Quarenta anos induzindo e garantindo qualidade da produção docente da USP

Por Helena Ribeiro, professora da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP e presidente da Comissão Especial de Regimes de Trabalho (Cert) da USP, e outros autores*

 29/03/2023 - Publicado há 1 ano
Helena Ribeiro – Foto: Arquivo pessoal
A inestimável contribuição da Universidade de São Paulo para a sociedade brasileira ficou muito evidenciada durante a pandemia de covid-19, com o desenvolvimento de respiradores, novos protocolos de tratamento, vacinas e atendimento médico em hospitais. Mas o protagonismo social da USP vai muito além disso.

A atuação de pesquisadores uspianos, por meio de parcerias e convênios com governos, empresas e organizações da sociedade civil, tem contribuído para o desenvolvimento de políticas públicas, patentes de produtos, tecnologias e processos inovadores para a construção civil, estradas, mobilidade urbana, saneamento, informação, agricultura, indústria, energia, meio ambiente, para citar alguns setores ligados ao desenvolvimento. A contribuição à cultura também é evidenciada em realizações artísticas, publicações, concertos, curadorias, exposições e o apoio à educação se dá por cursos de especialização, de extensão, de atualização de professores e profissionais de diversas profissões.

Esta intensa interação com a sociedade, que fertiliza e dá qualidade ao desenvolvimento social e econômico do estado e do país, é resultado de decisões e políticas universitárias adotadas há algumas décadas, que permitiram aos docentes qualificados a realização de atividades simultâneas à sua atividade docente e de pesquisa, ao mesmo tempo em que evitaram evasão ou cooptação de docentes pela iniciativa privada. No disciplinamento destas atividades simultâneas, de grande valor social, há uma comissão estatutária, desconhecida da sociedade e pouco conhecida na própria USP. É a Cert – Comissão Especial de Regimes de Trabalho.

A Cert, prevista no inciso XI do artigo 34 do Estatuto da USP, é a comissão supervisora e fiscalizadora dos regimes de trabalho do corpo docente da Universidade de São Paulo. Ela recebeu este nome, ao ser disciplinada pela resolução n. 2450 de 29 de dezembro de 1982, e ao reunir três outras comissões que supervisionavam a admissão de pessoal docente (COAPD), o regime de dedicação integral (CRDI) e o regime de turno completo (CRTC).

Mais do que diz seu nome, a comissão avalia projetos de ingresso, reingressos, estabilidade, permanências, exclusões, licenças, afastamentos, credenciamentos para atividades simultâneas, relatórios de atividades simultâneas, transferências, contratos, renovações de contrato, alterações de regimes de trabalho e exonerações de pessoal docente da universidade.

O espírito que tem pautado o cumprimento dessas tarefas da Cert é o estímulo, a valorização e a garantia da qualidade da pesquisa e da docência na USP. As atividades realizadas por esta Comissão e seu corpo técnico não são meramente burocráticas e processuais. As decisões são baseadas em uma criteriosa avaliação do mérito e de sua relevância para a inovação em pesquisa e para o processo de ensino e aprendizagem na USP.

Ademais, a Cert exerce importante papel de orientação a docentes recém-admitidos/as sobre o que se espera deles/as em suas carreiras na USP e o que lhes é permitido e vedado fazer dentro dos diferentes regimes de trabalho, com ou sem credenciamento. Para tal, a Comissão promove reuniões de esclarecimentos com docentes de todas as unidades. Estas reuniões já tiveram formatos diversos, separada por unidades, por campus, ou de forma remota durante a pandemia de covid-19.

Em 2022, a reunião de boas-vindas e orientação foi realizada de forma conjunta a docentes admitidos/as de 2020 a 2022, nas dependências do Conselho Universitário. Teve como objetivos adicionais promover a integração de novos docentes de diferentes unidades, o conhecimento do Campus Butantã para aqueles de outros campi e especialmente conhecer pessoalmente o reitor e ouvir suas ponderações sobre a carreira docente. Participaram da reunião 139 docentes, em 2022. Uma nova reunião, em moldes similares, está agendada para 22 de junho de 2023.

A Comissão é formada por 13 docentes, quase sempre titulares, com elevada e destacada produção científica, indicados e nomeados pelo Magnífico Reitor. Dentre eles, um é indicado presidente e um vice-presidente, que ficam responsáveis por coordenar os trabalhos da Comissão e que assinam os pareceres finais aprovados nas reuniões colegiadas, que acontecem a cada 15 dias.

