O Novo Banco de Desenvolvimento do Brics e a presidente Dilma Rousseff

Por Pedro Feliú Ribeiro, professor do Instituto de Relações Internacionais (IRI) da USP, e Tamiris Burin, doutoranda da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP

 09/03/2023 - Publicado há 1 ano
Pedro Feliú Ribeiro – Foto: Arquivo Pessoal
Tamiris Burin – Foto: Arquivo pessoal

 

Algumas semanas atrás, o anúncio de que a ex-presidente Dilma Rousseff seria indicada ao comando do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) do Brics ensejou interpretações distintas sobre as motivações e balizas que teriam circundado a deliberação oficial. De um lado, argumenta-se o descompromisso com o caráter técnico de um perfil que administrará uma instituição financeira como o NDB. De outro, que a escolha se insere bem nos aspectos estratégicos da agenda de política externa do terceiro governo Lula. Desde a eleição do atual presidente Lula, Dilma tem participado de diversas cerimônias em Brasília, e embora o período eleitoral tenha sugerido que a campanha petista evitaria sua presença ou que legitimaria algumas das críticas sobre seu governo, pouco disso se concretizou e Dilma foi bastante referenciada nos discursos de Lula até então.

Em meio a dúvidas do papel que ela desempenharia na nova administração, o governo anunciou sua indicação já contando com a aprovação dos integrantes do Brics (Rússia, Índia, China e África do Sul, além do Brasil) e a renúncia de Marcos Troyjo, que preside o NBD atualmente, indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. Até o momento, o NBD é composto dos cinco países integrantes do Brics, além de Bangladesh, Emirados Árabes Unidos, Egito e Uruguai, mas a presidência do banco é restrita à indicação rotativa dos membros fundadores, sendo o indiano K. V. Kamath o primeiro presidente eleito, em 2015, substituído apenas por Troyjo em 2020.

Diversas críticas emergiram em torno da indicação de Rousseff ao NBD, englobando o perfil da presidente Dilma, a mudança da presidência do banco em meio de mandato e interesses do Partido dos Trabalhadores (PT). O deputado federal Aécio Neves (PSDB-MG), por exemplo, afirmou que “o PT e o presidente Lula não [a] queriam por perto”, mas enviá-la para Xangai (sede do banco) “chega a ser cruel”. O embaixador aposentado José Alfredo Graça Lima avaliou como negativa a mudança da nomeação brasileira em meio de mandato no banco, que se estende até 2025. O atual indicado brasileiro, ainda sob a gestão de Bolsonaro, o diplomata Marcos Troyjo iniciou seu mandato em 2020 e a troca poderia sinalizar instabilidade na diplomacia brasileira. Por fim, a ausência de perfil técnico para administrar uma instituição financeira como o NBD foi frequentemente abordada pela oposição ao presidente Lula, principalmente no Senado. Chegou ao ponto do líder da oposição no Senado, Rogério Marinho (PL-RN), apresentar um projeto de lei que exige que indicações de brasileiros aos comandos das instituições financeiras internacionais passem por avaliação na casa. Caso aprovada, a medida poderia servir para barrar a indicação de Rousseff prevista para a visita de Lula à China na segunda quinzena de março.

Em geral, o debate entre perfis técnicos e políticos em altos comandos não só carece de casos puros para viabilizar comparações, como arrisca atribuir a tais decisões um fator que é constante e não variável entre os governos. Troyjo, que possui formação em economia, atuava como secretário especial de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais do Ministério da Economia (chefiado pelo então ministro Paulo Guedes) quando foi indicado por Jair Bolsonaro à presidência do NBD, além de ter participado ativamente da assinatura do acordo Mercosul-União Europeia e coordenado um centro de estudos sobre o Brics na Universidade de Columbia.

