Pandemia da covid-19 e o teste da resiliência organizacional

Por Marcelo Caldeira Pedroso, professor livre-docente da FEA/USP

 19/05/2020 - Publicado há 4 anos
Marcelo Caldeira Pedroso – Foto: FEA/USP
O termo “resiliência” é oriundo do latim (resiliens) e significa voltar ao estado normal, particularmente após alguma situação extraordinária e crítica. Uma conhecida frase, exposta na Academia de Ciências da Califórnia, contextualiza esse termo: “Não é o mais forte que sobrevive, nem o mais inteligente, mas o que melhor se adapta às mudanças”.

Essa frase, por vezes atribuída a Charles Darwin, ilustra o pensamento evolucionista, no qual as mudanças biológicas ocorrem de modo a possibilitar a adaptação de determinada espécie de seres vivos ao meio ambiente, visando a sua perpetuação.

Além da ecologia, o termo “resiliência” tem sido utilizado em outras áreas tais como física, psicologia e administração. Neste último campo, consideramos resiliência como a habilidade de uma organização em reagir, absorver os impactos e se adaptar às turbulências no seu ecossistema. Em um contexto mais operacional, a resiliência pode ser entendida como a habilidade de uma organização se recuperar rapidamente de infortúnios ou turbulências ambientais[1]. Em um nível mais estratégico, a resiliência pode representar a habilidade da empresa em alterar suas estratégias de maneira dinâmica ou até mesmo reinventar seu modelo de negócio visando a uma adaptação ao seu ecossistema[2].

As turbulências, por sua vez, estão associadas a situações críticas e incontroláveis. Uma situação é crítica quando pode afetar sobremaneira as operações atuais de uma organização, bem como comprometer seu futuro. Uma situação incontrolável, como o próprio nome diz, é aquela sob a qual a organização não tem controle. Uma situação incontrolável pode ser imprevisível (ex.: atentado de 11 de setembro de 2001, nos EUA) ou previsível (ex.: a própria covid-19, que foi identificada pela primeira vez em Wuhan, na China, em dezembro de 2019 e que presumidamente poderia se transformar em uma pandemia – o que acabou ocorrendo poucos meses depois).

Não há dúvidas de que a pandemia da covid-19 é uma situação crítica para grande parte das empresas. A depender da inserção de uma organização no seu ecossistema, a pandemia pode se materializar numa situação de crise ou até mesmo colocar em risco a sua própria sobrevivência. Por exemplo, estudos sobre os impactos decorrentes da pandemia de gripe de 1918 (que ocorreu no período de 1918-1920 e ficou conhecida como gripe espanhola) apontam que as áreas geográficas expostas à pandemia experimentaram um declínio acentuado e persistente da atividade econômica[3].

Nesse contexto, trazemos uma reflexão: como uma organização pode avaliar sua capacidade de resiliência frente à pandemia da covid-19?

Caminhos para a resiliência

Este artigo aborda a resiliência organizacional como uma evolução de três competências organizacionais, com efeito cumulativo: 1) capacidade reativa; 2) capacidade absortiva; e 3) capacidade adaptativa. Ademais, considera que a resiliência pode proporcionar um melhor desempenho comparativamente com empresas menos resilientes, em linha com outros pesquisadores[4]. Esse melhor desempenho pode ser mensurado por meio de resultados econômico-financeiros ao longo do tempo e taxa de sobrevivência de empresas. A figura abaixo ilustra esse conceito:

Foto: Divulgação

Capacidade reativa

A capacidade reativa pode ser entendida como a habilidade da organização: 1) captar os sinais fracos e fortes do seu ecossistema; e 2) interpretar e reagir a esses sinais.

Podemos afirmar que a maioria das empresas apresenta competências relativamente estabelecidas para captar os sinais do seu ecossistema. Esse processo de captação dos sinais é facilitado por elementos tais como acesso a tecnologias de comunicação, globalização, mídias eletrônicas e redes sociais. Por exemplo, os sinais de que poderia haver primeiro uma epidemia de covid-19 e depois uma pandemia com consequências importantes foram intensificados e facilmente verificados a partir da disseminação rápida dos indivíduos contaminados em diferentes países e da percepção de letalidade da doença.