Ao longo de seus 40 anos ininterruptos de trabalho, a Cert teve 14 presidentes, sendo 12 homens e 2 mulheres, com predominância das áreas de ciências exatas e biológicas, mas incluindo uma presidente da Faculdade de Educação e um da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Esta diversidade de áreas é importante, pois nelas há lógicas de produção científica diversas, que precisam ser contempladas na avaliação feita pelos membros da Comissão.

A diversidade e pluralidade estão mais expressas nos membros que atuaram na Cert nos 40 anos de sua existência. Desde sua regulamentação, na gestão do então reitor Antônio Hélio Guerra Vieira, contribuíram com ela 275 membros (alguns docentes por mais de uma gestão reitoral). Dentre eles, há um reitor, dois vice-reitores, seis pró-reitores, e 59 diretores de unidades de ensino, diretor da Edusp, diretor da Orquestra Sinfônica, Superintendente do Hospital Universitário, diretor do Incor, diretor do Instituto Ludwig de Pesquisa de Câncer e aquele que concebeu a Biblioteca Mindlin.

Além de destacadas figuras na Universidade, participaram da Cert dois ministros, dois secretários de estado, um secretário do município, diretor da Cesp, membro da diretoria da ANA (Agência Nacional de Águas) e presidente do CNPq. Foram seus membros pesquisadores renomados de diferentes áreas científicas, como Mayana Zatz, Paul Israel Singer, Dalmo de Abreu Dallari, Adib Domingos Jatene, Benedito Pinto Ferreira Braga Junior, Bóris Kossoi, István Jancsó, Myriam Krasilchik, para citar só alguns.

Myriam Krasilchik foi a primeira mulher a entrar neste seleto grupo majoritariamente masculino, acompanhada depois por Carolina Martuscelli Bori, durante a gestão reitoral do professor José Goldemberg. Myriam foi vice-reitora. Em seguida, vieram Anna Mae Tavares Bastos Barbosa e Gilda Collet Bruna, na gestão do professor Roberto Leal Lobo e Silva Filho. Nas gestões reitorais seguintes, mais mulheres vieram a participar, Ivette Senise Ferreira, Paula Montero, Maria Hermínia B. Tavares de Almeida, Ana Maria de Lauro Construcci, Regina Scivoletto e Mayana Zatz até 2001. Em 2003, a professora Belmira Amélia de Barros Oliveira foi indicada a primeira presidente mulher da Cert.

Outras docentes foram membros da comissão a partir dos anos 2000, mas a participação feminina dentre os membros da Comissão manteve-se minoritária até anos mais recentes, quando na gestão do professor Vahan Agopyan houve uma maior valorização da participação feminina e, na gestão do professor Carlos Gilberto Carlotti Junior, o número de docentes mulheres (sete) ultrapassou o de docentes homens (seis) e uma segunda mulher foi indicada presidente. Este movimento acompanha um movimento social mais amplo de valorização do trabalho da mulher, mas também de maior participação de docentes mulheres no quadro da Universidade de São Paulo.

O processo de feminilização veio acompanhado de um olhar mais atento para as necessidades e singularidades da docente e pesquisadora mulher. Sobretudo durante o afastamento social exigido pela pandemia de covid-19, o cuidado com filhos e doentes fez parte do cotidiano de muitas docentes que tiveram prejudicados o andamento de suas pesquisas e sua produtividade. A gestação e o afastamento para cuidar de recém-nascidos também foram variáveis incluídas na avaliação da Cert.

Um outro movimento relevante, no âmbito da avaliação da Cert, foi a valorização de produção científica internacional, indexada em bases bibliográficas e de acesso aberto. Este movimento acompanha aquele de inserção da USP no rol das universidades de classe mundial e de melhoria de sua classificação em rankings de avaliação de instituições de ensino superior. Membro da Cert desde 1990 e presidente de 1992 a 1997, Rogério Meneghini, teve um importante papel ao criar, em 1996, a plataforma Scielo – Scientific Electronic Library, em parceria com Abel Packer, de indexação de revistas brasileiras e posteriormente de outros países. Os objetivos da Scielo foram permitir que resultados da produção científica brasileira se tornassem visíveis internacionalmente e construir base de dados que provesse indicadores que permitissem avaliar a produção nacional de conhecimento.

