Orçamento secreto é ruim para a economia e pior para a democracia

Por Paulo Feldmann, professor da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP

 07/11/2022 - Publicado há 2 anos

Governos no mundo inteiro investem em diversos tipos de atividades e com isso contribuem com o desenvolvimento de seus respectivos países. Investimentos públicos são um dos principais mecanismos para gerar empregos e melhorar a produtividade das nações. Claro que existem outras modalidades, mas o investimento público tem a vantagem de não visar ao lucro, e sim ao bem do país, ao mesmo tempo que deve alavancar a sociedade e a economia como um todo, criando condições e abrindo caminhos para que as empresas privadas também invistam.

Tradicionalmente, no Brasil, a maior parte do investimento público do governo federal se destina à construção da infraestrutura do País.

Infelizmente, o nível investido pelo Poder Executivo brasileiro sempre foi muito baixo, tendo oscilado entre os anos 2000 e 2014 na faixa de 1,5% a 2,5% do PIB, o que, segundo a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), é cerca de metade da média mundial. Assim, no Brasil, os valores daquele período, mas em moeda de hoje, seriam equivalentes a algo entre R$ 120 bilhões e R$ 200 bilhões ao ano. A partir de 2015, com o agravamento de nossa crise fiscal, ou seja, despesas sempre maiores que valores arrecadados, os governos cortaram justamente nos investimentos, o que fez com que estes desabassem para cerca de R$ 80 bilhões em 2019. Mas a situação poderia piorar, e piorou muito após 2020, com a chegada das “emendas do relator”, o famoso “orçamento secreto”.

Os novos recursos para alimentar as emendas do relator passaram a sair justamente da conta de investimentos, a tal ponto que, para 2023, o presidente Bolsonaro enviou para o Congresso uma proposta na qual tanto as emendas do relator quanto os investimentos públicos têm praticamente o mesmo valor — cerca de R$ 20 bilhões cada. Ou seja, os investimentos públicos serão praticamente um décimo do que já foram há poucos anos.

Em suma, a verdade é que houve um dreno, e a crônica falta de recursos para investimentos públicos ficou ainda pior com a entrada em vigor do orçamento secreto.

Mas a parte pior da história ainda não chegou. Ela vem agora, quando comparamos o que acontece no Brasil com o que é relatado no livro Como as democracias morrem, de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt. O livro demonstra que, atualmente, o nascimento das ditaduras e os consequentes golpes de estado são desferidos não mais por armas ou canhões, mas por mudanças nas legislações e nas instituições dos países.

Exatamente o que acontece agora no Brasil. A imprensa tem demonstrado que as bancadas recém-eleitas e que apoiam o atual presidente receberam valores expressivos que engordaram suas respectivas campanhas, mas que se originaram justamente do famigerado orçamento secreto. Ou seja, houve uma clara utilização do poder econômico influenciando o resultado da eleição e, consequentemente, a composição do Congresso brasileiro. Só o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o Supremo Tribunal Federal (STF) possuem mecanismos para coibir esse absurdo.

Em suma, o orçamento secreto chegou sem trazer absolutamente nada de positivo, mas serviu para diminuir ainda mais a capacidade do País investir em infraestrutura e para dilapidar por dentro a nossa jovem e frágil democracia.

A situação é muito grave, pois a democracia brasileira não se sustenta com este tipo de expediente que só tende a se agravar nas próximas eleições legislativas. Esperamos que, até lá, o presidente Lula e o Congresso cheguem a um acordo para eliminá-lo completamente.


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