Atualizado em 16 de maio de 2017, às 11h55
Cinco decisões tomadas pela administração da USP, entre 2010 e 2013, combinadas com a queda na arrecadação do ICMS no Estado de São Paulo (imposto que é sua principal fonte de financiamento), foram determinantes para a crise financeira que a Universidade tem enfrentado nos últimos anos.
Essa é uma das análises que constam no livro Universidade em Movimento: Memória de uma Crise, da editora Com-Arte e Fapesp, organizado pelo ex-reitor da USP Jacques Marcovitch, com colaboração dos pesquisadores e professores da Universidade Alexandre Sassaki, Carlos Antonio Luque, José Goldemberg, Luiz Nunes de Oliveira, Nina Ranieri, Rudinei Toneto Jr., Sérgio Adorno e Vahan Agopyan. A obra está disponível no Portal de Livros Abertos da USP.
O livro identifica as causas do desequilíbrio financeiro no período de 2010 a 2014 e propõe medidas para que situação semelhante seja evitada no futuro, além de contribuir para o aprimoramento da governança universitária e da tomada de decisões nas universidades públicas brasileiras.
O lançamento foi no dia 4 de maio, na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP, acompanhado de um seminário no qual os autores fizeram uma síntese das ideias apresentadas na obra. O evento também teve a participação do diretor-científico da Fapesp, Carlos Henrique de Brito Cruz, e do diretor da FEA, Adalberto Fischmann.
“Os dois eixos desse livro são: aprender dos acertos e erros para construir um futuro melhor e dar o exemplo de instituições que aprendem com seus desacertos. Estamos em uma instituição complexa, as universidades são assim. A USP é uma comunidade de 100 mil pessoas, vários campi e unidades, tempo, valores e prioridades distintos, é uma diversidade que enriquece a Universidade, mas a torna mais difícil de ser gerida. Isso tem implicações organizacionais e orçamentárias”, expõe Marcovitch.
Causas da crise
O professor do Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC) Alexandre Sassaki é o responsável pelo capítulo que aponta as cinco tomadas de decisões que levaram a USP à crise financeira, baseado em sua tese de doutorado defendida no ano passado, na FEA. A pesquisa foi feita a partir de periódicos e documentos oficiais e públicos.
De acordo com o estudo, as causas estão relacionadas, principalmente, à elevação de gastos com impacto plurianual ocorridos pela ampliação do quadro de pessoal. A partir de 2011, houve um aumento de 6,27% no número de servidores técnico-administrativos e de 3,87% no número de docentes.
Também contribuíram as movimentações de carreira dos servidores técnico-administrativos, a ampliação do número de beneficiários dessa movimentação e os reajustes do auxílio-alimentação e do vale-refeição.
“É importante que não façamos nenhum tipo de crítica quanto à remuneração do servidor público, compatível com o mercado ou acima. Aqui não há nenhum juízo de valor quanto a isso, mas sim que os reajustes salariais devem estar enquadrados dentro dos parâmetros de equilíbrio financeiro da Universidade”, ressalta Sassaki.
Suas recomendações para melhorar o processo de governança universitária incluem ampliação das atribuições estatutárias da Comissão de Orçamento e Patrimônio (COP) do Conselho Universitário; a consolidação de todas as informações financeiro-orçamentárias em uma única base de dados, atualizada periodicamente; o monitoramento da execução orçamentária com a divulgação trimestral do informe comparativo do projetado e do realizado; e a criação e consolidação de uma unidade de monitoramento e controle com função técnica e de atuação independente.
Sassaki lembra que grande parte dos participantes do Conselho Universitário não tem uma formação gerencial, “mas consegue tomar decisões caso seja subsidiado com informações dos efeitos a médio e longo prazo de suas decisões. A partir dessas sugestões, acreditamos que a Universidade ficaria mais resiliente à crise”.
