São Paulo faz a sua parte na geração de inovações tecnológicas, mas o Brasil precisa de muito mais

Por Paulo Feldmann, professor da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP

 Publicado: 23/05/2024

Cidades grandes têm se caracterizado mundialmente por serem polos importantes de desenvolvimento tecnológico e de geração de inovações. Há várias explicações para isso, mas evidentemente uma das mais importantes é a grande concentração de pessoas que ficam próximas umas das outras. Segundo o professor José Alexandre Scheinkman, da Universidade de Columbia em Nova York, isso se deve ao fato de que, quando as pessoas têm bom nível educacional, possuem conhecimento diversificado e estão em contato próximo, são muito maiores as chances de juntas produzirem novos conhecimentos e inovações.

Claro que há outras razões importantes, e um dos primeiros a identificá-las foi Michael Porter, ex-reitor da Universidade de Harvard, nos EUA: há cerca de 30 anos, ao estudar o que explicava o sucesso mundial de alguns setores econômicos em 15 nações, Porter percebeu que na grande maioria dos casos o cerne do sucesso de qualquer setor estava intimamente ligado à produção de inovações, sendo que quase sempre havia uma concentração dessas inovações em uma única cidade do país. Por exemplo, a Suíça era um grande produtor de remédios, mas na verdade as três principais empresas do país ficavam todas na mesma cidade: Basileia. A Suécia era um dos maiores fabricantes de caminhões do mundo e os dois principais fabricantes tinham sua sede na mesma cidade, no caso, Gotemburgo. Isso acontecia em praticamente todos os 135 setores que Porter analisou e cuja síntese publicou em seu livro Vantagem competitiva das nações. Em suma, sempre havia pelo menos uma cidade por trás do sucesso de qualquer setor inovador.

Porter trouxe uma grande contribuição ao relacionar quais eram os oito fatores que predominavam nessas cidades e que poderiam explicar o sucesso das mesmas:

1. Universidades e laboratórios de pesquisa;
2. Acesso a talentos devido a amplas oportunidades de empregos oferecidas na cidade;
3. Investimentos e financiamentos;
4. Infraestrutura;
5. Grande mercado consumidor;
6. Ao mesmo tempo colaboração e competição;
7. Diversidade e criatividade, graças ao caldeirão de cultura das grandes cidades e
8. Cadeias de valor importantes passando pela cidade.

Um assunto complexo é o de medir a produção de inovações e de conhecimento científico. Para resolver isso, foi criado há cerca de 20 anos o GII – Global Innovation Index. Trata se de uma instituição criada por três entidades que são referências na área de ciência & tecnologia: Insead, universidade franco-suíça, Cornell, universidade estadunidense, e a Organização Mundial da Propriedade Intelectual (WIPO, na sigla em inglês), organização ligada às Nações Unidas de acompanhamento da propriedade intelectual no mundo. O GII dispõe de uma metodologia plenamente aceita e emite anualmente um relatório em que classifica mais de 130 países do ponto de vista da produção de inovações. Mais recentemente também passou a classificar as 100 cidades/clusters mais importantes do mundo do ponto de vista da produção científica e de inovações.

No relatório referente ao ano 2023, o Brasil subiu para o 49° lugar. E, na classificação das cidades, São Paulo ocupa a 72° colocação, sendo a única cidade de toda a América Latina a fazer parte da relação das 100 principais do mundo.

O estudo do GII de 2023 apresenta informações relevantes para a formulação de políticas públicas que poderão estimular a inovação tecnológica em nosso país. Chama a atenção o fato de possuirmos uma única cidade entre as 100 mais importantes no tema. Isso sim deveria nos preocupar, pois um simples exame da lista dos países mais bem colocados mostra que, mesmo países muito pequenos, quase sempre contam com ao menos duas cidades inovadoras na lista.

Em suma, um país com a dimensão e população do Brasil não pode contar apenas com uma cidade na relação das mais inovadoras do mundo. Nossos formuladores de políticas tecnológicas e de inovação precisam ter clareza de que inovações ocorrem nas cidades e são essas que precisam, portanto, criar as condições para isso.

Ótimo que tenhamos São Paulo, mas é preciso fomentar muitas outras cidades inovadoras pelo Brasil afora.

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