Em 2016, o Brasil participa dos jogos olímpicos figurando em todas as 42 modalidades da competição internacional. Por ser a sede da Olimpíada, pela primeira vez, o País terá a chance de disputar medalhas em esportes em que tem pouca ou nenhuma tradição. Contudo, pela previsão do próprio Comitê Olímpico Brasileiro (COB), não é esperado dos atletas locais um número que supere as grandes nações recordistas de pódio.
Parte das expectativas moderadas advém do fato de que a estrutura e o conjunto de políticas públicas que dão suporte aos atletas brasileiros estão abaixo das de diversos outros países. Lançado este ano, o ebook Análise das políticas e do clima/ambiente para o esporte de alto rendimento nos diferentes níveis de organização governamental e não governamental brasileiros expõe um panorama das políticas para o esporte de alto rendimento em nove Estados brasileiros, nove capitais e no Distrito Federal, contemplando as cinco regiões do País.
Entre as diversas conclusões da pesquisa que deu origem ao livro está a constatação de que faltam no País, de uma maneira generalizada, dados sobre políticas públicas e orçamento, e isso tem um nítido reflexo na área dos esportes. Além disso, é consenso que o papel das escolas deve ser repensado, e que não pode haver a falta de continuidade que se percebe após os picos de investimento público no esporte, como acontece próximo aos grandes eventos.
Conduzido entre 2014 e 2016 por membros do Laboratório de Treinamento e Esporte para Crianças e Adolescentes (Lateca) da EEFE, com coordenação da professora Maria Tereza Silveira Bohme e financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), o trabalho se originou a partir de uma pesquisa ainda maior, de abrangência internacional, iniciada em 2009.
Nove pilares
“Fomos contatados pelo consórcio SPLISS (Sports Policies Factors Leading to International Sport Success) que nos convidou para representar o Brasil em um grande projeto de pesquisa internacional sobre políticas para o esporte de alto rendimento”, relembra a professora Tereza. O objetivo principal do projeto era comparar as diferentes políticas de incentivo aos atletas nos países membros do grupo — entre eles, Bélgica, Reino Unido, Holanda e Austrália —, além de entrevistar pesquisadores, dirigentes e os próprios esportistas por meio de uma metodologia própria.
Desenvolvido pela professora Veerle De Bosscher, da Vrije Universiteit Brussel, na Bélgica, e coordenadora do consórcio SPLISS, o modelo de análise propôs nove pilares que determinariam a eficiência das políticas para o esporte: 1 – suporte financeiro; 2 – organização e estrutura de políticas para o esporte; 3 – participação e esporte de base; 4 – identificação de talentos e sistema de desenvolvimento, 5 – suporte para atletas e pós-carreira; 6 – instalações esportivas; 7 – desenvolvimento e suporte para técnicos; 8 – competições nacionais e internacionais e 9 – pesquisa científica. Cada um dos pilares foi composto dos chamados Fatores Críticos de Sucesso (FCS), que são pontuados recebendo um escore para avaliar seu desempenho.
Para os pesquisadores do Lateca, o trabalho se concentrou em duas frentes: políticas para esporte de alto rendimento e clima para o esporte de alto rendimento. Sem financiamento externo para a primeira parte do projeto, os especialistas dependeram exclusivamente da estrutura do laboratório e de sua equipe. “São 16 pessoas que trabalham juntas há mais de dez anos”, revela Tereza.
Conforme a professora, uma das grandes dificuldades no decorrer da pesquisa foi justamente obter acesso a informação por meio de fontes oficiais. “Utilizamos o portal de transparência e acessamos sites oficiais, mas notamos uma deficiência na área”, aponta. Para ela, a carência de dados sobre políticas públicas e orçamento é geral e tem um nítido reflexo na área dos esportes. “A Lei de Transparência estava sendo efetivada entre 2010 e 2011, e alguns dos entrevistados não tinham condição de validar informações por falta de conhecimento”, explica ela.
Apesar das dificuldades, a pesquisa inicial foi finalizada no final de 2013 e apresentada em um simpósio na Antuérpia, na Bélgica. Em 2015, foi lançado um livro com todas as comparações e resultados.
