilustração de Ruy Pereira. O pôster ficava em destaque em seu escritório e ela logo me confessou as extremas amizade e admiração profissional mútuas com este amigo de longa data.

A relação editorial entre ambos é perceptível em números. Dos 34 títulos que Hilda publicou, 13 foram com Massao. Desses, 10 foram poemas e três em prosa. Ela foi o escritor que ele mais publicou e vice-versa, até a poeta assinar contrato com a editora Globo para a publicação de sua obra em 2001.

Muita coisa mudou de lá para cá. A Globo lançou quase toda a sua obra entre poesia, prosa, teatro e crônica jornalística em mais de 50 anos de atividade profissional. Autor lido é o presente nas gôndolas das livrarias e com divulgação competente. Há coisa de um mês, saiu em notas tímidas na imprensa (nestes tempos de jornalismo cultural deficitário) a mudança de casa editorial de Hilda para a Companhia das Letras.

Atrás dessa notícia tem muito mais a ser revelado, todo um planejamento estratégico de veiculação de sua obra como ainda não se conhece no Brasil e que manterá a palavra viva da poeta no século 21.

As primeiras palavras escritas por Hilda, as vi ao entrar em sua casa, em agosto de 1985, ao me deparar com o poema-cartaz elaborado pelo editor Massao Ohno (1936-2010) a partir de seu poema dedicado a García Lorca sobre ilustração de Ruy Pereira. O pôster ficava em destaque em seu escritório e ela logo me confessou as extremas amizade e admiração profissional mútuas com este amigo de longa data.

O detentor do copyright da obra da autora é Daniel Mora Fuentes, também gestor do Instituto Hilda Hilst há mais de dez anos, onde incentiva formas de divulgação para essa produção, o que resultou até em traduções para as línguas inglesa, espanhola e francesa.

Agora, Mora quer trazer Hilda para a era digital, muito além das páginas em papel, em busca de leitores jovens que a descobrem hoje e com perfil de acessar multiplataformas.

Para tanto, é preciso desenhar um perfil desse leitor. Hilda vai à contramão da crise. Enquanto o mercado livreiro amarga sucessivas quedas de vendas, pela Globo Livros, de abril de 2013 a abril de 2015, houve crescimento de 200%.

Com a crise econômica, houve queda brusca de 50% nas vendas, mas este índice já foi recuperado em 2016, tendo alcançado o patamar de abril de 2015, informa Mora. Esses porcentuais mostram-se ainda mais animadores quando nenhum título novo foi lançado nos últimos dois anos. A troca de editora e outras ações, como o documentário e dois filmes de ficção, todos em longa-metragem, estão em execução.

Assim como Clarice Lispector chegou a ver, antes de seu falecimento, a obra de Hilda tem sido cada vez mais consumida por leitores das jovens gerações. Mora informa dados verificados a partir do Facebook, na página do Instituto Hilda Hilst, para mensurar esse leitor. São mulheres (70%), abaixo dos 34 anos (50%) e intensamente plugadas nas redes sociais.

A partir desse público leitor consolidado que tem alavancado as vendas ­ e inclusive chamou a atenção da Companhia das Letras ­– Mora tem como estratégia baixar mais ainda a faixa etária desses leitores levando Hilda a outras plataformas. Está em produção filme de animação baseado em ficção da autora, verter ao universo em quadrinhos um de seus títulos mais polêmicos – O caderno rosa de Lori Lamby –, entre outros, tendo especialmente em mira suportes digitais.

A obra de Hilda tem sido cada vez mais consumida por leitores das jovens gerações. Mora informa dados verificados a partir do Facebook, na página do Instituto Hilda Hilst, para mensurar esse leitor. São mulheres (70%), abaixo dos 34 anos (50%) e intensamente plugadas nas redes sociais.

Sem desprezar o livro, esses leitores estão na Internet e compartilham conteúdos e preferências. Cada plataforma tem sua linguagem própria e serão desenvolvidos formatos compatíveis para veicular a prosa, a poesia e o teatro de Hilda.

Voltando à imagem da Hilda com cigarro sempre à mão, pode-se dizer que ela era sem filtro em todos os sentidos. Uma de suas marcas era falar o que queria na cara de quem fosse, o que implicou na acidentada trajetória de exposição de sua obra tanto em editoras quanto no jornalismo. Ainda era sem filtro especialmente em sua prosa, ao trabalhar com os grandes temas existenciais humanos, sem concessões de ordem alguma.

Hilda alia as mais diversas tradições literárias e de pensamento com o extremo da modernidade ao trabalhar o ser humano fragmentado a se questionar sobre si e o mundo. Questionamentos que atraem novos leitores. “Palavras eu as fiz nascer/dentro de tua garganta” são versos de sua rica poesia. E parece que muitas gargantas ainda serão despertadas por essa produção tão ampla e ainda muito a ser descoberta.


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