Publicado: 01/11/2024 às 11:00 Atualizado: 04/11/2024 às 13:30
Por Carolina CastroCom uma trajetória marcada por dedicação e coragem, o farmacêutico Lincoln Marques Cavalcante Santos, de 30 anos, trilha seu caminho na ciência e na representatividade. Com um mestrado em Cuidados Paliativos já concluído e um doutorado em Epilepsia de Difícil Controle em andamento, ele alcançou uma conquista única: tornou-se a primeira drag queen a ser escolhida como Farmacêutico Homenageado por uma turma de formandos da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) da USP. Sob o nome artístico de Kam Middle, Lincoln enxerga nessa homenagem uma forma de dar voz, visibilidade e força à comunidade LGBTQIA+, inspirando-a a seguir em frente.
Embora a formatura da turma esteja prevista apenas para 2026, Lincoln já exerce seu papel inspirador ao marcar presença em eventos como o Dia do Branco, quando os alunos vestem seus jalecos e celebram sua futura profissão. Nesse dia, Lincoln surgiu como Kam Middle, levando toda sua autenticidade ao ambiente acadêmico.
Trajetória
Nascido em Aracaju, Sergipe, e criado no andar de cima da farmácia do pai, Lincoln Marques Cavalcante Santos encontrou cedo sua vocação. A vontade de seguir carreira na farmácia foi natural, mas ele almejava mais do que simplesmente permanecer atrás do balcão; queria estar próximo dos pacientes, ajudando-os de forma mais direta e significativa. Hoje, como doutorando, Lincoln conduz sua pesquisa no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HC-FMRP). “Ao final do projeto, pretendo avaliar se alguma intervenção que fiz resultou em alterações nos parâmetros de saúde do paciente. Quero saber se o que faço impacta positivamente a vida deles”, ele explica.
Em 2012, Lincoln ingressou no curso de Ciências Farmacêuticas na Universidade Federal de Sergipe (UFS) e, durante a graduação, foi selecionado para o programa Ciência sem Fronteiras, que lhe permitiu uma experiência de intercâmbio no Arizona, Estados Unidos, onde viveu por um ano e meio.
Embora soubesse desde criança que era gay, foi fora do País que começou a se descobrir mais profundamente e onde conheceu a arte drag. “Tive um relacionamento com um rapaz que fazia drag. Ele me levou a um show em que se apresentou. Achei tudo muito divertido, mas na época eu ainda era evangélico e guardava alguns receios em relação à arte.”
De volta ao Brasil, Lincoln começou a experimentar maquiagem em casa durante a pandemia e, ao ser maquiado por uma amiga para uma festa de Halloween, descobriu o prazer de criar personagens. “Ser drag é mostrar, através da arte, que ser gay, lésbica ou bissexual não te incapacita em nada. É possível ser um excelente profissional e, ao mesmo tempo, um excelente artista”, complementa.
Meses depois, no Carnaval, Lincoln conheceu uma drag queen que o incentivou a explorar esse lado artístico. “Foi aí que tudo começou. Ela me ajudou na minha primeira ‘montação’. Eu ainda estava inseguro e nem tinha o nome de drag que uso hoje, mas as pessoas que estavam no evento me acolheram tão bem que comecei a me sentir mais à vontade”, relembra.
A Homenagem
Ao chegar a Ribeirão Preto, Lincoln percebeu o distanciamento entre estudantes de graduação e pós-graduação, um contraste com a experiência vivida na Universidade Federal de Sergipe. Decidido a mudar essa realidade, ele encontrou um caminho através das festas universitárias. Em especial, uma organizada pela bateria universitária da FCFRP, em que participou como drag, e considera ter sido um sucesso. “Foi uma festa divertida, onde conheci muitos alunos da turma 95, que se forma em 2026. Vários pediram para tirar fotos com a drag“, conta. Posteriormente, Lincoln reencontrou os alunos em sala de aula, atuando como monitor na disciplina de Farmácia Clínica 2, onde ajudava a esclarecer dúvidas e orientar nas atividades.
João Victor Alberghini, de 22 anos, aluno da FCFRP e integrante da turma 95, lembra que Lincoln cativou a turma com sua maneira simples e competente de ensinar, o que levou o grupo a elegê-lo como homenageado. “Na votação dos nomes mais mencionados pela turma, ele foi o escolhido, com ampla diferença. Acredito que a proximidade e o exemplo dele como profissional fizeram toda a diferença.”
Para Lincoln, a homenagem é a realização de um sonho antigo. “Eu via as turmas organizando a escolha do professor homenageado, quer fosse em Ribeirão ou Aracaju, e sempre me imaginei nesse lugar.” Receber essa homenagem como Kam Middle, sua persona drag, é, segundo ele, um ato de representatividade. “Ocupar esse espaço, dar voz a outras pessoas, é dizer que está tudo bem ser gay, lésbica, trans. Isso não impede ninguém de ser um bom profissional nem de ser homenageado”, finaliza.
*Estagiária sob supervisão de Rose Talamone.
Política de uso A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação do Jornal da USP e do autor. No caso dos arquivos de áudio, deverão constar dos créditos a Rádio USP e, em sendo explicitados, os autores. Para uso de arquivos de vídeo, esses créditos deverão mencionar a TV USP e, caso estejam explicitados, os autores. Fotos devem ser creditadas como USP Imagens e o nome do fotógrafo.