Os obstáculos para a implantação da Tarifa Zero aos domingos na cidade de São Paulo

Diz Raquel Rolnik que o programa foi lançado sem planejamento, o que pode matar a proposta antes mesmo da sua implantação por falta de frota e, sobretudo, porque não há adesão de Metrô e trem

 14/12/2023 - Publicado há 7 meses
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A Prefeitura de São Paulo está anunciando a Tarifa Zero nos ônibus aos domingos. Como lembra Raquel Rolnik, trata-se de uma velha reivindicação do movimento de transportes pelo Passe Livre. “A reivindicação é sobre a possibilidade de todas as pessoas poderem se movimentar pela cidade sem a necessidade de pagar tarifa, questionando um modelo predominante, hegemônico nas nossas cidades brasileiras, de remuneração das empresas privadas que fazem o sistema de transporte funcionar através da tarifa e, portanto, permanentemente pressionando a  tarifa.

É importante colocar que esse debate da Tarifa Zero se dá num contexto onde uma pesquisa recente –  na cidade de São Paulo –  apontou que 70% dos respondentes deixaram de fazer alguma viagem em função do preço da tarifa, ou seja, a tarifa é um elemento limitador e isso a gente já está vendo na implantação da Tarifa Zero, que hoje já são mais de 80 municípios no País, a maior parte pequenos e médios, alguns há vários anos, que mostram que o número de passageiros transportados duplicou,  triplicou.

Depois da crise da pandemia, quando o modelo de pagamento do serviço pela tarifa foi para o brejo,  porque diminuiu o número de passageiros, agora, a Tarifa Zero parece que está se transformando numa solução para manter a remuneração das empresas. Por que estou dizendo isso? Porque, na proposta que está sendo lançada pela Prefeitura, a Tarifa Zero começaria aos domingos, a partir do dia 17 de dezembro, isso significa que, durante o dia inteiro, no domingo, todo mundo vai poder pegar o ônibus e andar sem pagar a tarifa. Entretanto, a Prefeitura não fez uma coisa absolutamente essencial para poder lançar esse programa, que é aumentar a oferta de ônibus, já que a previsão é que essa demanda vai evidentemente aumentar.

O problema não é só o aumento do custo de quanto a Prefeitura vai ter que pagar mais; com a pandemia já teve uma redução da frota, a maior parte da frota não faz mais as viagens previstas antes da pandemia, e a remuneração das empresas hoje é por passageiro; e o que as empresas fazem, lotam os ônibus, porque quanto mais passageiro entrar naquela viagem, mais lucrativo e rentável vai ser aquele trajeto. Vale lembrar que já tem uma definição, no próprio contrato de concessão, de que a remuneração não deveria ser mais por passageiro e sim por viagem, porque o custo real para a empresa é a viagem e não o passageiro. É o ônibus, o motorista, a gasolina etc. Na verdade, ao remunerar por passageiro e ao não prever um aumento dessa frota, o que vai acontecer é que os ônibus vão ser superlotados, vai piorar essa condição, além de ficar horas esperando um ônibus, ou seja, está sendo lançado sem o devido planejamento, que era absolutamente necessário, e isso é um perigo muito grande, porque pode  matar a proposta antes mesmo da sua implantação.

Um outro elemento é a não articulação com o Metrô e o trem, e aí já ficou bastante claro que o governador Tarcísio está absolutamente contra a Tarifa Zero. O que vai acontecer é que os ônibus que fazem os mesmos trajetos que Metrô e trem vão atrair mais passageiros, Metrô e trem vão perder passageiros e a perda de passageiros vai incidir no tal do equilíbrio econômico dos contratos das empresas privadas, assim, no nosso modelo de concessão de linhas, quando se perde passageiros o governo paga por esses passageiros perdidos. E vai pagar do orçamento público e, portanto, vai tirar de outras coisas.”


Cidade para Todos
A coluna Cidade para Todos, com a professora Raquel Rolnik, vai ao ar quinzenalmente quinta-feira às 8h30, na Rádio USP (São Paulo 93,7; Ribeirão Preto 107,9) e também no Youtube, com produção da Rádio USP,  Jornal da USP e TV USP.

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