Exposição “Versus” apresenta o conflito através da arte

No Centro Maria Antonia da USP, Laerte Ramos exibe tapeçarias, cerâmicas e outras expressões do fazer artístico

 30/06/2023 - Publicado há 1 ano     Atualizado: 03/07/2023 as 7:53
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Exposição "Versus", em cartaz no Centro Maria Antonia da USP - Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

“Esta é a minha missão como artista: tentar fazer com que as pessoas absorvam um pouco mais da arte contemporânea.” A frase é do artista Laerte Ramos, que até 10 de setembro apresenta a exposição Versus, no Centro Maria Antonia da USP, em São Paulo. Com curadoria da pesquisadora Ana Carla Soler, a mostra aborda guerras, conflitos e infância utilizando técnicas artísticas não convencionais.

Ao entrar na sala, o visitante se depara com uma tapeçaria de parede. Ela é confeccionada com ponto de cruz smirna, uma técnica considerada mais complexa de ser aplicada, segundo Laerte. Já no chão, outras três tapeçarias são expostas. Desta vez, confeccionadas com tear de pente liço e miçangas, técnica menos convencional para a produção de peças desse tipo. As tapeçarias fazem parte da série Nós do Caos (2023) e são trabalhos inéditos do artista.

O artista Laerte Ramos - Foto: Cecília Bastos/USP Imagens
O artista Laerte Ramos - Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Como ponto de partida de seu processo criativo, Laerte utiliza o computador para produzir os desenhos das obras. Cada unidade de pixel equivale a um nó, ou a uma miçanga. É possível observar como cada técnica comporta o desenho feito previamente, sobretudo ao comparar duas das tapeçarias, já que elas apresentam a mesma ilustração.

Na mostra encontra-se também uma releitura de Arma Branca (2010), trabalho anterior de Laerte e vencedor do Prêmio Marcantônio Vilaça, em 2012. Nessa nova versão, o artista pensa questões contemporâneas, como a polarização política, através de 100 pares de armas produzidas em cerâmica. As peças miram umas para as outras, conferindo certa “tensão e ansiedade entre o lado esquerdo e o lado direito”, de acordo com ele. Mas também possuem um tom humorístico, em razão da multiplicidade de cores e das explosões nas pontas dos canos, fazendo alusão à infância e aos elementos de desenhos animados. “Essa obra não traz lei nem regra. Ela traz debate sobre o conflito”, comenta.

A polarização é reafirmada em outros três quadros da série Nós do Caos, feitos a partir de uma impressão lenticular que confere às imagens diferentes cores, dependendo do ponto de vista. “Aqui são temas mais contundentes. Dependendo da sua postura como espectador na frente da obra, você consegue pegar esse tema e apagar – deixar em tons de cinza – ou elucidar. E isso é uma questão de postura como pessoa também: você pode ir mais para a esquerda ou mais para a direita, mais para frente ou mais para trás. Tem um pouco desse lugar de você como indivíduo. Se você vem para cá, você esquece; se você vai para lá, você lembra”, explica o artista.

As artes plásticas tiveram um papel fundamental na formação de Laerte desde a  infância. Ele foi estimulado pelos pais e pela escola em que estudou, na qual atividades manuais com madeira, lã, pedras e argila eram comuns. Formado em Artes Plásticas pela Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), em São Paulo, o artista conta que o seu interesse por essas ferramentas artesanais sempre existiu e que procura abordar questões contemporâneas sob diferentes formas e plataformas. Seja através da música, do cinema, da literatura ou da própria arte expressa em múltiplas técnicas artesanais, o artista utiliza ferramentas multimídias com o intuito de tornar a arte contemporânea acessível e aproximá-la do maior número de pessoas possível.

A curadora Ana Carla Soler - Foto: Arquivo Pessoal
A curadora Ana Carla Soler - Foto: Arquivo Pessoal

A exemplo disso, logo que o visitante chega à exposição, ele pode acessar, através de um QRCode, uma playlist pensada pelo artista. As músicas, que incluem trilhas de clássicos cinematográficos de ação, como Três Homens em Conflito (1966), Por um Punhado de Dólares (1964) e Coração Valente (1995), foram reunidas para servir como uma trilha sonora a ser apreciada enquanto o público analisa a mostra. Laerte já criou playlists para exposições anteriores, e conta que essa é uma forma de “ter outros insights além do texto e das próprias obras”. “É um mecanismo para as pessoas acharem e absorverem a exposição de uma maneira mais tranquila, e ‘mudarem a chavinha’.”

As guerras e a militarização são temáticas recorrentes no trabalho de Laerte. Nascido em 1978, ele conta como, durante a sua infância, ao longo da década de 1980, havia uma forte cultura de filmes de ação sob o ponto de vista histórico dos Estados Unidos. “Todo o meu lado lúdico vem daquele universo dos filmes e dos brinquedos, quando tinha uma coisa mais militar presente. A gente consome muito essa cultura, e depois é que vai descobrindo outras verdades. Tem várias questões que vão sendo desmascaradas com o tempo”, relata.

Com um olhar atento, os visitantes podem conferir outras obras da exposição. Inspirado nos “vilões da tapeçaria” – as traças, como descreve o artista -, Laerte confeccionou Casa Traça (2023). “Eu tenho alguns tapetes do Afeganistão em casa e uma das traças estava comendo um deles. Eu a peguei, tirei um molde e fiz uma injeção de cera para, depois, fazê-la virar ouro. Transformei a traça em uma obra de arte”, conta o artista. As pequenas esculturas, de aproximadamente um centímetro cada, estão espalhadas e “escondidas” pelo local, de modo que o público tenha que observar com atenção para encontrá-las. 

A exposição Versus, de Laerte Ramos, fica em cartaz até 10 de setembro, de terça-feira a domingo e feriados, das 10 às 18 horas, no Centro Maria Antonia da USP (Rua Maria Antonia, 258, Vila Buarque, em São Paulo). Entrada gratuita. Mais informações podem ser obtidas pelo telefone (11) 3123-5202 e no site do Centro Maria Antonia.


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