Grupo da USP celebra 20 anos de pesquisas sobre a construção social da paisagem

Núcleo de Estudos da Paisagem da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP desenvolve há duas décadas pesquisas focadas na melhoria dos sistemas ambientais e na qualidade de vida das pessoas

 14/12/2023 - Publicado há 7 meses     Atualizado: 15/12/2023 as 16:06
Estudantes de escola do municipal Profª Philó Gonçalves dos Santos, do distrito de Perus, atuando na identificação de ecotrilhas em projeto que contou com a parceria do Núcleo de Estudos da Paisagem da FAU-USP – Foto: Secretaria Municipal de Educação

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Por Elaine Alves*

Fundado em 2003 na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP, o Núcleo de Estudos da Paisagem (NEP) nasceu com a missão de explorar a paisagem como uma construção social e partilha de experiências, tendo a cidade, a natureza e a cultura como objetos de investigação. Reunindo uma ampla diversidade de pesquisadores provenientes de várias áreas, o núcleo se destaca por suas pesquisas integradas. O objetivo é explorar, por meio de práticas colaborativas e estudos da história da cultura, os modos de produção e apropriação do espaço.

De acordo com Euler Sandeville, professor da FAU responsável pela criação do grupo, o surgimento do NEP aconteceu após a sua passagem por Jequitinhonha, município de Minas Gerais, onde conversou com pessoas que compartilharam suas experiências com a paisagem. Foi assim que ele confirmou sua ideia de que a paisagem é uma partilha a partir da vivência de cada um. “Nessa viagem, conversando com as pessoas, eu percebi o quão rico é o diálogo para a construção do conhecimento. O conhecimento é renovado a partir da experiência com outras pessoas”, destaca. 

Como informa o professor, a abordagem se concentra em entender a realidade local de cada região e estabelecer conexões com os sistemas ambientais e a estrutura urbana. “A partir da identificação de seus problemas, o projeto busca propor e construir soluções estratégicas e de monitoramento das condições básicas da qualidade de vida e das paisagens”, comenta.

As ações colaborativas acontecem em parceria com escolas, coletivos, grupos de ação social e instituições públicas, explica Sandeville. O NEP busca estabelecer uma abordagem participativa, reconhecendo o direito fundamental das populações serem informadas sobre a natureza e os procedimentos das atividades desenvolvidas em suas regiões, ressalta. Para ele, esse aspecto fortalece a participação ativa das comunidades no planejamento e na gestão dos espaços em que vivem.

Segundo o professor, “as linhas de pesquisa do NEP são baseadas no entendimento da paisagem como experiências partilhadas e como construção social em nosso habitar o mundo” e na Espiral da Sensibilidade e do Conhecimento — um conceito criado pelo professor Sandeville —, que valoriza os princípios éticos e solidários na construção de valores, o diálogo crítico e respeitoso entre as diferenças e os esforços para a construção de relações sociais mais íntegras, justas e afetuosas. Segundo o professor, é preciso “existir uma forma de produção de conhecimento que não exclua a sensibilidade” e os princípios da espiral permitem que isso aconteça. 

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Os projetos do NEP

Entre os projetos do núcleo se destacam ações em regiões de São Paulo: Heliópolis, Brasilândia, Atibaia, Perus, Jaraguá, Anhanguera, Centro, entre outras. Em 2007, por exemplo, o projeto em Atibaia mobilizou alunos de pós-graduação e parceiros externos, em colaboração com duas outras unidades da USP, para a preservação da Pedra Grande, monumento natural do município.

O trabalho colaborativo do NEP resultou em intensa mobilização social local e contribuiu para uma série de ações do Ministério Público e da Prefeitura de Atibaia. “Isso desencadeou um processo de preservação que contribuiu para a inclusão da Pedra Grande no Mosaico de Unidades Conservação (UC) da Região Metropolitana de São Paulo”, ressalta o professor. 

Reunião entre a equipe do NEP em Atibaia; à direita, queimada registrada na Pedra Grande em 2007 – Fotos: NEP/FAU USP

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Em 2009, em diálogo com a pesquisa da mestranda Claudia Cruz, o grupo de pesquisa promoveu a implementação de uma disciplina colaborativa em Heliópolis, localizado no
distrito de Sacomã, na zona sul da cidade de São Paulo, o NEP realizou um projeto que tinha como objetivo exercitar a percepção da paisagem e o processo artístico criativo de alunos, moradores e artistas independentes da região. De acordo com Sandeville, a criação da disciplina era aberta não só para alunos da FAU como também para coletivos. 

A proposta mobilizou uma série de reuniões e atividades pela cidade e, entre elas, estava uma oficina artística com as crianças e adolescentes da região, em que eles tiveram que demonstrar, por meio desenhos, modelos e maquetes, sua percepção sobre o local onde moram e, em uma escala maior, sobre Heliópolis. 

Oficina artística permitiu que crianças de Heliópolis estimulassem sua percepção sobre a região de maneira lúdica – Fotos: Unas Heliópolis

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Espaços colaborativos na Brasilândia

Visita do Núcleo de Estudos da Paisagem da FAU na região da Brasilândia – Foto: NEP/ FAU USP


Atualmente, a Brasilândia ocupa a posição de 4º distrito mais populoso do município de São Paulo e o primeiro da zona norte. Seu crescimento esteve relacionado com a implantação de conjuntos habitacionais, novas favelas, loteamentos irregulares e loteamentos coordenados pela Associação dos Trabalhadores Sem Terra (ATST), e teve grande impacto na paisagem da região. Esses fatores motivaram a implementação do projeto piloto NEP-Brasilândia, ligado à pesquisa de doutorado
Chão, desenvolvida por Cecilia Angileli, sob a orientação de Sandeville. 

