Um encontro… Múltiplos aprendizados

Por Antonio Carlos Quinto, jornalista e editor de Diversidade e Inclusão do Jornal da USP

 13/09/2024 - Publicado há 3 meses     Atualizado: 20/09/2024 às 16:48
Antonio Carlos Quinto – Foto: Arquivo pessoal
Não sou palestrante, especialista, docente ou pesquisador. Estou aqui na condição de jornalista e repórter!”

Foi assim que, na manhã do dia 4 de setembro deste 2024, inaugurei uma conversa com um grupo de cerca de 30 professoras/educadoras que trabalham na creche Estrela Azul, no bairro Vila Progresso, na Zona Leste de São Paulo. A creche fica próxima à Favela do Boi, bem conhecida por lá. A unidade é responsável pelo cuidado de 180 crianças, de zero a quatro anos, todas residentes com seus pais nos arredores da pequena escola.

A conversa entre eu e as professoras se deu a partir de um convite de uma das educadoras, que conhece parte de meu trabalho, para que eu fosse contar ao grupo sobre algumas de minhas experiências enquanto jornalista, repórter e editor de Diversidade e Inclusão do Jornal da USP. E lá fui… Confesso que, com um pouco de medo. Porém, como dizia minha saudosa mãe, se está com medo, vai com medo mesmo!

Mas o sentimento de receio foi logo quebrado ao final de uma escadaria. Chegando ao topo dos degraus, diante de um portão de entrada, já se ouve o som da criançada. Uns chorando, outros sorrindo, outros brincando. Fui apresentado a todos num caminho que me levou a conhecer praticamente todos os ambientes daquele espaço. Tudo muito limpo e organizado com temas infantis, desde desenhos colados nas paredes até móveis (mesas e cadeiras) em tamanho reduzido que mais pareciam ter saído de sonhos infantis que eu tinha quando criança. Além do espaço aconchegante, pude perceber nas pessoas e nos pequenos o brilho em seus olhares. Nas crianças, o brilho cativante e sincero. Nos adultos, o brilho da satisfação.

Haveria ali, numa das salas da escola, a reunião pedagógica que junta, bimestralmente, todos os funcionários e a diretora da unidade. É o momento de avaliação do trabalho e da conduta adotados até então, e de planejamento para próximas ações e procedimentos.

E eu? Enquanto jornalista, numa reunião pedagógica em uma escola de educação infantil?

Pois bem, o fato é que a direção da unidade e as educadoras clamam por mais conhecimento, principalmente com relação aos problemas decorrentes da discriminação racial e seus efeitos nocivos.

Como educar e elucidar uma criança, desde a mais tenra idade, que começa a dar os seus primeiros passos, sobre essa “praga” chamada racismo, discriminação, preconceito. Em nosso bate-papo, a diretora da escola, que é uma mulher negra, narrou a experiência de ter sido chamada por uma professora a intervir num episódio em que uma garotinha branca disse que não poderia dividir um brinquedo com sua coleguinha porque ela era preta. Ambas tinham quatro anos!

Mas eu, um jornalista numa reunião pedagógica? Durante nossa conversa foi se descortinando o real motivo de meu envolvimento, mostrando que a minha presença ali não era, digamos, na função de um especialista em educação e pedagogia. Mas sim de um repórter que vem tratando de temas como racismo contra negros, indígenas e outras etnias, discriminações de toda ordem, situação de refugiados no País, violências contra a mulher, contra os homossexuais… E por aí vai!

Essa condição me é dada, cotidianamente, na editoria de Diversidade e Inclusão do Jornal da USP, na qual atuo como editor e também repórter. Enfim, estabelecida a razão da conexão, nossa conversa fluiu muito prazerosa. Fazendo ali uma releitura de algumas matérias que produzi, foi crescendo em mim um sentimento de satisfação pelo meu trabalho que, talvez, eu ainda não havia sentido com tamanha intensidade. Foi bom rever fotos dos pesquisadores, rever títulos, áudios do podcast Os Novos Cientistas, que produzo e apresento na Rádio USP. Todos, em algum momento, tratam dos temas que eram centrais em nossa conversa. Como informou a diretora da unidade, “nós precisamos ter mais acesso a informações como essas, que despertem em nós o sentimento da luta pela justiça e por igualdades”.

Conhece a USP?

Em dado momento, questionei a todos sobre quem conhecia o campus da USP, no Butantã. Apenas uma das professoras disse que já teria vindo por aqui na década de 1990, quando participou de um curso no antigo Cepam na USP. Perguntei se conheciam ou já tinham visitado a Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH), a USP Leste. “Ah… Já ouvi falar…”, respondeu uma educadora. “Já passei lá perto”, disse outra professora. Perguntei se já tinham ouvido a Rádio USP. Silêncio! Questionei se já tinham ouvido O Samba pede Passagem… A resposta veio em coro: “Simmmmm”.

Enfim, antes mesmo de falar de minhas reportagens e de meu trabalho de forma geral, falei rapidamente sobre a estrutura da Universidade, que é tão bem qualificada nos rankings mundiais, mas ainda quase que totalmente desconhecida por boa parte das educadoras de uma escola de educação infantil da periferia paulistana.

Seguindo a agradável “prosa”, até porque eu havia avisado: “Não sou palestrante, nem docente ou pesquisador, quanto menos educador!”, fui relendo algumas reportagens, expondo alguns áudios do podcast Os Novos Cientistas, revendo junto com todas alguns vídeos e procurei explicar, rapidamente, a estrutura atual de nossa publicação que pode ser acessada pela internet.

E haja brilho naqueles olhos! As conversas fluíam de forma cada vez mais descontraída a ponto de iniciarmos algumas discussões sobre as diversas formas de discriminação, racismo etc. Na qualidade de um repórter, eu reproduzi àquelas dedicadas educadoras o que venho aprendendo junto a nossos entrevistados e especialistas da USP. Afinal, jornalismo é um aprendizado diário.

Sempre vi desta forma!

Houve momentos de olhos mais brilhantes, por conta de estarem “enxaguados”. Quando falamos de coisas que nos afligem, mas que há esperanças de que é possível enfrentá-las, e que há pessoas que se dedicam a isso de forma a estudarem profundamente temas ainda espinhosos à nossa sociedade, algumas emoções afloram. Seja por lembrar de algo de um passado nem tão distante, seja por enxergar alguma esperança, a emoção, em alguns momentos, falou mais alto e deixou transparecer o quanto aquelas educadoras amam o que fazem.

Sobraram carinho, emoções e uma sensação das melhores que já tive, de um aprendizado maravilhoso, de orgulho em ver aquelas “brilhantes educadoras” sedentas de saber e de conhecimento.

Devo dizer que, antes de todas essas sensações, participei de um farto café da manhã, onde saboreei especialidades feitas por elas. Depois de tudo, ainda fui convidado para um almoço delicioso!

Como saldo, a certeza de que algumas de minhas matérias terão o acesso de novos leitores(as)… E que os podcasts também terão novos ouvintes, por meio dos 93,7 FM da Rádio USP. A Universidade de São Paulo precisa ser mais conhecida! Deixei a promessa de que lá voltarei. Afinal, adorei o café e o almoço. Deliciosos.

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