No belíssimo documentário da Maria Farinha Filmes, Quantos dias, quantas noites (direção de Cacau Rhoden, 2023), gerontólogos mostram sua preocupação com um mundo que está envelhecendo enquanto a taxa de nascimentos vem caindo quase na mesma proporção. Estima-se que em aproximadamente duas décadas seremos quase quarenta por cento de idosos no mundo e, com a crescente precarização do mercado de trabalho e menos força jovem para assegurar a previdência de mais velhos, a maioria de nós ainda estará atuando.
Eu estava nos EUA quando o presidente Joe Biden decidiu não concorrer à reeleição. O que ouvi de muitos estadunidenses sobre o último debate entre Biden e seu concorrente foi muito interessante. Muitos relacionavam a voz fraca e instável de Biden à incapacidade de estar à frente da maior potência mundial, mesmo ele apresentando um discurso bastante coerente. O outro candidato, por sua vez, mostrando com voz firme e forte um conteúdo quase delirante em determinados momentos, parecia ser, para muitos eleitores, o mais indicado a ocupar a cadeira de presidente daquele país.
A voz se mostra pois, como um cartão de visitas para várias profissões que dependem dela para existir. São profissionais da voz os cantores, os atores, os locutores, os apresentadores, os políticos, os professores, os advogados, os feirantes, vendedores, CEOs e hoje em dia com as redes sociais temos “influenciadores”, “youtubers” etc. E para cada uma dessas atividades, espera-se um determinado padrão vocal.
No interessante filme alemão O poder da voz (direção de Gregory Kirchhoff, 2019), o protagonista, um famoso apresentador de talk show, vê sua vida e suas relações se transformarem completamente a partir da mudança assustadora da sua voz ao acordar num dia qualquer.
A voz é um fenômeno multidimensional com muitas possibilidades. Somos capazes de produzir um sem-número de sonoridades e o ato de experimentar essa flexibilidade faz com que nossa voz se mantenha jovem e longeva. O canto, por ser muito rico em sua fisiologia, é a atividade mais indicada para evitar a presbifonia, e favorecer o amadurecimento gracioso, auxiliando na manutenção de uma voz forte e clara, conferindo assim maior expressividade às mensagens. Se é verdade que o mundo está envelhecendo e que teremos de ser produtivos por muito mais tempo, necessitaremos ter voz. Cantemos, pois!
Aqui no Coralusp, vemos as vozes e as vidas se transformarem. Como o canto praticado de maneira saudável e rotineira, as vozes ficam mais firmes, mais fortes e mais extensas do grave ao agudo, o que reverte numa voz falada mais expressiva. Isso é necessário porque vivemos num mundo agressivo e de lutas constantes por direitos que vão se perdendo com as mudanças econômicas, geopolíticas e de costumes. Precisamos da nossa voz firme e forte, pois quem não tem voz física, não tem voz política!
Venham cantar com a gente!
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