Doação de detector de ondas gravitacionais paralisa projeto brasileiro

Não há prazo definido para a remontagem do equipamento Mário Schenberg no Inpe

 10/05/2016 - Publicado há 8 anos     Atualizado: 07/10/2020 as 12:55
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Em fevereiro, cientistas do projeto Ligo (sigla em inglês do Observatório de Ondas Gravitacionais por Interferômetro de Laser), nos Estados Unidos, anunciaram a primeira detecção de ondas gravitacionais previstas pelo físico alemão Albert Einstein, em sua célebre teoria da relatividade geral. No mesmo mês, o projeto brasileiro para captação dessas ondas iniciava uma mudança de endereço. O Instituto de Física (IF) da USP doou o equipamento, que leva o nome do físico brasileiro Mário Schenberg (1914-1990), ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Detector de Ondas Gravitacionais do Instituto de Física doado ao INPE - Foto: Marcos Santos/USP Imagens
Detector de ondas gravitacionais do Instituto de Física doado ao Inpe – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Segundo Marcos Nogueira Martins, diretor do IF, o detector Mário Schenberg é resultado de uma colaboração entre o IF e o Inpe. “Estamos doando o equipamento para a instituição que já fazia parte do acordo que deu origem ao equipamento, [o trâmite de doação] passou só pela diretoria e já foi aprovado.” Ele afirma que não há professores do Instituto de Física que trabalhem especificamente na área de detecção de ondas gravitacionais. “O detector opera em temperaturas muito baixas. A parte de criogenia era feita por um docente do instituto, mas ele se aposentou, por isso estamos transferindo ao Inpe, por ser mais prático eles tomarem conta”, informa Martins.

A criogenia é um ramo da físico-química que estuda tecnologias para a produção de temperaturas muito baixas (abaixo de -150 graus Celsius), a partir de gases como nitrogênio, hélio e oxigênio em seus estados liquefeitos. O professor aposentado em questão é Nei Fernandes de Oliveira Junior. O físico conta que a decisão de transferir a antena foi do Departamento de Física dos Materiais e Mecânica, onde se encontra o Laboratório de Estado Sólido e Baixas Temperaturas:

A função do laboratório não era produzir um grupo para estudar ondas gravitacionais. O laboratório dava suporte para o projeto ser possível e fazer a criogenia, já que o departamento tem uma infraestrutura ímpar no Brasil.

A transferência do equipamento começou no final de fevereiro e deve ser finalizada até 20 de maio, mas ainda não há prazo para sua remontagem em São José dos Campos (SP), onde fica a sede do Inpe.

Odylio Aguiar, pesquisador do Inpe e responsável pelo detector de ondas gravitacionais brasileiro Mário Schenberg, disse que ainda não conseguiu a verba necessária para montar o equipamento no novo local. Na remontagem, ele espera aperfeiçoar o detector para melhorar sua sensibilidade e conseguir, como o Ligo, captar o sinal das ondas gravitacionais. Aguiar, além de estar à frente do projeto nacional de detecção de ondas gravitacionais, é um dos sete brasileiros que compõem a equipe do Ligo.

O pesquisador do Inpe concorda que a transferência facilitará os estudos porque os pesquisadores de São José dos Campos estarão próximos ao detector. “Nos 15 anos que Schenberg esteve na USP, tivemos apenas dois alunos de física experimental do Instituto de Física e oito do Inpe, mas estes não podiam morar em São Paulo para trabalhar continuamente no detector, então só faziam visita pontual. Isso fez com que o projeto estivesse mais lento do que gostaríamos.”

Detector de opndas gravitacionais Mario Schenberg - Foto: Marcos Santos/USP Imagens
Equipamento está sendo desmontado e transferido para São José dos Campos – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

O ponto negativo da mudança do detector da USP para o Inpe será a necessidade de montar a estrutura física para o equipamento que, hoje, está pronta no Instituto de Física.

Aguiar e Oliveira Junior disseram que o suporte de criogenia foi um dos fatores que motivaram a doação do detector. “O departamento usou o argumento de que o detector consumia muito hélio para tirá-lo de lá. Mas [a criogenia do IF] está ampliada graças ao Schenberg, tem muito mais balões de recuperação de gás hélio, duas liquefatoras que podem operar, antes só tinha uma”, explica Aguiar.

De acordo com o professor Oliveira Junior, “se livrando da antena, eles [o Departamento de Física dos Materiais e Mecânica] acham que se livraram de um consumidor de hélio, mas isso é errado, porque a antena era um meio de se comprar hélio”.

