Nelly Candeias: uma história de inovação e dedicação

Por Marcia Faria Westphal, professora sênior do Departamento de Políticas e Gestão em Saúde da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP

 02/02/2021 - Publicado há 4 anos
Marcia Westphal – Foto: Ascom/FSP-USP
Conheci professora Nelly Martins Ferreira Candeias ainda como aluna do antigo curso de especialização em Saúde Pública. Era uma professora dedicada, mas exigente com aquele grupo que ao final do ano receberiam o diploma de Educadores de Saúde Pública. Inicialmente nosso contato foi mais formal, mas gradativamente foi sendo mais próximo, conforme minha inserção no departamento, que hoje se denomina Departamento de Políticas e Gestão em Saúde.

Logo fui conhecendo melhor suas qualificações e sua história de vida: ela casou-se jovem, originária de tradicional família paulista, e só depois, em 1968, por incentivo de seu marido, o professor José Alberto Neves Candeias – professor e cientista, fez o bacharelado e licenciatura em Ciências Sociais na USP. Com o diploma em mãos, ninguém pôde impedi-la de prosseguir, e desenhar para si um futuro brilhante.

Fez estágio na London School of Economics and Politics, em Londres, sob orientação do professor Otavio Ianni, e fez pós-graduação na School of Public Health, da Universidade da California, Berkeley. Ao regressar ao Brasil, passou a integrar a Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, como docente da disciplina de Educação em Saúde Pública, depois transformada em disciplina de Promoção da Saúde, com a qual compartilhei vários conteúdos e discussão sobre programas.

Sempre inovadora, e inspirada pelo professor Diogo Pupo Nogueira, titular de Saúde Ocupacional, já falecido, criou o Centro de Estudos e Documentação de Educação, Comunicação e Promoção da Saúde no Trabalho (Cedecom). Todas as suas iniciativas envolviam os outros professores do departamento e os faziam visualizar outras realidades e novas formas de contribuir para a resolução dos problemas da nossa sociedade, tais como riscos à saúde dos metalúrgicos e outras questões relacionadas.

Sempre querendo contribuir, a convite da diretoria escreveu a História da Faculdade de Saúde Pública, demonstrando como se sentia feliz por pertencer a uma instituição com estes objetivos, e Memória da USP, concluindo neste último que os aposentados sentiam como se tivessem uma “missão cumprida”.

Uma outra característica importante e que teve repercussão para os outros professores do departamento e principalmente da área de Educação e Promoção da Saúde, foi sua relação com instituições internacionais, americanas e europeias que trabalhavam com promoção da saúde.

Trouxe para a USP, com a finalidade de desenvolver projetos conjuntos, os professores Lawrence W. Green, da Universidade do Texas, e Schenedu Karr, da Universidade da Carolina do Norte. Foi principal investigadora em projetos realizados com a Organização Pan-Americana da Saúde, além de assessora temporária e consultora da Organização Mundial da Saúde, consultora da Unesco, Nações Unidas e presidente da Comissão de Educação para a População, junto ao gabinete do secretario de Saúde do Estado de São Paulo.

Foi a primeira professora investigadora a representar a América Latina no Board of Trustees da Internacional Union for Health Education e ainda por suas relações com a Fundação Kellogg titulou-se como Kellogg Fellow. Desenvolveu também atividades de docência no exterior. Em um momento em que não se falava em internacionalização ela foi pioneira em realizar acordos e projetos com universidades e instituições internacionais, o que repercutiu positivamente em outros docentes da área e inclusive abriu caminhos para formação e inserção internacional de alguns professores da área de Educação e Promoção da Saúde; eu fui uma das beneficiadas por este legado. Ela sempre se referia ao orgulho que tinha do Brasil e ao esforço que sempre fez em divulgar suas potencialidades no exterior.

Ao se aposentar, quando esperava dedicar-se à música e outras atividades com menos responsabilidade, foi convidada para presidir o Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. Como sempre decidida, empreendedora, difundiu os cursos de especialização e extensão da entidade, colaborou na recuperação e restauração do prédio, enfim, revolucionou o instituto.

Desenvolveu intenso programa, elevando a história e os acontecimentos do Estado e da cidade de São Paulo. Abriu espaço para novos pesquisadores, desenvolveu intenso programa nos 15 anos em que esteve à frente da instituição. Em 2017, ao concluir mais um período de presidência, foi considerada presidente de honra.

Ela partiu aos 90 anos. Dificilmente encontraremos uma pessoa com tanta energia e capacidade de abrir novos caminhos para os colegas e para as novas gerações.

Nós, que convivemos com a professora Nelly Martins Ferreira Candeias, que tivemos o privilégio de receber os benefícios de conviver com ela, queremos também homenageá-la pelo legado que deixou para muitos de nós, eu em especial.

Enfim desejamos que ela descanse em paz.


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