Análise da situação e futuro da USP
Os pesquisadores foram unânimes em apontar que a Universidade precisa buscar formas de complementação para o seu orçamento fora do âmbito governamental. Confira os principais pontos apresentados por parte dos pesquisadores sobre a atual situação financeira da USP e sobre ações necessárias para o futuro:
Vahan Agopyan, vice-reitor da USP e professor da Escola Politécnica (Poli), destacou as medidas adotadas para restabelecer o equilíbrio financeiro, como a suspensão de contratações, revisão dos contratos de serviços terceirizados, renegociação com fornecedores, programa de demissão voluntária e congelamento do custeio das unidades nos valores de 2012.
Como evitar que esse tipo de dificuldade volte a aparecer? Temos nos baseado na divulgação das finanças para a comunidade com boletins mensais no site da Codage, com controle dos gastos pelo Conselho Universitário e a definição de parâmetros para a gestão.
Adalberto Fischmann, diretor da FEA, lembrou da aprovação, neste ano, dos parâmetros de sustentabilidade econômico-financeira da USP, que, segundo ele, têm semelhança com a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
Os parâmetros, basicamente, focam três pontos essenciais: limite de gastos com pessoal, limite para comprometimento de gastos com custeio e limite de gasto no último ano da gestão reitoral.
O professor também defendeu, como forma de contornar a restrição orçamentária, a busca de recursos financeiros para complementar as finanças da Universidade.
O professor sênior do Instituto de Energia e Ambiente (IEE) José Goldemberg, ex-reitor da USP, relembrou a união das três universidades estaduais paulistas (USP, Unicamp e Unesp) pela liberação de recursos do governo do Estado por meio de uma porcentagem fixa do ICMS.
Um erro foi não ter colocado no Decreto [nº 29.598, de 2 de fevereiro de 1989, sobre a autonomia das universidades do Estado de São Paulo] que haveria um limite fixo de gastos. A responsabilidade fiscal é o mínimo e tem que ser exigida.
Sobre as perspectivas futuras da USP, ele disse que o porcentual de recursos do ICMS destinados às universidades não será aumentado porque as demandas fora do sistema universitário cresceram e o País precisa atender outras atividades de governo.
Carlos Antonio Luque, professor da FEA, destacou os desafios do financiamento de uma universidade pública e a importância de defender a vinculação orçamentária das universidades estaduais paulistas por meio do ICMS.
Ele exemplificou que, para cada R$ 1 arrecadado do ICMS, quase R$ 0,60 são destinados a vinculações do orçamento, como educação, saúde, serviço da dívida, habitação e outras atividades sociais.
O primeiro problema do financiamento de instituições públicas surge aqui. Quem trabalha com planejamento e fazenda é contrário a vinculações orçamentárias porque há pouca flexibilidade para diferentes investimentos.
Ele lembrou ainda que há a disputa na educação, já que dos 30% destinados à área, 20% vão para a educação básica e 9,57% para as três universidades estaduais paulistas. “Só que existem outras atividades na educação de responsabilidade do governo do Estado que também são importantes, como as faculdades de tecnologia, a universidade virtual etc.”
O diretor-científico da Fapesp, Carlos Henrique de Brito Cruz, ressaltou que a discussão sobre a crise financeira da Universidade está focada em reduzir o custo, e não em aumentar as receitas adicionais.
A maior parte das universidades não olha para as receitas adicionais. Quantas vezes o Conselho Universitário da USP já fez uma discussão sobre quanto de dinheiro da Fapesp, CNPq e Capes vem para a USP, para discutir como poderia fazer para ter mais?
O diretor-científico ainda destacou que a USP deveria realizar um levantamento dos recursos obtidos via fundações universitárias. “Precisa entrar na pauta das discussões das universidades públicas entender as receitas e achar a maneira de trabalhar e aumentá-las. Não adianta só ficar cortando custo e supor que a única fonte de receitas é o governo do Estado, por que não é.”