A diretoria do Instituto de Física não soube informar os gastos com a manutenção do detector de ondas gravitacionais porque a utilização de hélio não era feita de modo contínuo, e sim de acordo com os experimentos feitos pelo grupo de pesquisa de Aguiar. A construção e a operação do detector Mário Schenberg contaram com financiamento da Fapesp de 2000 a 2013. Ao todo, o investimento foi de cerca de 1 milhão de dólares.

Ondas gravitacionais

A importância da detecção das ondas gravitacionais se deve à comprovação da teoria de Einstein e à possibilidade de estudar eventos do Universo antes inacessíveis. O físico previu matematicamente na sua teoria da relatividade geral, em 1916, a existência de radiação produzida pela aceleração de objetos com grandes massas.

Leia mais em: Ondas gravitacionais: só o começo da verdade que está lá fora

Corpos de grande massa, como estrelas de nêutrons, pulsares e buracos negros, geram um emaranhado de ondas gravitacionais - Imagem: Henze/NASA
Corpos de grande massa, como estrelas de nêutrons, pulsares e buracos negros, geram um emaranhado de ondas gravitacionais – Imagem: Henze/Nasa

A onda detectada pelo projeto Ligo, anunciada em fevereiro, foi resultado da interação de dois buracos negros com massas aproximadamente iguais a 29 e 36 vezes a massa do Sol. A aceleração entre os dois corpos produziu ondas gravitacionais que se deslocaram para fora da massa e se propagaram no Universo à velocidade da luz. Esse evento com os buracos negros ocorreu há 1,3 bilhão de anos-luz da Terra (um ano-luz é a distância que a luz percorre em um ano, com a velocidade de 300 mil km/s).

“Essa onda gravitacional praticamente não interage com a matéria, ou seja, passa pelos objetos e provoca deformações muito pequenas, ao contrário da onda eletromagnética”, explica o professor Oliveira Junior. Por não interagir com corpos, as ondas gravitacionais chegam à Terra praticamente na sua forma original, o que pode fornecer informações diretamente de sua fonte de formação: explosões de supernovas e formação de buracos negros, entre outros eventos do Universo.

Aguiar ressalta outra característica das ondas gravitacionais: seu comprimento é grande, muito maior que um quilômetro, mas a amplitude é pequena, menor que o diâmetro de um próton. Isso dificulta a detecção de sua amplitude na Terra e por isso a importância de detectores altamente sensíveis.

Detector Mário Schenberg

Atualmente, o detector de ondas gravitacionais com maior sensibilidade para captar as ondas gravitacionais é o do projeto Ligo, nos Estados Unidos. Mas os pesquisadores do Inpe estão trabalhando para melhorar os sensores (transdutores) do detector Mário Schenberg e diminuir a temperatura de resfriamento do equipamento, a fim de ampliar as possibilidades de detecção das ondas gravitacionais pelo projeto brasileiro.

Os primeiros testes com o Schenberg começaram em 2006. O equipamento é composto de uma esfera maciça de 65 centímetros e 1.150 kg (94% de cobre e 6% de alumínio), resfriada a temperaturas próximas do zero absoluto, e equipado para detectar a vibração produzida pela passagem de ondas gravitacionais. Para isso, a antena possui isolamentos contra ruídos, como oscilações externas e da própria Terra, ondas sonoras e calor.

Queremos aperfeiçoar o Schenberg porque a vantagem do detector esférico é determinar a direção de onde veio a onda gravitacional e o seu formato. Informações que o Ligo não conseguiu captar

A esfera possui nove sensores. “Se a onda gravitacional passar pela esfera, esta será colocada em oscilação; uma vez produzida a oscilação, ela poderá ser percebida por meio de um transdutor muito sensível”, diz Aguiar. Assim, o transdutor é o que permite transformar a oscilação, que é uma força mecânica, em um sinal elétrico para análise em computadores. Os cientistas do Inpe já desenvolveram cinco gerações de transdutores e, nos últimos testes feitos para o resfriamento, em outubro e novembro do ano passado, eles chegaram à temperatura de 268 graus Celsius negativos. A faixa de operação do detector está em 3.150 a 3.250 hertz. Só para comparar, a faixa da onda gravitacional detectada pelo Ligo estava entre 35 e 250 hertz.

Aguiar lembra que, para chegar a essa sensibilidade, o projeto Ligo consumiu quase 1,1 bilhão de dólares, enquanto o Schenberg gastou 1 milhão. “Queremos aperfeiçoar o Schenberg porque a vantagem do detector esférico é determinar a direção de onde veio a onda gravitacional e o seu formato, informações que o Ligo não conseguiu captar.”


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