Pesquisa com participação do Instituto de Biociências (IB) da USP identificou mutações do gene UBE4A em duas crianças com deficiência intelectual e atraso do desenvolvimento. Por meio da avaliação clínica das duas crianças e de outros portadores da mutação em mais três países, foi possível apontar sintomas comuns ou não a todos os pacientes. Junto com o mapeamento genético, essa avaliação permitirá entender a evolução clínica dos pacientes ao longo dos anos e viabilizar possíveis tratamentos.
O trabalho é descrito em artigo publicado na revista científica Genetics in Medicine, do Grupo Nature. “Começamos o projeto com a intenção de entender qual era a causa genética da deficiência intelectual e atraso do desenvolvimento em duas crianças brasileiras, que são irmãs”, afirma o biólogo e geneticista Uirá Melo, primeiro autor do artigo. “Tentamos descobrir qual a variante no DNA que causa determinada doença, para podermos entender melhor como funcionam os genes em pessoas saudáveis e como identificar possíveis tratamentos, baseado nas informações sobre o gene e a mutação, para mitigar os sintomas dos pacientes.”
As crianças foram atendidas por um grupo de neurologistas da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) e amostras de DNA desses pacientes foram submetidas a um exame conhecido como exoma. “O exoma é um teste genético que sequencia todos os 20 mil genes humanos e tenta identificar possíveis variações no código genético para associá-las, ou não, com determinada doença”, relata Melo.
Após ter sido encontrada uma variante genética no gene UBE4A nos pacientes, foi usada uma plataforma digital chamada GeneMatcher. “Ela funciona como uma espécie de Tinder [aplicativo de encontros] para os geneticistas, tentando encontrar outros casos de pacientes com mutações no mesmo gene e com os mesmos sintomas clínicos”, explica o biólogo. “Dessa forma, tivemos um ‘match’ com um grupo da Faculdade de Medicina Pediátrica de Stanford (Estados Unidos) e depois disso começaram outras colaborações. No total, identificamos quatro famílias e oito pessoas com mutações no gene UBE4A, no Brasil, Guatemala, Arábia Saudita e Iraque.”
Mutações
Todos os pacientes do estudo apresentaram mutações bialélicas no gene UBE4A. “Mutação bialélica significa que a pessoa herdou uma mutação do pai e outra da mãe, um alelo de cada genitor, daí vem o nome ‘bialélico’”, aponta Melo. “Pessoas com mutação bialélica nesse gene apresentaram ‘perda de função’ do UBE4A, ou seja, o gene não é transcrito pelo RNA nem expresso em proteínas, portanto, esse gene não tem nenhuma função.” Os pacientes avaliados no estudo, além de apresentarem deficiência intelectual sindrômica e atraso global de desenvolvimento, têm como características clínicas hipotonia (fraqueza muscular), baixa estatura, convulsões (ataques epilépticos) e distúrbios de comportamento (agressividade, hiperatividade, etc.).
“Os sintomas clínicos são observados na maioria dos pacientes, mas não em todos; em alguns casos, as características se tornaram mais aparentes com a idade. Por exemplo, em uma das famílias com pessoas na faixa dos 20 anos, foi observada a presença de catarata, não encontrada nos pacientes mais novos”, diz o biólogo. “Como são pessoas de diferentes ancestralidades e faixas etárias, podemos ter uma visão geral sobre quais são de fato os sintomas presentes em todos os pacientes e a possível progressão da doença, visto que há pessoas de cinco e seis anos com sinais clínicos mais brandos e outras de mais de 20 com sintomas relacionados ao envelhecimento, como a catarata.”
De acordo com Melo, ainda não se sabe muito bem a relação entre ausência de UBE4A e presença de certas características clínicas, por exemplo, a deficiência intelectual. “Recentemente tem se discutido na literatura sobre uma nova classe de doença genética, chamada ubiquitinopatias”, observa. “As ubiquitinas são proteínas importantes para o desenvolvimento e manutenção dos seres humanos, portanto, mutações em outros genes ligados à produção de ubiquitinas podem causar também deficiência intelectual.”
Um exemplo de ubiquitinopatias foi descrito por pesquisadores da USP em 2006, quando mutações no gene UBE2A foram associadas a deficiência intelectual em trabalho liderado pela professora Angela Morgante, do IB. “Mais estudos são necessários para entender de fato a conexão das ubiquitinopatias com deficiência intelectual”, diz o biólogo. “Infelizmente, ainda não temos tratamento para ubiquitinopatias, como para a maioria das doenças genéticas, porém, o primeiro passo em relação à síndrome do UBE4A foi dado, ou seja, mapear o gene associado a essa doença e tentar entender melhor a progressão da mesma em diferentes indivíduos de diferentes populações.”
Os resultados da pesquisa são descritos no artigo “Biallelic UBE4A loss-of-function variants cause intellectualdisability and global developmental delay”, publicado na revista científica Genetics in Medicine, do grupo Nature. Fizeram parte do estudo pesquisadores do IB e do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, Universidade de Stanford e Universidade da California-Davis (EUA),Universidade Técnica de Dresden (Alemanha) e Universidade de Alfaisal (Arábia Saudita).
Mais informações: e-mail uira@usp.br, com Uirá Melo