Poder-se-ia argumentar que o Jornal da USP, democrático como é, deveria estar aberto a diferentes opiniões. Porém, a divulgação da homeopatia contribui para a difusão de um conhecimento errado, arcaico e perigoso. A ciência baseia-se na busca pela verdade, não em opiniões. A ciência não é democrática. Se a maioria das pessoas decidir que a Terra é plana, isso não fará com que ela deixe de ser uma esfera imperfeita. Da mesma forma, não votamos para decidir se um antibiótico é eficiente para o tratamento de uma determinada doença infecciosa; os testes clínicos dirão se ele funciona ou não. A homeopatia é considerada, pela grande maioria dos cientistas, uma pseudociência, e há diversos bons motivos para isso.
Por que a homeopatia é errada, arcaica e perigosa?
Errada, porque o princípio homeopático é baseado em duas premissas falsas: (1) o princípio dos similares e (2) a lei dos infinitesimais. O primeiro prega a máxima Simila similibus curentur, que significa “similar cura similar”. Ou seja, uma determinada enfermidade pode ser curada com alguma substância que cause o mesmo sintoma. Um exemplo: resfriados podem ser tratados com cebola (Allium cepa), pois a cebola, ao ser picada, causa sintomas parecidos com os do resfriado (coriza, irritação dos olhos e outros). Então, se o paciente tomar um remédio baseado em Allium cepa por uma semana, ficará curado do resfriado. Que maravilha! Imagine o que acontecerá se o paciente não tomar o remédio cebolístico por uma semana. Você adivinhou: o resfriado passou assim mesmo!
A homeopatia, apesar de ter defensores na classe médica, é uma das mais manjadas pseudociências.
Portanto, o princípio de “similar cura similar” é interessante, mas absolutamente errado, pois carece de evidências científicas. Mais sobre evidências científicas abaixo.
Se o primeiro princípio da homeopatia é equivocado, o que dizer, então, sobre o segundo princípio? Para responder essa pergunta, vamos parafrasear o grande físico Wolfgang Pauli, que costumava dizer: “É tão absurdo que nem errado é”. A lei dos infinitesimais estabelece que, quanto maior a diluição de um medicamento, maior a sua capacidade curadora! Se você não entendeu, não se preocupe. É tão contrário à lógica e às ciências químicas e farmacêuticas, que a nossa cabeça, dominada pela “hegemônica ciência racional”, não consegue entender a grande sabedoria que está por trás desse princípio!
Explico com mais um exemplo: na homeopatia, trióxido de arsênico é recomendado para o tratamento de diversos males, entre eles asma, resfriado, diarreia etc. Mas espere: arsênico é extremamente tóxico, além de ser carcinogênico. Como pode, então, ser utilizado para a cura de qualquer coisa? Aí vem a “grandiosidade” do segundo princípio da homeopatia: basta diluí-lo que o efeito tóxico desaparece! Mas o efeito curativo não somente permanece na solução diluída, como tem seu potencial aumentado! Por isso, “remédios” homeopáticos são normalmente diluídos 10^30 vezes ou mais. Há, porém, um pequeno problema: o químico Amedeo Avogadro, do século XIX, demonstrou que 1 mol de uma solução de qualquer composto contém 6 x 1023 (o número 6 seguido de 23 zeros) unidades desse composto. Ou seja, um mol de uma solução de trióxido de arsênico contem 6 x 1023 moléculas. Uma vez que a solubilidade máxima de trióxido de arsênico em água é de apenas 0,1 mol/litro, ao diluir essa solução 1030 vezes, adivinhe quantas moléculas de trióxido de arsênico restarão no composto diluído? Isso mesmo, nenhuma! Foi como diluir uma gota no oceano! Sendo assim, como pode um remédio homeopático curar uma enfermidade? A resposta óbvia é que não pode. Não há nenhum mecanismo que explique como uma solução homeopática ultradiluída possa ter qualquer efeito curativo.
Bom, mas você ainda pode estar pensando que a nossa pobre “ciência ocidental hegemônica” ainda não descobriu o mecanismo de ação dos compostos homeopáticos, mas que funciona, funciona! Certo?
Se o primeiro princípio da homeopatia é equivocado, o que dizer, então, sobre o segundo princípio? Para responder essa pergunta, vamos parafrasear o grande físico Wolfgang Pauli, que costumava dizer: “É tão absurdo que nem errado é”.
Novamente, sinto desapontá-lo. Apesar de o artigo ter afirmado que a “homeopatia não é estudada na universidade”, milhares de estudos já foram realizados, em todos os cantos do planeta. A grande maioria dos estudos clínicos devidamente bem conduzidos revelou que o tratamento homeopático equivale ao tratamento com placebo, ou seja, não foi detectado nenhum efeito curativo significativo de qualquer composto homeopático a não ser aquele causado por autossugestão (veja a meta-análise escrita por Shang et al. 2005; o editorial da Lancet nesse mesmo fascículo anunciando o ‘fim da homeopatia’: The Lancet 2005; ou ainda o documento: ‘Evidence on the effectiveness of homeopathy for treating health conditions’ do governo australiano, publicado em 2015). Por esse motivo, alguns países (que levam a ciência a sério), tal como o Reino Unido, estão em vias de banir a homeopatia do rol de medicamentos prescritos pelo sistema nacional de saúde daquele país (NHS).
Por que a homeopatia é arcaica?
Uma das principais características da ciência é o seu progresso. Todos os dias, milhares de artigos científicos são publicados. Os bons artigos adicionam conhecimento relevante ao edifício da ciência, outros trazem evidências novas e até mesmo retificam concepções científicas mais antigas. Os livros-texto das diversas áreas da ciência são frequentemente reeditados, não somente porque as editoras querem vender mais livros, mas porque conceitos importantes são adicionados ou modificados. A homeopatia não evoluiu desde o século XIX, época da sua fundação. O principal livro da homeopatia, Materia Medica, foi escrito há 200 anos!
Por que a homeopatia é perigosa?
Muitas doenças são potencialmente debilitantes ou fatais. A medicina convencional, baseada em evidências científicas, busca administrar o melhor tratamento, o qual é apontado por testes clínicos e pré-clínicos. Por exemplo, a pneumonia bacteriana, se não for tratada, pode levar à morte; mas, graças aos antibióticos, a infecção pode ser contida e o paciente, poupado. Imagine se um paciente com pneumonia tratar-se exclusivamente com compostos homeopáticos, que, como já vimos, não têm poder curador além do efeito placebo?
Para doenças benignas ou de baixa gravidade, o tratamento homeopático não causará dano maior; mas, se a enfermidade for grave, o resultado poderá ser fatal.
Referências
Shang, Aijing et al. “Are the clinical effects of homoeopathy placebo effects? Comparative study of placebo-controlled trials of homoeopathy and allopathy.” The Lancet 366.9487 (2005): 726-732.
The Lancet. “The end of homoeopathy.” The Lancet 366.9487 (2005): 690.
Evidence on the effectiveness of homeopathy for treating health conditions. 2015. https://www.nhmrc.gov.au/_files_nhmrc/publications/attachments/cam02a_information_paper.pdf