No entanto, a capacidade de interpretar os sinais e de reagir apresenta variações importantes dentre as organizações. Por exemplo, empresas de maior porte geralmente apresentam reações mais lentas. Para tanto, algumas destas adotam comitês de gestão de crises como uma forma de torná-las mais ágeis para lidar com uma crise. Por outro lado, startups (empresas nascentes inovadoras) naturalmente apresentam elevada capacidade de reação. Isso faz parte do seu contexto; caso contrário, dificilmente sobrevivem. Nesses exemplos, grandes empresas geralmente dependem de suas lideranças e outros estímulos gerenciais para reagir com certa celeridade, enquanto que, em startups, a capacidade reativa está naturalmente presente em seus DNAs.

Capacidade absortiva

A capacidade absortiva consiste na habilidade da organização em absorver as variabilidades ou consequências causadas por uma situação crítica.

Aumentar a flexibilidade e adotar instrumentos de redundâncias são algumas das estratégias para as empresas aumentarem sua capacidade absortiva[5]. Empresas flexíveis apresentam maior rapidez e amplitude de resposta frente a situações inusitadas. Ademais, as organizações podem utilizar redundâncias, tais como folgas ou excedentes (ex.: reservas financeiras, estoques estratégicos) como elementos de sua capacidade absortiva. Tais excedentes devem ser utilizados com parcimônia, sob o risco de gerar ineficiências, particularmente em ambientes com maior estabilidade. Por outro lado, essas folgas podem assumir um papel preponderante para proteger a empresa do dinamismo do seu ecossistema[6].

As MPEs (micros e pequenas empresas), por exemplo, em geral apresentam menores excedentes (como os financeiros) comparativamente a grandes organizações. Nesse sentido, geralmente adotam menos redundâncias e, com isso, apresentam menor capacidade absortiva. Assim, podem estar mais vulneráveis às situações de crise.

Capacidade adaptativa

A capacidade adaptativa consiste na habilidade da organização em se adaptar às turbulências no seu ecossistema.

Mudar a cultura corporativa[7], adotar sistemas de gestão adequados e desenvolver suas práticas de gestão do conhecimento e da inovação são algumas das estratégias que podem ser adotadas por uma organização para aumentar sua capacidade adaptativa.

No âmbito do estudo do modelo de negócio, a capacidade adaptativa está principalmente associada a um equilíbrio adequado entre o modelo de gestão (que contempla a seguinte questão: como gerenciar?) e o modelo de inovação (que aborda a seguinte questão: como mudar?). Outrossim, grande parte da capacidade adaptativa de uma organização está predominantemente relacionada aos seus ativos intangíveis, tais como capital intelectual, capital de gestão e capital de inovação. Exemplos de empresas com capacidade adaptativa remetem àquelas que compreendem os ativos intangíveis e procuram desenvolvê-los.

Teste da resiliência organizacional

A crise deflagrada pela pandemia da covid-19 coloca à prova a resiliência de grande parte das empresas. Este artigo sugere que uma organização avalie sua resiliência organizacional segundo três competências cumulativas: capacidade reativa, capacidade absortiva e capacidade adaptativa. Espero que o resultado para esses três testes seja positivo na empresa em que você atua. Certamente as organizações com elevada resiliência organizacional estarão presentes e tenderão a prosperar no período que tem sido chamado de “novo normal”[8]; nesse caso, em como será o mundo após a pandemia.

 

[1] L. Valikangas & G. Romme, “How to design for strategic resilience: a case study in retailing”, in Journal of Organization Design, 2(2), 2013, pp. 44-53.

[2] G. Hamel & L. Valikangas, “The quest for resilience”, in Harvard Business Review, 81(9), 2004, pp. 52-63.

[3] S. Correia, S. Luck & E. Verner, Pandemics depress the economy, public health interventions do not: evidence from the 1918 Flu, working paper, March 30, 2020.

[4] L. Valikangas & G. Romme, op. cit.

[5] Y. Sheffi, The resilient enterprise: Overcoming vulnerability for competitive advantage, Cambridge, MIT Press, 2015.

[6] S.W. Bradley, D.A. Shepherd & J. Wiklund, “The importance of slack for new organizations facing ‘tough’ environments”, in Journal of Management Studies, 48(5), 2011, pp. 1.071-97.

[7] Y. Sheffi, op. cit.

[8] S. Funtowicz & J. Ravetz, “Science for the post-normal age”, in Futures, 31(7), 1993, pp. 735-55.

 


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