Esta plataforma alavancou um grande salto na qualidade das revistas publicadas pela USP, que passaram a obedecer a uma lógica não endógena, de avaliação cega por pares, de diversificação com autores de outras instituições e de outras regiões do país, e de acesso aberto, permitindo o uso de métricas para avaliar impacto dos artigos e periódicos. A Scielo tornou mais digerível, para todas as áreas do conhecimento, a importância de se publicar em periódicos indexados. Não só os periódicos brasileiros passaram a ter qualidade para serem aceitos em bases bibliográficas internacionais, como Web of Science, Scopus, Medline, para citar algumas, como os pesquisadores passaram a se empenhar para publicar em periódicos com indexação internacional e medição de impacto.

Atualmente, ainda há uma grande diversidade dentre as unidades da USP na aceitação e/ou recomendação a seus docentes de privilegiarem publicar em periódicos indexados e internacionais. A publicação em periódicos científicos indexados lhes dá a dimensão do mérito e da originalidade de sua produção científica em comparação a outros cientistas internacionais, além de lhes facilitar coautoria com pesquisadores de outras instituições estrangeiras. Artigos indexados são contabilizados na produção científica da USP e do Brasil, permitindo sua valorização nos rankings científicos. A Cert tem procurado seguir estes parâmetros, não como exigência, mas com valorização, por meio de elogios e/ou recomendações aos docentes.

Outro ponto importante a se ressaltar é que a Cert, seus membros e funcionários técnicos trabalham muito, sem descanso, sem acúmulo de processos e sem atrasos, pois têm ciência de seu papel fundamental para a vida e a rotina de trabalho dos docentes. Já foi mencionado que as reuniões são quinzenais para deliberar pontos da pauta e discutir os mais complexos até que se chegue a um consenso. Mas o trabalho não se restringe às reuniões. Há intensa leitura de processos e encaminhamento de pareceres em dia, para deliberação dentro daqueles 15 dias.

Alguns números podem ilustrar esta dinâmica. Em 2022, a Cert se pronunciou sobre cerca de dois mil documentos. Foram 1.833 processos. Destes, foram 44 bancas de estabilidade docente, 129 projetos de novos docentes, 85 relatórios bienais e 77 relatórios finais, 993 credenciamentos para atividade simultânea, 76 relatórios de unidades sobre atividades simultâneas, 188 afastamentos de docentes, 154 relatórios de afastamentos, 12 mudanças de departamento ou unidade, 25 alterações e licenças de regime de trabalho.

A análise de projetos de ingresso docente e as bancas de estabilidade docente, ao serem realizadas por um órgão centralizado na reitoria, fazem com que se tenha maior homogeneidade inter unidades e maior isenção nas decisões, evitando possível corporativismo e mal-estar interno nas unidades.

Há na USP cerca de dois mil docentes credenciados para exercer atividade simultânea. Estes docentes, salvo raras exceções, são credenciados somente se tiverem atividades didáticas na graduação e na pós-graduação, projeto de pesquisa em andamento e produção científica recente qualificada em periódicos e/ou livros. Estes docentes são avaliados pela Cert a cada dois anos, que pode lhes fazer recomendações e /ou elogios. Importante ressaltar que o índice de aprovações é bastante elevado (99%), indicando a qualidade e dedicação dos professores.

A aprovação da Cert lhes permite exercer atividades de extensão relevantes, que aproximam a USP de diferentes setores da sociedade, como instituições de saúde, de ensino, empresas públicas e privadas, organizações não governamentais, governos etc. As atividades de extensão constituem não só um aprendizado prático aos/às docentes como uma enorme contribuição da USP para o desenvolvimento do país e da sociedade.

Há 40 anos exercendo a atividade acadêmica de apoio à excelência da USP, a Cert vem a público destacar momentos da sua trajetória, relatar dados que ilustram o cotidiano recente e o compromisso institucional com o caráter e a qualidade da universidade pública.

* Participaram deste artigo os demais membros da Cert: Anna Helena Reali Costa, professora da Escola Politécnica, Beatriz Appezzato da Gloria, professora da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, Eder Tadeu Gomes Cavalheiro, professor do Instituto de Química de São Carlos, Eduardo Cesar Leão Marques, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Eduardo Melani Rocha, professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Esther Império Hamburger, professora da Escola de Comunicações e Artes, Flavio Ulhoa Coelho, professor do Instituto de Matemática e Estatística, Maria Lucia Zaidan Dagli, professora da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Roberto Manuel Torresi, professor do Instituto de Química, Roberto Ruggiero Braga, professor da Faculdade de Odontologia, Sheila Walbe Ornstein, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, e Sonia Maria Vanzella Castellar, professora da Faculdade de Educação.

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