No Brasil existem aproximadamente 11,5 milhões de microempreendedores individuais (MEIs) com registros ativos, de acordo com um levantamento realizado pelo Sebrae em 2024. No entanto, o número não significa uma predisposição genuína dos brasileiros em empreender, uma vez que 53% dos MEIs, segundo a Fundação Getúlio Vargas, são funcionários de outras empresas.
A contratação de pessoas jurídicas para prestação de serviços é chamada de pejotização. O termo vem da abreviação PJ, que significa pessoa jurídica. Na pejotização, o contratado fica submetido às regras de uma contratação de natureza civil. Assim, o PJ não recebe direitos trabalhistas básicos previstos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), como férias remuneradas, 13º salário e seguro desemprego em caso de dispensa involuntária. A explicação é da professora Sandra Favaretto da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da USP. A docente destaca que, embora terceirizar serviços seja lícito desde a Reforma Trabalhista aprovada em 2017, a pejotização ganhou força como uma forma de driblar o pagamento de encargos trabalhistas. “O neologismo pejotização ganhou força e tem sido utilizado comumente como sinônimo de forma fraudulenta de contratação de trabalhadores por meio de pessoa jurídica. Essa contratação teria o intuito de mascarar um verdadeiro vínculo empregatício e se esquivar do pagamento de obrigações e direitos trabalhistas”, diz.
A pejotização é válida, desde que não seja estabelecido vínculo empregatício, uma vez que os MEIs são prestadores de serviços e o contratante deve ser seu cliente e não chefe. “Na realidade dos fatos, o funcionário acaba submetido a todos os elementos normais do vínculo de emprego previstos no artigo 3º da CLT, ou seja, o empregador exige a pessoalidade, que é o trabalhador não fazer-se substituir por outra pessoa, a não eventualidade, com horários de trabalhos definidos, e submete o empregado à subordinação”, explica Sandra.
Se realizada de forma lícita, sem atribuição de vínculo de emprego, a pejotização é uma maneira de transferir a um terceiro a realização de uma atividade. A transferência acontece também na terceirização, porém, nesse caso, a contratação é triangulada, envolvendo três entes: uma empresa contratante, que é a tomadora de serviço, uma empresa contratada, que é a empresa prestadora do serviço, e os empregados dessa empresa contratada, que são os terceirizados. “São os terceirizados que vão efetivamente realizar a atividade contratada e, geralmente, há um vínculo de emprego celetista entre a empresa prestadora e esses funcionários. Já a pejotização envolve apenas dois entes e quem vai realizar o serviço é o próprio dono da empresa prestadora”, esclarece a professora.
Reclamações trabalhistas
Os prestadores de serviço que acreditam ter passado por pejotização irregular podem ajuizar uma ação trabalhista para que a Justiça do Trabalho analise se houve o estabelecimento de vínculo empregatício, explica Maria Hemília Fonseca, professora da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da USP. “Cabe à Justiça do Trabalho determinar se no mundo real houve uma formação de requisitos de relação de emprego que estão previstos na CLT, ou seja, se essa foi uma contratação fraudulenta e a pessoa jurídica era um empregado”, diz.
A análise cabe à Justiça do Trabalho, porém, entre janeiro e agosto de 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF), órgão máximo do Poder Judiciário, julgou monocraticamente 841 reclamações de empregadores contra decisões de tribunais trabalhistas ligadas à pejotização e à terceirização, de acordo com a Fundação Getúlio Vargas. Na maioria dos casos, o STF anulou sentenças que reconheciam vínculos empregatícios em situações de pejotização sob a premissa de que as decisões teriam contrariado a constitucionalidade da terceirização.
Em julho do ano passado, o ministro Alexandre de Moraes anulou uma ação trabalhista vencida por uma médica contra um hospital. A profissional havia trabalhado por oito anos como pessoa jurídica e cobrava o reconhecimento de vínculo empregatício e o pagamento de direitos, uma vez que a contratação apresentava todas as características da relação de emprego. Quatro meses depois, a ministra Cármen Lúcia invalidou decisão semelhante, e em dezembro foi a vez do ministro Gilmar Mendes derrubar uma decisão da Justiça trabalhista. As decisões reafirmam a legalidade da pejotização, desde que sem subordinação, e o STF tem reiterado que existem formas de trabalho que não estão regulamentadas pela CLT. “Atualmente há uma decisão do Supremo Tribunal Federal pela constitucionalidade do artigo 129 da Lei n° 11.196/05, que pressupõe que a pejotização é válida, e a legislação prevista às pessoas jurídicas se aplica nesses casos”, finaliza Maria Hemília.
*Estagiária sob supervisão de Ferraz Jr e Rose Talamone