Bernard Shaw e o dilema da ciência na era da desinformação

Por Antonio Carlos Martins de Camargo, professor titular do Instituto de Ciências Biomédicas da USP e ex-diretor científico do Instituto Butantan

 24/08/2023 - Publicado há 11 meses
Antonio Carlos Martins de Camargo – Foto: Arquivo pessoal
O texto Desinformação Científica: uma pandemia de mentiras, publicado neste jornal, é um artigo importante e altamente oportuno. Por esse motivo, sugiro que seja complementado por informações da comunidade biomédica que, de certa forma, foi diretamente afetada pela pandemia da covid-19.

À luz do conhecimento científico atual e da heroica história da epidemiologia brasileira, nossos cientistas certamente poderiam explicar as razões de nossa vulnerabilidade aos riscos imprevisíveis de velhas e novas epidemias/pandemias. Tal iniciativa poderia esclarecer, por exemplo, por que a vacina da dengue, tão necessária à erradicação dessa epidemia no Brasil, há mais de vinte anos continua sendo uma promessa de nossos governantes e do Instituto Butantan. Continuaremos a colocar tranca na porta depois que a casa foi arrombada? Eu começaria pelo título: “uma pandemia de mentiras”.

Contrariamente à crença de que a causa principal de recusa à vacinação é a desinformação (provocada por fake news), essa causa tem raízes muito mais profundas e antigas. Uma ilustração desse fato poderia ser encontrada no inconsciente coletivo, impossível de ser descrito em poucas palavras. Uma forma de ilustrá-lo pode ser encontrada na polêmica causada no início do século 20, por ninguém menos que o famoso dramaturgo e vencedor do prêmio Nobel, Sir Bernard Shaw. Bernard Shaw, sem medir palavras, criou uma enorme polêmica na Inglaterra extravasando a todo mundo sua condenação veemente à prática da vacinação. As fake news poderiam, quando muito, servir para desenterrar medos atávicos à introdução de “espíritos malignos” (vacinas) no corpo humano.

É importante lembrar que ainda sofremos as consequências dos malefícios das crenças, veiculadas pelos antigos e modernos alquimistas, que ainda parasitam a mente humana. Seria necessário um esforço maior de difusão do conhecimento da epidemiologia moderna ou precisamos de um novo Paracelsius para queimar os telefones celulares na Praça das Repúblicas?

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