Etapa nacional
Em junho de 2013, os membros do Lateca trouxeram quatro professores do consórcio para a realização de um simpósio na EEFE, divulgando os resultados brasileiros e debatendo comparações. Na ocasião, membros do Ministério do Esporte e dos comitês olímpico e paralímpico brasileiro participaram dando sua visão sobre a prática na área dos esportes de alto rendimento.
No final daquele ano, após serem aprovados por um edital lançado pelo CNPq, o grupo iniciou uma nova fase da pesquisa, cujos principais focos eram investigar como acontecia a iniciação esportiva e qual o papel da escola durante essa fase.
A pesquisa envolveu levantamentos bibliográficos, entrevistas com gestores de secretarias municipais e estaduais de Esporte e de Educação e aplicação de questionários a atletas, técnicos e gestores da área.
Subdividido em dois temas, o trabalho enfatizou a educação física, o esporte escolar, o desenvolvimento de talentos e o desenvolvimento da carreira do atleta. O primeiro tema focou na efetividade das políticas de esporte nas diferentes regiões brasileiras. Já segundo buscou analisar o clima/ambiente geral para o esporte de alto rendimento na visão dos profissionais da área, como atletas, gestores e técnicos esportivos.
Entraram na amostra os seguintes Estados e suas respectivas capitais, além do Distrito Federal: São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Bahia, Pernambuco e Amazonas.
“O que percebemos é que a comunicação entre as esferas públicas é praticamente inexistente”, revela Tereza. “Nas diferentes instâncias, os poderes têm grande autonomia, mas não conversam entre si” reforça.
O futuro está nas escolas
Com relação ao papel dos Estados e dos municípios, os especialistas atestaram que as regiões de maior investimento em atletas ainda são a Sul e a Sudeste. Para Tereza, “São Paulo é um dos Estados que têm trabalhos mais específicos voltados para políticas do desenvolvimento do esporte”. Citando projetos como o programa Centro de Excelência Esportiva e o Centro Olímpico de Treinamento e Pesquisa, em atividade desde os anos 1970, São Paulo permanece uma das regiões mais ativas e interessadas em formar atletas.
Um dos diagnósticos da pesquisa foi comprovar que, em especial no nível municipal, muito pouco é feito em prol do esporte de rendimento. “Falta para nós uma definição de competências. O que compete ao nível federal, estadual e municipal”, salienta a professora. “Tivemos um pico de investimentos em 2007 – por causa dos Jogos Panamericanos -, mas a aplicabilidade dos outros pilares ficou a desejar”, analisa. A falta de continuidade nas políticas públicas foi o fenômeno mais comum observado durante os anos de estudo.
Além disso, Tereza entende que as escolas precisam refletir sobre sua atuação. “Nos anos 1960 e 1970, as escolas tinham papel muito importante. Dos anos 1980 pra cá, houve uma mudança”, afirma. “Paramos de trabalhar com o esporte na escola, a criança parou de ter uma vivência das modalidades esportivas”, conclui ela, indicando que uma das possíveis soluções para a melhoria do desempenho esportivo dos brasileiros esteja justamente dentro das escolas.
Desenvolvido em 2014 e 2015, o projeto foi finalizado em janeiro de 2016. Um novo simpósio foi organizado para divulgar os resultados da pesquisa, contando com a presença da professora De Bosscher e rendendo a primeira dupla titulação de doutorado da EEFE para Leandro Carlos Mazzei pelo trabalho Judô de alto rendimento: determinantes organizacionais para o sucesso esportivo internacional.
Além do ebook lançado em janeiro, no final de junho um novo trabalho foi publicado pelo grupo, focando em resultados do Brasil no nível nacional. O livro Esporte de Alto Rendimento: Fatores Críticos de Sucesso, Gestão e Identificação de Talentos foi lançado pela Editora Phorte e pode ser encontrado neste link.
Mais informações: site http://www.eefe.usp.br/lateca/sipear2016, email terbohme@usp.br, com a professora Maria Tereza Silveira Bohme