Falta legislação para casos em que o réu é coletivo, diz pesquisador

Regulamentar ações coletivas passivas possibilitaria julgar inúmeros processos em apenas um

 08/03/2017 - Publicado há 7 anos
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"Ações coletivas passivas existem como fenômeno social, não na legislação", diz Barbugiani - Foto: Divulgação
“Ações coletivas passivas existem como fenômeno social, não na legislação”, diz estudioso – Foto: Divulgação

A coletividade, um grupo, uma classe ou categoria são geralmente tratados no direito brasileiro no polo ativo de uma ação, isto é, como vítimas, casos para os quais se criaram mecanismos legais como as ações civis públicas. A situação inversa — quando um coletivo está no polo passivo, como réu — não recebeu a mesma atenção: mesmo reformado em 2015, o Código de Processo Civil (CPC) não trata do assunto, a exemplo de qualquer outro conjunto de leis brasileiro. Essa constatação motivou a tese de doutorado de Luiz Henrique Sormani Barbugiani sobre ações coletivas passivas, feita em colaboração entre a Faculdade de Direito (FD) da USP e a Universidade de Salamanca, da Espanha.

Barbugiani dá como exemplo de uma situação em que poderia se configurar uma ação coletiva passiva aquele que ele diz ser o mais gritante dos que encontrou, ocorrido em 2015: um município do interior de São Paulo ingressou com uma ação civil pública no Tribunal de Justiça (TJ) contra proprietários de imóveis abandonados ou desocupados que se negavam a permitir a entrada de fiscalização para erradicar focos de dengue em sua propriedade.

Pesquisador Luiz Barbugiani defende tese de doutorado no Salão Nobre da FD - Foto: Divulgação
Luiz Barbugiani defende tese de doutorado no Salão Nobre da FD – Foto: Divulgação

“Ocorreu que, devido à falta de legislação para determinar um representante comum a todos esses proprietários, a ação foi extinta, sem julgamento do mérito, sob o argumento de ilegitimidade de parte e ausência de origem comum. Ou seja, por uma questão de formalismo pueril, toda a comunidade daquele município foi prejudicada por uma coletividade menor desprovida de representação jurídica”, relata.

O jurista defende que, se houvesse o dispositivo da ação coletiva passiva, esse grupo de proprietários que abusou de seus direitos prejudicando a sociedade poderia ter sido julgado em um único processo, da mesma maneira que, na ação civil pública, toda a coletividade tem seus direitos defendidos em conjunto. “É um problema pois a situação da ação coletiva passiva existe como fenômeno social, mas não como dispositivo legal, então não há uniformidade na doutrina e jurisprudência para esses casos”.

Segundo o pesquisador, o exemplo mais claro em que isso ocorre na prática são as ações possessórias. “Em geral, no caso da invasão de um prédio ou um terreno, por exemplo, citam-se no processo alguns indivíduos como réus e os demais são citados em edital e, ao se decidir pela desocupação do local, qualquer um que lá estiver, citado no processo ou não, deve acatar a ordem. Esses indivíduos, como grupo, não têm personalidade jurídica e nem possibilidade de defesa”.

Em sua pesquisa, Barbugiani abrangeu aspectos do direito do trabalho, processo do trabalho, direito administrativo, direito constitucional, direito internacional e processo civil, e buscou caracterizações da ação coletiva passiva na legislação dos Estados Unidos, Portugal e Espanha, além de códigos modelo elaborados por universidades brasileiras.

Operação da PM para retirar sem-teto - Foto: Pedro Ventura/Agência Brasília via Fotos Públicas
Operação da PM para retirar sem-teto – Foto: Pedro Ventura/Agência Brasília via Fotos Públicas

“O único país que pesquisei que trata de fato do assunto são os Estados Unidos, mas como a realidade e o direito norte-americanos são bem diferentes dos nossos, foquei mais em Portugal e na Espanha, que, embora não tenham instrumentos legais específicos para a ação coletiva passiva, possuem algumas soluções úteis para a nossa situação”.

A ideia de Barbugiani é fazer alterações pontuais no texto do Código de Processo Civil, “oxigená-lo em relação a esta matéria” e, com isso, automaticamente influenciar em decisões de processo do trabalho e outras áreas do direito que usam o CPC como norma subsidiária. Ele sugere, por exemplo, a adoção de um dispositivo espanhol chamado litisconsórcio quase necessário, no qual indivíduos em situações semelhantes de infração da lei ou abuso de direitos podem ser processados e julgados com uma única sentença.

Palácio da Justiça de São Paulo, na Praça da Sé - Foto: Wallyg via Visual Hunt
Palácio da Justiça de São Paulo, na Praça da Sé – Foto: Wallyg via Visual Hunt

“Foi muito valiosa essa parceria entre a USP e a Universidade de Salamanca para que eu pudesse estudar de perto a realidade do direito espanhol e português e extrair algo que pudesse ser adaptado para o direito brasileiro. Os pesquisadores de lá se interessaram muito pela minha pesquisa, pois é um tema muito complexo e que carece de especificação que dê unidade às decisões judiciais e não deixe a população desamparada, por exemplo, em casos como o da fiscalização de focos de dengue em imóveis desocupados”.


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