As duas prioridades para o governo Lula 3

Por Alexandre Macchione Saes, professor da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP

 01/12/2022 - Publicado há 2 anos

Há um mês, Luiz Inácio Lula da Silva proferiu seu primeiro discurso como presidente eleito, depois de uma campanha que escancarou a polarização e a fratura da população brasileira. Ao cair da noite daquele 30 de outubro de 2022, compreendendo a gravidade da conjuntura política do País e o tamanho desafio que enfrentará nos próximos meses, Lula reiteradamente defendeu o apaziguamento e a união da sociedade, por meio de um discurso de um estadista, tão ausente nos últimos anos.

Em sua fala uma vasta pauta foi apresentada para a população como parte de seu projeto de governo. Partindo do mote “o povo brasileiro quer ter de volta a esperança”, como conduzido por sua campanha, o discurso retomou os pontos centrais do programa apresentado ao TSE, Reconstrução e Transformação do Brasil.

Num olhar panorâmico, é possível sistematizar o discurso de Lula em ao menos quatro eixos:

i. defesa da democracia e da harmonia institucional, por meio do equilíbrio e do diálogo entre os Poderes, entre as esferas federais, estaduais, municipais, assim como entre as instituições do Estado e os representantes da sociedade civil;
ii. ênfase no crescimento econômico com inclusão social, por meio de política salarial, de educação, saúde, habitação e tendo o combate à fome como a maior das prioridades;
iii. protagonismo internacional, para fortalecer a política de cooperação entre países, com investimento em tecnologia, inclusão social e, sobretudo, alçando o País a um papel de destaque na agenda ambiental;
iv. retomada de concepção ampla de cidadania, dando continuidade às políticas de mitigação das desigualdades sociais, raciais e de gênero.

Materializadas nos 31 grupos temáticos de uma equipe de transição com aproximadamente 400 indicados, as áreas elencadas – em sua diversidade e amplitude – não deixam dúvidas de que o desafio do governo é enorme. Num país com tantas dívidas históricas e demandas urgentes, o próximo governo também precisará reconstruir instituições e políticas que foram sucateadas e abandonadas nos últimos anos. Tudo isso num cenário de incerteza econômica nacional e internacional, da polarização da sociedade e da necessária reconstrução de políticas e instituições federais. Por tudo isso, o governo deve ter foco em suas ações.

Passado um mês da eleição, não restam dúvidas de que as duas prioridades para o futuro governo estão delineadas: no campo internacional, a celebrada participação de Lula na COP27, no Egito, recolocou o Brasil como potencial protagonista na promoção da política ambiental mundial; no âmbito nacional, por outro lado, o debate em torno da PEC da transição, dos esforços para garantir os meios financeiros na reconstrução do Bolsa Família, reforçam a ideia do combate à fome e à pobreza como a prioridade deste início de governo.

Ter foco, todavia, não é abandonar as tantas pautas e prioridades lançadas no programa de governo e presentes tanto no primeiro discurso como presidente eleito como nos debates entre os grupos temáticos constituídos na transição.

Mas garantir esses dois eixos, meio ambiente como instrumento de diálogo e de política internacional e o Bolsa Família como princípio da política social, voltada para atender às exigências imediatas da população brasileira, é buscar convergência de esforços para produzir resultados robustos e evitar que o governo seja conduzido apenas pelas pressões da conjuntura.

Nesse sentido, meio ambiente e política social devem ser tratados não apenas como duas prioridades ou metas, mas sim como eixos transversais dos diversos programas do novo governo, que permitam aglutinar os esforços na promoção de suas políticas.

Por meio de uma ativa política ambiental, o governo pode produzir, se valendo de recursos internacionais, um novo ciclo de investimentos para o Brasil. Para isso é preciso que o governo retome sua credibilidade no exterior, por meio de programas já reconhecidos de defesa do meio ambiente, no sentido de zerar o desmatamento e incentivar a agricultura familiar e sustentável.

Mas esse deve ser apenas o primeiro passo de um novo programa ambiental. A renovada onda de investimentos estrangeiros pode gerar bons resultados em programas de energia renováveis, de aproveitamento da biodiversidade, do turismo ambiental e de projetos sustentáveis no campo e nas cidades.

Por outro lado, para obter sucesso na política social, que tem como meta inicial garantir a reconstrução do Bolsa Família em 2023, mas que deve também criar instrumentos para sustentar a variada gama de políticas sociais necessárias para mitigar a desigualdade da sociedade, o governo depende tanto de uma reforma tributária como do crescimento da economia brasileira. O novo governo, pressionado pelas vigentes regras do teto dos gastos, deve aproveitar o início do mandato para enfrentar a difícil tarefa de aprovação de uma reforma tributária, revertendo o caráter regressivo do sistema tributário brasileiro.

Com condições de atrair novos investimentos estrangeiros de acordo com a preservação ambiental e com recursos advindos de uma reforma tributária que permita financiar os programas sociais, é possível que o Brasil possa criar condições para iniciar um novo ciclo de crescimento para os próximos anos. Reconhecendo que os desafios políticos nacionais e as incertezas econômicas internacionais não são poucos, ao tornar essas duas prioridades os eixos de convergência dos programas do governo, é possível que encontremos um novo modelo de sociedade mais justa e sustentável, cada vez mais próximo das urgentes demandas do século 21.


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