O Brasil não pode perder sua vocação de mediador em conflitos internacionais

Por Paulo Feldmann, professor da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP

 21/03/2024 - Publicado há 8 meses

O mundo atravessa um momento inédito, com duas guerras brutais ao mesmo tempo. E o que é pior: não se visualiza solução para nenhuma delas.

Nessa hora é importante compreender quem são os contendores e quem os apoia.

No conflito Rússia x Ucrânia, temos a Ucrânia apoiada pelos Estados Unidos e pela União Europeia; a Rússia recebe a simpatia de alguns de seus antigos aliados da época da União Soviética.

No caso da guerra que envolve o Oriente Médio, os Estados Unidos e a grande maioria da União Europeia apoiam Israel, apesar de ultimamente cobrarem do primeiro ministro Nethanyahu que interrompa as mortes junto à população civil de Gaza. Mas o que precisa ser destacado nesta guerra é que o principal opositor de Israel não é o Hamas, mas sim o Irã, como faz questão de escrever, com frequência, Thomas Friedman, no New York Times. O Irã, por sua vez, é apoiado pela Rússia e por vários dos aliados da mesma, que também a apoiam no conflito da Ucrânia.

Ou seja, nas duas guerras o enfrentamento ocorre entre os mesmos dois grupos de aliados. A esse respeito, a revista Foreign Police publicou recentemente um artigo de um dos maiores especialistas em geopolítica, o norueguês Jo Inge Bekkevold. No texto, intitulado No, the world is not multipolar, ele chama a atenção para o fato de que estamos voltando a um mundo bipolar, como éramos na época da Guerra Fria (1945 a 1991), quando o poder mundial estava dividido em dois lados.

Após 1991, o mundo então passou a viver uma fase multipolar, mas que já se encerrou, e voltamos a ser um mundo bipolar. Só que agora, segundo Bekkevold, os dois principais polos em conflito e em busca de um poder cada vez maior são Estados Unidos e China. O autor norueguês destaca que esses dois países são responsáveis por 45% do PIB mundial e possuem os dois maiores dispêndios em Defesa entre todos os países.

Voltando aos dois conflitos acima mencionados, é importante notar que a China tem apoiado, embora discretamente, a Rússia contra a Ucrânia e o Irã/Hamas contra Israel. Vale notar que duas semanas antes de a Rússia invadir a Ucrânia, em fevereiro de 2022, Putin e Xi Jiping se encontraram pessoalmente em Beijing e combinaram que seriam aliados eternos em qualquer situação na qual um dos dois países tivesse que se envolver belicamente.

Tudo isto é importantíssimo para o Brasil, e principalmente para definir o lado que devemos apoiar. Aliás, o mais importante para nosso país seria manter a tradição do Itamaraty de ser um radical da neutralidade. No entanto, não é o que estamos vendo acontecer: o Brasil defende Nicolas Maduro, o presidente autocrático da Venezuela, e não se posiciona contra os excessos antidemocráticos do mesmo. Lembrando que a Venezuela é hoje um dos principais aliados da Rússia. Por sinal, o Brasil não recrimina Putin nem pela invasão da Ucrânia nem pelo assassinato de Alexei Navalny. E o Brasil foi elogiado com grande destaque pelo grupo terrorista Hamas.

É fato que, no governo Bolsonaro, o Brasil conseguiu ser um pária internacional não apenas por conta da lamentável política ambiental que levou ao aumento do desmatamento da Floresta Amazônica, mas também por não dar importância aos eventos internacionais.

Com o presidente Lula, felizmente deixamos de ser um pária e voltamos a ser um protagonista importante do cenário internacional. O presidente deixou claro com várias medidas e com a escolha de Marina Silva para ministra do Meio Ambiente que a questão ambiental era prioritária; além disso, o presidente faz questão de estar presente em quase todos os encontros de líderes mundiais e com um discurso focado na defesa dos direitos humanos.

No entanto, o Brasil não se mostrou neutro no caso dos dois importantes conflitos que agora ocorrem. É preocupante ver que abandonamos a neutralidade e estamos nos alinhando cada vez mais com países e ditadores que inclusive não respeitam os direitos humanos. Uma grande incoerência entre discurso e prática. É assim que pretendemos ser uma liderança mundial nesse mundo controverso e cheio de guerras e conflitos?

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