Marcelo Denny: quando a arte e a academia se encontram

Por Ferdinando Martins, professor da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP

 03/09/2020 - Publicado há 4 anos
Ferdinando Martins – Foto: Arquivo pessoal

 

Morreu na última segunda-feira, dia 31 de agosto, Marcelo Denny, professor do Departamento de Artes Cênicas (CAC) da ECA-USP há 18 anos. Diretor teatral, cenógrafo, professor, artista plástico, performer, pesquisador, curador e diretor de arte, Denny destacou-se por conciliar sua produção artística com o trabalho acadêmico. Seus maiores interesses de pesquisa eram o corpo e as visualidades contemporâneas, navegando entre o teatro experimental, a performance e as artes visuais. Como cenógrafo e diretor de arte, criava silhuetas corporais que expressassem as angústias e os impasses de nosso tempo.

Junto com o coletivo Teatro da Pomba Gira e o Laboratório de Práticas Performativas da USP, Denny desenvolveu nos últimos anos os espetáculos Anatomia do Fauno, Demônios e Sombras, todos experimentos híbridos de performance, teatro visual e dança. Anatomia do Fauno e Demônios foram construídos a partir de vivências pessoais dos artistas do grupo no universo homoerótico. Sombras tratava da censura e da perseguição a escritos homossexuais e integrou a programação do projeto A biblioteca à noite, do diretor de teatro canadense Robert Lepage, apresentada no Sesc Avenida Paulista.

Com o Desvio Coletivo, outro grupo com o qual contribuiu intensamente, dividiu a direção do espetáculo Pulsão e das performances Cegos e Matrimônios com Marcos Bulhões, seu amigo de longa data e também professor no CAC e no Laboratório de Práticas Performativas. Cegos foi realizada em dezenas de países e escolhida para representar o Brasil na quadrienal de cenografia World Stage Design, em Taiwan (2017). No ano passado, Denny e Bulhões apresentaram em Nova York Banho de Descarrego, performance que refletia criticamente sobre o avanço de movimentos autoritários e conservadores.

Em 2019, esteve como pesquisador visitante no Instituto Hemisférico de Performance e Política, da Universidade de Nova York, onde desenvolveu parte de sua pesquisa de pós-doutorado Arquiteturas do Corpo: novas percepções, processos compartilhados e potências na performance contemporânea, realizada na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Denny foi também o responsável pela cenografia dos dois últimos espetáculos da Companhia de Teatro Heliópolis, Sutil Violento e (In)justiça, nos quais buscou uma tradução visual para a violência e exclusão de moradores das periferias das grandes cidades brasileiras. Como autor, publicou os livros Gênero Expandido-Performance e Contrassexualidades e Cenografia Digital na cena contemporânea (ambos pela Editora Annablume). No momento, estava concluindo a redação de um novo livro sobre arquiteturas do corpo e iniciava a pesquisa para um novo trabalho cênico fruto de reflexões sobre ressonâncias da pandemia de covid-19.

Denny deixa um legado e muito admiradores, especialmente de gerações mais jovens. Como poucos, manteve-se atento às mudanças na contemporaneidade e soube transmiti-la para alunos e artistas iniciantes. Expressou o que há de melhor na Universidade: a busca pelo conhecimento aliada a uma ética pessoal e a vontade de ensinar.

Texto publicado originalmente no site da Escola de Comunicações a Artes.


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