Conferência da Água da ONU: a contribuição da USP

Por Wagner Costa Ribeiro, professor do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP

 12/04/2023 - Publicado há 1 ano
Wagner Costa Ribeiro – Foto: IEA/USP

 

Pode-se apontar a contribuição da USP à UN Water 2023 Conference de várias formas. Para alguns, talvez a de maior destaque, é a que está disponível em https://sdgs.un.org/partnerships/discuss-transboundary-water-governance-and-cooperation. Voltarei a esse aspecto adiante, mas, antes, é preciso comentar sobre a reunião realizada na sede da ONU entre os dias 22 e 24 de março de 2023.
Com uma pauta bem definida, a conferência das Nações Unidas para a revisão da implementação dos Objetivos da Década Internacional da Água e Desenvolvimento Sustentável 2018-2028 tinha como objetivo, como já indicava o nome, avaliar o andamento dos Objetivos da Década Internacional da Água. Mas foram associados mais dois: avaliar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, em especial o sexto, que trata do acesso à água; e elaborar uma Agenda de Ação para a Água até 2028 e 2030.
Foi a segunda conferência da ONU sobre o tema, após a de Mar del Plata, de 1977, definir um plano de ação que destacava temas como “eficiência no uso da água, o controle da poluição dos recursos hídricos e suas implicações na saúde humana, planejamento para o uso da água, educação e pesquisa sobre o emprego e destino dos recursos hídricos e estímulo à cooperação regional e internacional. Foi acordado que cada país-membro deveria promover políticas públicas de acesso à água de qualidade e saneamento básico para a totalidade da população até 1990. As resoluções abordaram situações regionais específicas e que já apontavam um quadro de escassez hídrica”, como escrevi em meu livro Geografia política da água, editado pela Annablume (São Paulo), em 2008.
Como costuma ocorrer em reuniões da ONU, os eventos paralelos pautam temas mais agudos que os tratados na reunião oficial. Isso se confirmou pela extensa programação que destacou assuntos como rios voadores da Amazônia, com menção direta ao trabalho do professor Enéas Salatti (1933-2022), da Esalq, que primeiro afirmou a ocorrência desse fenômeno no último quartil do século XX; soluções baseadas na natureza para prover água de qualidade; associação direta entre gestão adequada dos resíduos sólidos urbanos e tratamento de esgoto com acesso à água; cooperação para o uso compartilhado de águas transfronteiriças, entre outros.
Na reunião oficial, destacaram-se também as posições de países como Bolívia, com a presença de seu presidente Luis Arce, e o discurso do representante do Brasil, proferido por João Paulo Capobianco, doutor em Ciência Ambiental pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental (Procam) da USP. Ambos reafirmaram temas como a relação entre manutenção da democracia e acesso à água de qualidade, com mais participação social. Em outros discursos de representantes de países e de movimentos sociais emergiram, mais uma vez, críticas à privatização dos serviços de água, dado que, após mais de 30 anos de sua aplicação em diversos países, não conseguiu promover o acesso à água a cerca de um terço da população humana.
Participar em minha quarta conferência promovida pela ONU permitiu, além de ampliar a rede de relações acadêmicas e técnicas, identificar uma série de situações que podem convergir para a busca de alternativas para a governança da água em áreas urbanas e, também, para a cooperação internacional para o uso de água transfronteiriça. Certamente isso amplia as possibilidades de cooperação científica, o que deve gerar novas sinergias de pesquisa.
A contribuição da USP para a Agenda de Ação da Água, indicada no primeiro parágrafo, consiste em uma série de seminários para discutir o Acesso à Água e o Direito Humano à Água e ao Saneamento com o objetivo de ampliar a participação social por meio da difusão desses temas à sociedade. Ela foi organizada, como preconizava a ONU, em colaboração com a Rede de Geografia das Águas no Brasil. Já foram realizados dois eventos virtuais. O primeiro apresentou as expectativas para a conferência e o segundo destacou um balanço dos avanços e desafios registrados no evento. Além disso, está prevista a realização de mais uma avaliação da conferência, no Instituto de Estudos Avançados da USP, no próximo dia 18 de abril. Por fim, está em organização uma publicação para a avaliação dos resultados da conferência como uma forma de contribuir para a difusão das metas estabelecidas na reunião de Nova York.
Porém, para um professor com mais de 30 anos de docência na USP, o maior resultado está numa foto na qual registro a presença de três ex-alunas: duas orientandas de doutorado do Programa de Pós-Graduação em Geografia Humana do Departamento de Geografia da FFLCH – Isabela Batistello Espíndola, que atua na International Water Association; Luciana Ziglio, especialista em resíduos sólidos e mudanças climáticas que desenvolve pesquisa de pós-doutorado sob supervisão do professor Tercio Ambrizzi, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP, com apoio da Superintendência de Gestão Ambiental da USP; Maura Campanilli, destacada jornalista ambiental que foi minha aluna na disciplina Geografia dos Recursos Naturais e concluiu o curso de Geografia pela FFLCH, além de frequentar meu grupo de pesquisa por anos. Esse encontro casual ocorreu no evento paralelo WOMEN 4OUR WATER – From Portuguese Speaking Countries to the World, que promoveu o lançamento do Manifesto das Mulheres pela Água, coordenado por ativistas portuguesas, que contou com a presença de autoridades portuguesas de gestão da água e de energia e ativistas de países de língua portuguesa (Brasil, Cabo Verde e Portugal). Encontrar ex-alunas na mesma sala de uma reunião multilateral é um indicador de que a transição está bem direcionada!
Além dos nomes citados, outras egressas me procuravam a cada intervenção na qual me apresentava como professor desta casa, como Cláudia Coleone, formada em Gestão Ambiental pela Esalq. Portanto, creio que a maior contribuição da USP nesta reunião da ordem ambiental internacional foi formar quadros qualificados que contribuíram para elaborar um plano para um melhor uso da água e que somam esforços junto à comunidade internacional em busca do pleno exercício do Direito Humano à Água e ao Saneamento.

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