Aumento do turismo nos locais mais procurados do mundo desafia a infraestrutura das cidades

Cerca de 80% dos viajantes se amontoam em apenas 10% dos destinos turísticos do mundo, sobrecarregando os sistemas públicos das cidades mais badaladas do mundo e gerando problemas para as populações locais

 Publicado: 20/09/2024 às 12:07
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chapéu do ciência e turismo

Imagem no interior de um aeroporto, onde inúmeros viajantes, com suas respectivas malas, esperam sua vez de embarcar
Segundo a ONU, o número global de turistas dobrou em 15 anos: chegou a 1,3 bilhão por ano e pode passar de 2 bilhões em 2030 – Foto: Hoyasmeg/Flickr/CC BY 2.0
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Vão-se as visitas e ficam as traças: os residentes de cidades como Barcelona, Veneza e Paris não estão satisfeitos com o número de turistas que suas cidades vêm recebendo e muito menos com os rastros deixados por eles. Os destinos mais badalados do mundo sofrem com o fenômeno do overtoursim, que desafia as estruturas das cidades ao inundar esses locais com milhões de visitantes ao ano. Na balança dos prós e contras, o aumento nos aluguéis e valores de imóveis, o trânsito abarrotado e a sujeira nos espaços públicos parecem estar pesando mais do que geração de renda e empregos no setor, fazendo com que a população tenda a repudiar a presença dos turistas.

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Em Barcelona, moradores e suas pistolas d’água ganharam as manchetes do mundo ao dispararem contra viajantes dentro de restaurantes nas localidades famosas da cidade. Os manifestantes traziam consigo cartazes com dizeres como Barcelona Não Está à Venda e Turistas Vão Para Casa. Paris, que sofre com a questão há décadas, recebe cerca de 30 milhões de visitantes por ano, mais do que o número de pessoas que viajam ao Brasil inteiro, que ronda a casa dos 6 milhões anuais. Os parisienses se queixam há anos da relação do local com o turismo, que se sobrepõe às necessidades dos cidadãos.   

O excesso de turistas também desassossegou os moradores da “sereníssima” Veneza. Todos os anos, aproximadamente 20 milhões de pessoas passeiam pelos canais que cortam a cidade. A perturbação gerou uma evasão generalizada dos residentes, metade dos habitantes fixos optou por deixar suas casas nos últimos 30 anos. Seja pela inflação da comida e dos aluguéis ou pelo aborrecimento gerado pelas milhões de pessoas que mantêm o local e seus serviços públicos sobrecarregados durante o ano inteiro, a estimativa é que, em média, dois venezianos deixem a cidade por dia. A preocupação não fica só com os residentes, especialistas da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) avaliam adicionar a cidade na lista de patrimônios mundiais que estão em perigo, pois o município estaria sob o risco dos “impactos das mudanças climáticas e do turismo em massa”, que “ameaçam causar alterações irreversíveis na região”.

Renan Augusto Moraes Conceição – Foto: Currículo Lattes

Concentração no turismo

Para além dos destinos tradicionais, o cenário vem atingindo novas localidades. Segundo a ONU, o número global de turistas dobrou em 15 anos: chegou a 1,3 bilhão por ano e pode passar de 2 bilhões em 2030. Renan Augusto Moraes Conceição, pesquisador em Turismo pela Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP, afirma que a retomada das atividades turísticas pós-pandemia foi muito superior à estipulada anteriormente. “As expectativas de retomada do turismo internacional, estimadas pela Organização Mundial do Turismo, apontavam que os níveis pré-pandemia seriam atingidos somente de 2025 em diante. A realidade é que, já em 2023, as cidades que sofriam com o excesso de turistas voltaram a enfrentar o problema, mas a novidade é que outros locais passaram a lidar com a situação. Veneza, Barcelona, Amsterdã, que historicamente recebem mais pessoas do que as cidades conseguiam absorver, passaram a ter a companhia de Bali, na Indonésia, Quioto e Tóquio, no Japão.” 

O que determina o problema, no entanto, não é somente o crescimento agudo dos turistas, mas sim a concentração de uma grande massa de pessoas em alguns poucos destinos. Uma startup francesa, a Murmuration, que monitora o impacto ambiental do turismo usando dados de satélite, observa que 80% dos viajantes se amontoam em apenas 10% dos destinos turísticos do mundo, o que significa grandes multidões em pequenos lugares, demandando muito mais do que o esperado da capacidade estrutural dessas localidades. As instituições governamentais dos novos destinos já começam a tomar medidas para proteger suas cidades. Em Fujikawaguchiko, localizado no Japão, foi instalada uma malha de ferro que impede a vista do Monte Fuji, uma medida para desencorajar a chegada dos admiradores estrangeiros. Em Kyoto, também no Japão, foi proibida a circulação de visitantes em bairros tradicionais da cidade. “Veneza, por sua vez, anunciou o aumento da taxa de visitação sem pernoite na cidade de 5 para 10 euros. E, mais recentemente, na Catalunha, região da Espanha onde ficam cidades como Barcelona e Palma de Maiorca, ocorreram manifestações sobre a exploração do turismo, contra empresários, operadoras de turismo e especuladores imobiliários, que são os verdadeiros beneficiados com a visitação massiva”, complementa. 

Os manifestantes afirmam ter razões definidas pelas quais estão insatisfeitos com a situação. “Para explicar melhor e rebater as críticas aos movimentos manifestantes, principalmente à forma de protesto, com as pistolas de água, a Alba Sud, grupo de pesquisa em turismo sediado em Barcelona, lançou um editorial detalhando alguns dos motivos pelos quais os manifestantes estavam indo às ruas, como a gentrificação total das cidades, a perda de traços culturais frente a uma cultura massificada e globalizada, a exploração e a precarização do trabalho promovidas por parte das empresas do turismo”, finaliza Renan. 

*Sob supervisão de Cinderela Caldeira e Paulo Capuzzo


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