Logo fui conhecendo melhor suas qualificações e sua história de vida: ela casou-se jovem, originária de tradicional família paulista, e só depois, em 1968, por incentivo de seu marido, o professor José Alberto Neves Candeias – professor e cientista, fez o bacharelado e licenciatura em Ciências Sociais na USP. Com o diploma em mãos, ninguém pôde impedi-la de prosseguir, e desenhar para si um futuro brilhante.
Fez estágio na London School of Economics and Politics, em Londres, sob orientação do professor Otavio Ianni, e fez pós-graduação na School of Public Health, da Universidade da California, Berkeley. Ao regressar ao Brasil, passou a integrar a Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, como docente da disciplina de Educação em Saúde Pública, depois transformada em disciplina de Promoção da Saúde, com a qual compartilhei vários conteúdos e discussão sobre programas.
Sempre inovadora, e inspirada pelo professor Diogo Pupo Nogueira, titular de Saúde Ocupacional, já falecido, criou o Centro de Estudos e Documentação de Educação, Comunicação e Promoção da Saúde no Trabalho (Cedecom). Todas as suas iniciativas envolviam os outros professores do departamento e os faziam visualizar outras realidades e novas formas de contribuir para a resolução dos problemas da nossa sociedade, tais como riscos à saúde dos metalúrgicos e outras questões relacionadas.
Sempre querendo contribuir, a convite da diretoria escreveu a História da Faculdade de Saúde Pública, demonstrando como se sentia feliz por pertencer a uma instituição com estes objetivos, e Memória da USP, concluindo neste último que os aposentados sentiam como se tivessem uma “missão cumprida”.
Uma outra característica importante e que teve repercussão para os outros professores do departamento e principalmente da área de Educação e Promoção da Saúde, foi sua relação com instituições internacionais, americanas e europeias que trabalhavam com promoção da saúde.
Trouxe para a USP, com a finalidade de desenvolver projetos conjuntos, os professores Lawrence W. Green, da Universidade do Texas, e Schenedu Karr, da Universidade da Carolina do Norte. Foi principal investigadora em projetos realizados com a Organização Pan-Americana da Saúde, além de assessora temporária e consultora da Organização Mundial da Saúde, consultora da Unesco, Nações Unidas e presidente da Comissão de Educação para a População, junto ao gabinete do secretario de Saúde do Estado de São Paulo.
Foi a primeira professora investigadora a representar a América Latina no Board of Trustees da Internacional Union for Health Education e ainda por suas relações com a Fundação Kellogg titulou-se como Kellogg Fellow. Desenvolveu também atividades de docência no exterior. Em um momento em que não se falava em internacionalização ela foi pioneira em realizar acordos e projetos com universidades e instituições internacionais, o que repercutiu positivamente em outros docentes da área e inclusive abriu caminhos para formação e inserção internacional de alguns professores da área de Educação e Promoção da Saúde; eu fui uma das beneficiadas por este legado. Ela sempre se referia ao orgulho que tinha do Brasil e ao esforço que sempre fez em divulgar suas potencialidades no exterior.
Ao se aposentar, quando esperava dedicar-se à música e outras atividades com menos responsabilidade, foi convidada para presidir o Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. Como sempre decidida, empreendedora, difundiu os cursos de especialização e extensão da entidade, colaborou na recuperação e restauração do prédio, enfim, revolucionou o instituto.
Desenvolveu intenso programa, elevando a história e os acontecimentos do Estado e da cidade de São Paulo. Abriu espaço para novos pesquisadores, desenvolveu intenso programa nos 15 anos em que esteve à frente da instituição. Em 2017, ao concluir mais um período de presidência, foi considerada presidente de honra.
Ela partiu aos 90 anos. Dificilmente encontraremos uma pessoa com tanta energia e capacidade de abrir novos caminhos para os colegas e para as novas gerações.
Nós, que convivemos com a professora Nelly Martins Ferreira Candeias, que tivemos o privilégio de receber os benefícios de conviver com ela, queremos também homenageá-la pelo legado que deixou para muitos de nós, eu em especial.
Enfim desejamos que ela descanse em paz.