A presidente Dilma Rousseff, também economista de formação, possui experiências amplas de gestão, com destaque ao comando dos ministérios de Energia e Casa Civil, e principalmente o cargo de presidente da República. Após dois anos em que a criação do banco dominava os encontros de cúpula do bloco, o NBD foi criado em 2014 durante a 6ª Cúpula do Brics, no Brasil, com o objetivo de mobilizar recursos das principais economias emergentes do mundo para projetos de infraestrutura e desenvolvimento do bloco. A ideia partiu do governo indiano, mas, depois de ser divulgada, Dilma trazia o tema do banco como o principal objetivo do Brics desde então. Ela era sempre muito vocal sobre a importância da construção de alternativas à arquitetura financeira global e, no encontro de criação do banco, Dilma Rousseff afirmou que o grupo do Brics enfim “ganhava em densidade”. Do ponto de vista externo, a nomeação de Rousseff certamente suscita essa experiência. Além de ser difícil imaginar que elementos técnicos possam inviabilizá-la para o cargo ou até que as expectativas do próprio posto fossem de menos proeminência em detrimento de um perfil especializado.

O presidente Lula afirmou há poucos dias que considera Dilma capacitada tecnicamente para o cargo e que ofertará maior visibilidade à organização. De fato, a estatura política de Dilma Rousseff é um aspecto significativo. Tanto do ponto de vista simbólico, para o status reputacional do NBD em geral, quanto prático, da maior possibilidade de convergência entre a agenda do banco e da política externa brasileira nos próximos anos.

O comando do NBD por uma pessoa alinhada e de livre trânsito com Lula aproxima o governo da mediação dos atores corporativos que tentam influenciar atualmente as decisões do banco e aumenta as chances do NBD em ocupar mais espaço na arquitetura da matriz brasileira em termos de demanda por investimentos estrangeiros. Os números do orçamento brasileiro para investimentos não são animadores, fazendo da captação internacional de recursos uma pedra angular dos objetivos da política externa atual. O NBD foi fundado com o capital inicial de US$ 50 bilhões, e contribuições igualmente distribuídas entre os cinco membros. Desde 2015, ele disparou como destino orçamentário do Brasil. A título de comparação, até 2021, o NBD foi o destino de R$ 8 bilhões do orçamento brasileiro, um volume que ultrapassa sete vezes o cedido para o Focem do Mercosul em seus quatorze anos de iniciativa. Do lado do dispêndio do NBD, até 2022, China e Índia tiveram, respectivamente, US$ 8,1 bi e US$ 7,5 bi de projetos aprovados. Em seguida vêm África do Sul e Brasil, com US$ 5,3 bi e US$ 5,2 bi, respectivamente. Por fim, a Rússia obteve US$ 3,9 bi em projetos aprovados no banco. Um desafio de Dilma será o de ampliar a carteira de projetos do banco, administrando a expansão de países sócios em andamento.

Enquanto presidia o País, o estilo de liderança de Dilma Rousseff foi frequentemente reportado pela imprensa, a academia e elites políticas do País. Em geral, atribuíam-lhe um perfil tecnocrata e rígido politicamente, que teria mais apreço por planilhas que conquistas intangíveis, e que se expunha em menções da própria presidente como a “diplomacia de resultados” que Dilma teria exigido à chancelaria em 2011. O perfil de liderança da mandatária foi objeto de um estudo que nós desenvolvemos comparando características de líderes presidenciais brasileiros do período recente, e nossas conclusões chegaram a um perfil de fato voltado à execução de tarefas, guiado por causas bem definidas e pelas metas nas quais ele se engaja. Um cargo de comando em uma organização internacional não supõe um salvo-conduto para a defesa das preferências do país de origem de seu dirigente, mas normalmente a liderança dessas burocracias tem razoável espaço de influência em decisões de governança das instituições. Os critérios que envolvem o desempenho dos países na aprovação de projetos, por exemplo, devem estar entre essas definições. E um perfil como o de Dilma pode ser proveitoso para ter atenções concentradas ao incremento dos projetos brasileiros contemplados, e apontar a mira do banco a seus objetivos primários ao invés de interferências como as que a conjuntura russa pode levar à organização.

Os tempos mudaram desde que Dilma compunha a cúpula do Brics nos anos 2010, mas as características pelas quais a ex-presidente já foi bastante criticada parecem mais adequadas do que nunca ao que lhe será requisitado à frente do banco.

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