Segundo Cecilia, a tese permitiu o desenvolvimento de espaços colaborativos de construção de conhecimento nas favelas da pré-Serra da Cantareira e a organização de espaços de resistência a partir da memória e da cultura popular na Vila Brasilândia, entre outras experiências. Para a pesquisadora, as ações implementadas fizeram parte de “um movimento de reconhecimento-pertencimento fortalecido pelo NEP, espaço que sempre se colocou como uma ponte entre o popular que está fora e o que está dentro da Universidade, fazendo isso sem espetáculo e com muito respeito ao saber popular”.

O projeto teve como objetivo estimular a reflexão crítica sobre a paisagem do distrito a partir de processos coletivos de trabalho com moradores, lideranças locais e alunos de graduação da FAU. Através de sites, jornais locais, rádio comunitária, documentários e materiais de ensino, o NEP garantiu o acesso e circulação das informações sobre a região e para a região. A partir disso, três polos foram implantados por Cecilia: Polo Rádio Cantareira, Polo Jardim Paraná e Polo Esquina da Memória, todos organizados em parceria com moradores. 

O primeiro, Polo Rádio Cantareira, oferecia um espaço para reflexão e difusão dos estudos a partir de mídias comunitárias e foi organizado em parceria com a Associação Cantareira — entidade local que cedeu o espaço e a infraestrutura para a implantação. Para oferecer uma oportunidade de debate sobre questões de moradia, meio ambiente e atendimento jurídico, o Polo Jardim Paraná foi implementado, tendo o espaço disponibilizado pela Paróquia Sagrado Coração de Maria. O último, Polo Esquina da Memória, foi um espaço cedido por uma moradora e utilizado para o debate e produção de estudos de memória e cultura, além de também ter sido organizado em parceria com movimentos sociais e culturais locais.

Paisagem do distrito de Brasilândia – Foto: NEP/FAU USP

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Houve também um subprojeto que adotou como estratégia o estudo do conjunto de representações cinematográficas de periferias urbanas, pensando =em como os moradores se reconhecem (ou não) — a partir de suas percepções sobre o próprio cotidiano e paisagem — nessas representações de periferia realizadas pela indústria cinematográfica.

De acordo com uma publicação no site, “essas representações são heterogêneas e carreiam um tom por vezes de realismo, de idealismo, ou ainda de denúncia e engajamento diante de contradições sociais relacionadas a essas paisagens”. Por isso o trabalho teve como objetivo analisar essas realidades que foram transformadas em enredos para discutir a existência concreta dos moradores dessas periferias.
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Ações atuais

Atualmente, o NEP prioriza o desenvolvimento de projetos nos distritos de Perus, Anhanguera e Jaraguá, através do projeto Universidade Livre e Colaborativa. Parte importante das atividades está concentrada na questão ambiental e em ações colaborativas com escolas públicas da região, tendo como foco o desenvolvimento de processos de interpretação da paisagem natural e urbana, além de contribuir para a formação de professores nesse tema específico. Sandeville afirma que “a cooperação com as escolas tem sido uma tônica importante para o trabalho do núcleo”. Na região, em parceria do NEP com educadores, movimentos sociais e coletivos, foi criado no Plano Diretor de São Paulo um Território de Interesse da Cultura e da Paisagem Jaraguá-Perus-Anhanguera

 

Roda de conversa entre as equipes das duas instituições – Foto: Secretaria Municipal de Educação

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Entre os projetos em andamento, Sandeville destaca a parceria entre o NEP e a escola Emef Profª Philó Gonçalves dos Santos, localizada no distrito de Perus, para a criação de uma ecopraça. O NEP, junto do Laboratório Quapá, lançou uma disciplina optativa na FAU chamada Projeto de Praça Urbana, na qual trabalharam na elaboração do projeto de arquitetura de maneira colaborativa, envolvendo tanto os estudantes quanto os professores da FAU e da escola. O projeto final da praça foi apresentado em agosto de 2022 e uma disciplina de extensão dará continuidade ao trabalho. 

O projeto tem como objetivo transformar uma área não utilizada de mais de 14 mil metros quadrados, localizada atrás da escola, em um espaço verde. A proposta visa a promover a acessibilidade e a criação de espaços recreativos integrados de forma didática. As áreas planejadas para a ecopraça incluem três quadras, parque, pista de skate, jardim de chuva, anfiteatro, árvores urbanas e frutíferas, parede de escalada, relógio solar, horta pedagógica, composteira, entre outros.

Professores da FAU, Euler Sandeville e Ana Cecília de Arruda, e o coordenador pedagógico da Emef Philó, em Perus, Eder Daniel – Foto: Secretaria Municipal de Educação

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De acordo com Sandeville, as equipes das duas instituições elaboraram uma estratégia e um cronograma, realizando um trabalho colaborativo de adaptação. Essa colaboração foi essencial para o desenvolvimento da iniciativa. O projeto Ecopraça Philó também tem o objetivo de resgatar a herança cultural e histórica do local, servindo como um ponto de resistência e transformação social.

Para saber mais sobre o NEP acesse este link ou entre em contato pelo e-mail nucleodeestudosdapaisagem@gmail.com.

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*Estagiária sob supervisão de Thais Santos e Claudia Costa

 


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