Aqueles que acompanham as discussões científicas em suas áreas talvez tenham notado que a expressão “sistemas complexos” tem estado em evidência recentemente. A publicação de artigos sobre o tema começou na década de 1960 principalmente na matemática e na física, mas foi apenas a partir de 2010 que a temática alcançou crescimento exponencial, atingindo diferentes áreas do conhecimento. Segundo a base de dados Scopus, as áreas que mais exploram esse tema são a agricultura, ciências biológicas e as ciências sociais, uma vez que as plantas, animais e especialmente o homem são seres mais do que complicados, são complexos.
Mas, afinal, o que isso quer dizer? Bom, vamos começar com o sistema simples, passando para o complicado, e por fim para o complexo.
Um sistema simples é aquele formado por partes que interagem entre si, mas que conseguimos entender exatamente como funcionam e prever facilmente seu comportamento. Um exemplo disso é o relógio: sabemos que cada miniengrenagem interage com outra, o que fará os ponteiros dos segundos, minutos e horas girarem ao longo do tempo, sem surpresas.
Um sistema complicado também é formado por partes que interagem entre si, e é possível entendermos exatamente como ele funciona. Entretanto, é necessário um nível maior de conhecimento a respeito do sistema e de suas interações externas para que possamos prever seus possíveis comportamentos. Por exemplo, um carro: sabemos que o carro se move para frente e para trás, mas para entender o que acontece quando fazemos uma curva em alta velocidade, se o carro completa a curva, se derrapa, ou se capota, é bom consultarmos um especialista no assunto.
Já um sistema complexo é formado por partes que interagem entre si e com o ambiente. Em um sistema complexo não é possível saber o que vai acontecer com certeza no futuro. Isto é, ele é imprevisível, muda e se adapta com o tempo e não tem um controle centralizado. Essa definição lembra algo? Muita coisa no mundo é complexa, começando por nós, humanos. Nós somos formados por vários subsistemas, órgãos, tecidos e células que interagem entre si e com o meio ambiente, que por si só são sistemas complexos. Nosso sistema digestório, respiratório, reprodutor e todos os outros se modificam e se adaptam ao longo do tempo, e promovem algo que, muitas vezes, não pode ser explicado pela soma das suas partes. No nosso sistema nervoso, por exemplo, podemos ver propriedades de sistemas complexos, como a consciência, isto é, uma emergência do sistema que não consegue ser explicada apenas pela ação dos neurônios e suas sinapses.
Entretanto, não só os seres vivos são complexos, as cidades, a economia e o clima são também outros exemplos de sistemas complexos. Mas por que isso é importante? Saber disso nos permite olhar para essas temáticas de um jeito mais amplo. Afinal, já sabemos que eles são imprevisíveis a longo prazo, e apenas quebrar o sistema em pequenas partes, como normalmente aprendemos a fazer na escola e na vida, não vai nos fazer entender profundamente essas questões.
No clima, por exemplo, essa complexidade se manifesta de maneira marcante. Podemos confiar na previsão do tempo de amanhã e até alguns dias depois, mas a previsão para a semana seguinte já se torna desafiadora. Nessa escala de tempo, pequenas mudanças nas condições iniciais de vento e nuvens podem alterar completamente a previsão! Essa incerteza sobre a previsão climática ressalta ainda mais a importância de compreendermos a natureza dos sistemas complexos.
No próximo texto, continuaremos explorando essas complexidades, dentro também do mundo da alimentação. Como nutricionista, acredito que o ato de comer transcende meramente a ingestão de nutrientes e necessidades físicas do corpo. Desde as escolhas alimentares individuais até os padrões alimentares da sociedade, a alimentação é permeada por diversos fatores que moldam nossa relação com a comida. Assim, no próximo texto iremos refletir sobre as complexidades dos sistemas alimentares e suas influências na saúde e no meio ambiente. Até lá!
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