Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin 10 anos: balanço e perspectivas

Por Alexandre Macchione Saes, professor da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP

 24/05/2023 - Publicado há 1 ano

Entre os dias 16 e 18 de maio de 2023, a Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (BBM) promoveu o Seminário BBM 10 anos: uma biblioteca viva, para celebrar os 10 anos de sua inauguração ao público na Universidade de São Paulo. Ao longo de três dias foram apresentadas cerca de trinta comunicações, oferecendo contribuições que equilibraram o olhar para o passado, para homenagens e afetivas lembranças da formação e construção deste singular e exemplar projeto; mas também apontaram para o futuro, avaliando as competências adquiridas, as parcerias alicerçadas e os desafios que devemos enfrentar para os próximos anos.

O seminário abordou temas que formam a espinha dorsal de constituição da BBM: inspirada na trajetória de José Mindlin, a mesa Bibliofilia e o Colecionismo apontou para a relevância da formação de acervos particulares; numa singela e muito afetiva homenagem a Guita Mindlin, a centralidade da preservação no País foi debatida, iluminando o legado deixado por ela e Thereza Brandão na formação de gerações de conservadores; e olhando para o desafio dos modernos suportes e processos das bibliotecas digitais, houve um espaço para a reflexão sobre as bibliotecas, a pesquisa e a leitura no século 21. Como síntese, as mesas Pesquisas com Obras Raras na BBM e As Publicações da BBM apresentaram resultados concretos que articularam a potência da coleção formada por Dr. José, a relevância da preservação tão defendida por D. Guita e a disseminação facilitada pela biblioteca e os projetos digitais.

O evento também reuniu instituições que estão entre as mais relevantes brasilianas do País e do mundo, assim como representantes de instituições centrais na defesa da memória e da cultura nacional. Me parece que nos beneficiamos de um importante legado de José Mindlin, sua capacidade agregadora, fosse na liderança empresarial ou de projetos voltados para a ciência e cultura, fosse em tornar sua biblioteca um espaço de encontro: de encontro com os livros e entre os amantes dos livros.

Foi uma felicidade contar no evento com a participação dos diretores da Biblioteca Nacional, Instituto de Estudos Brasileiros e Arquivo do Estado de São Paulo para debater o conceito de brasiliana. Diálogo ampliado durante o evento, com a presença de instituições voltadas para a preservação de coleções como a da BBM, tais como o Instituto Moreira Salles, a Biblioteca Mário de Andrade, a Biblioteca Oliveira Lima, a Universidade Nova de Lisboa e a Biblioteca Nacional da França, e com personagens decisivos na formulação de políticas culturais no País, como Danilo Santos Miranda, do Sesc, e Fabiano Piúba, do Ministério da Cultura.

Ao refletir sobre a abertura da biblioteca ao público, ocorrida no dia 23 de março de 2013, assim como sua história na Universidade de São Paulo, o seminário pôde avaliar os desdobramentos deste generoso gesto de doação da família na última década. Dez anos que são uma fração da história da biblioteca, cujo processo remontava ao início do século 20, e cuja formação da coleção de José Mindlin completa praticamente um século.

Uma biblioteca construída pelo casal Guita e José Mindlin, que em sua casa, na Rua Princesa Isabel, preservou possivelmente o maior e mais valioso acervo particular de brasiliana no mundo. Brasiliana, um conceito, definido pelo amigo do casal, o bibliófilo Rubens Borba de Moraes, que fornecia um roteiro bibliográfico sobre a história e a cultura nacional. Um conceito que se materializou nessa fantástica biblioteca, que sintetizava uma ideia de Brasil. Uma ideia produzida pela geração modernista brasileira, geração comprometida com um projeto de futuro para o País, por meio de narrativas e interpretações presentes em nossa literatura e nos clássicos do pensamento social brasileiro; e uma ideia materializada também na formação de instituições centrais na construção do Estado moderno brasileiro, apenas para indicar alguns poucos exemplos, tais como o IPHAN, a BMA, o IEB, os museus de São Paulo.

Entre 2006 e 2013, no espaço de tempo entre o ato de doação e a inauguração da biblioteca, a coleção privada foi se tornando uma instituição pública. Desejo esse manifestado tanto pelo casal Mindlin como por Rubens Borba de Moraes, que legou seu acervo ao casal, compreendendo que teriam cumprido uma jornada como depositários de um acervo que deveria encontrar novos horizontes, encontrar espaços para potencializar seu alcance.

Hoje, ao completar os 10 anos, a BBM deve continuar olhando para frente, buscando responder aos novos desafios que a sociedade brasileira nos demanda. Assim, entendo que dois caminhos devem ser percorridos para pensarmos o futuro da coleção da BBM:

1. Qual é o papel de nossas coleções para a sociedade brasileira?;
2. Qual é o lugar de nossas coleções no universo de outras brasilianas?

No que diz respeito à primeira questão, se avançamos na última década na direção de promover uma primeira fase da inclusão, por meio da política de reserva de vagas, ainda precisamos avançar na segunda dimensão da inclusão, do pertencimento e da produção dos discursos. Isto é, um espaço para percorrer autoras e autores de movimentos, estilos e lugares da produção literária ofuscados durante a formação do acervo; uma pesquisa que permita amplificar as representações de grupos sociais, raciais e de gênero dentro da biblioteca. Essa é uma proposta para ampliação dos acervos, de continuarmos a obra de personagens como José Mindlin e Rubens Borba de Moraes para percorrer a produção literária, histórica e social do País, mas agora incorporando a diversidade de voz de nossa mais complexa sociedade brasileira.

Quanto à segunda questão, reconhecendo a impossibilidade de uma única instituição se constituir como uma “brasiliana ideal”, cabe às nossas instituições buscar ampliar os espaços de interação. Em suma, precisamos aproveitar o contexto de reconstrução das políticas culturais do País para fortalecer as iniciativas já existentes e para expandir projetos que estreitem os laços de nossas instituições. Penso que a formação de uma de rede de brasilianas para a troca de experiências, para o compartilhamento de acervos, quem sabe na construção de novos projetos digitais, seja um caminho a ser trilhado por nós. Uma brasiliana que busque ser o mais “completa” possível; que abarque a “complexidade” de nossa realidade social; que seja “crítica” para oferecer ideias que reflitam as novas demandas de nossa sociedade, para garantir o pleno exercício da cidadania por meio da educação e da cultura.

Esse projeto vai depender do esforço coletivo, da interação entre instituições já consolidadas, com aquelas que ainda precisam ser criadas. Fico feliz de ver o Seminário BBM 10 anos como um espaço que permitiu que esse debate fosse reiterado, mantendo a chama para que nossos esforços possam convergir num futuro próximo.

Viva a Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, viva a cultura brasileira.

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