Avançados em quê?

Por Guilherme Ary Plonski, professor da Escola Politécnica e da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA), ambas da USP

 18/08/2022 - Publicado há 2 anos

Carlos Guilherme Mota assim inicia o registro de um momento marcante dos primórdios do Instituto de Estudos Avançados da USP (IEA), do qual foi o primeiro diretor:

“Eu pergunto: Instituto de Estudos Avançados? Avançados em quê?” Desse modo irônico e desafiador, o professor Florestan Fernandes abriu a conferência do mês que marcava a abertura, em nosso instituto, de uma reflexão sobre o modelo autocrático-burguês no Brasil. Esse era também um momento muito especial na vida do sociólogo-historiador: pela vez primeira, pisava ele, num tardio 1987, a sala do Conselho Universitário da USP, o colegiado principal de sua universidade. Após anos de ditadura e de mediocridades instaladas nos colegiados da instituição, finalmente o Conselho Universitário ou, ao menos, o auditório de reuniões recebia a figura maior das Ciências Humanas produzida por esta instituição. Mas a pergunta florestânica permaneceria no ar, valendo também para toda a universidade: para que serve um Instituto de Estudos Avançados?…

Respondemos ao mestre: para criar, entre outras coisas, oportunidades e situações como aquela e receber o melhor de nossas inteligências. Permanece, portanto, a pergunta: para que servem a universidade, os departamentos, os museus, os institutos? Serão todos avançados?

Persiste no pensamento estratégico da comunidade do IEA a indagação feita há exatos 35 anos pelo professor Florestan: o que avançamos e em que direção devemos continuar a avançar? Ela é explorada num livro em elaboração, que narra a saga do IEA desde a sua criação, em 1986, por iniciativa do professor José Goldemberg, inspirado no renomado Instituto de Estudos Avançados de Princeton (EUA). E será objeto de um processo de preparação do instituto para continuar avançado e avançando em um mundo e uma universidade em transformação.

Pois continua igualmente na ordem do dia a questão grandemente expandida formulada pelo professor Carlos Guilherme: para que serve a universidade? Essa questão se fará estridente no processo de repensamento estratégico programado pela atual gestão da USP.

Paremos um instante para, mentalmente, ouvir a pergunta sobre a serventia da universidade. Lembrando o dito popular de que “o tom faz a música”, ela pode ser enunciada com diversas entonações: pode expressar curiosidade e interesse do/a perguntante, pode soar “irônica e desafiadora” (conforme soou a pergunta de Florestan nos ouvidos do professor Carlos Guilherme), mas pode expressar incultura e desdém. Infelizmente, este último tom esteve presente em período recente em espaços institucionais nobres, tais como o Ministério da Educação e uma Comissão Parlamentar de Inquérito da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.

Aproveitarei o honroso convite, que muito me alegrou, para ser um dos articulistas da nova sessão de artigos que o Jornal da USP acaba de criar, para mensalmente compartilhar reflexões sobre o valor da universidade e, em particular, para inquirir sobre o papel de seus institutos de estudos avançados. Procurarei elaborar textos com um tom que contribua para encontros e confrontos de ideias com meus “pares” da comunidade acadêmica – professores/as, estudantes, servidores/as técnicos e administrativos. Um tom que, ao mesmo tempo, estimule a conversação com os nossos “ímpares” – os membros de outros segmentos da sociedade.

Um exemplo de tom adequado para instigar essa conversação ampla foi o utilizado por Abraham Flexner, que em 1930 criou o referido Instituto de Estudos Avançados de Princeton. Educador inovador, ele havia se notabilizado pela revolução no ensino e na prática da Medicina decorrente das recomendações do que ficou conhecido como Relatório Flexner, publicado em 1910.

Graças a uma doação generosa, Flexner criou o instituto pioneiro, um modelo inovador cuja diretriz era (e é) a busca do conhecimento pelo conhecimento. Pode parecer que, 20 anos depois, ele estava indo em sentido oposto à sua atuação anterior, onde se preocupara em colocar o conhecimento a serviço do que pode haver de mais prático e imediato – salvar vidas humanas. Nada mais distante da realidade. Um interessante artigo escrito por ele em 1939, ano final da sua gestão no Instituto de Princeton, tem o curioso título A utilidade do conhecimento inútil (no original, The usefulness of useless knowledge).

Espero que os meus textos vindouros sejam úteis para a causa do conhecimento em benefício da humanidade.


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