Capivaras na Raia Olímpica da USP, no campus da capital - Foto: Julio Cesar Bazanini/USP Imagens

USP promove ambiente seguro nos campi com o controle de carrapatos que transmitem a febre maculosa

Com extensa área verde e presença de animais silvestres nos campi, Universidade desenvolve protocolos, monitoramentos, treinamentos e campanhas para evitar a proliferação da doença

 26/06/2023 - Publicado há 1 ano     Atualizado: 11/09/2023 as 16:23

Quem frequenta os campi da USP, conhecidos por suas extensas áreas verdes e uma rica variedade de fauna e flora, e já viu alguma capivara circulando em áreas da Universidade, deve ter se perguntado recentemente se algo tem sido feito pela gestão universitária para combater o carrapato que transmite a febre maculosa. 

O assunto ganhou destaque com a ocorrência de um surto da doença na região Sudeste de São Paulo, no início do mês de junho, que resultou em quatro mortes. As capivaras ficaram no centro deste debate porque são as hospedeiras mais comuns do carrapato-estrela, que é transmissor da febre maculosa causada pela bactéria rickettsia rickettsii.

Funcionária da Universidade, Cláudia Costa leva semanalmente os dois filhos, de 9 e 13 anos, para praticar remo na Raia Olímpica da USP, no campus da capital, atividade promovida por uma Organização Não Governamental (ONG). “Nós vemos que circulam ali nas margens da Raia Olímpica algumas capivaras, mas como ouvi falar que elas são monitoradas pelos serviços de saúde não fiquei preocupada”, disse ela, destacando que as últimas notícias sobre casos de febre maculosa no Estado levantaram a dúvida sobre a existência de algum tipo de controle dos animais que existem local.

Para tranquilizar os frequentadores do campus e a comunidade universitária, principalmente aqueles que praticam esporte na área da raia, o coordenador do Centro de Práticas Esportivas da USP (Cepeusp) José Carlos Simon Farah, em conjunto com o superintende de saúde da USP, Paulo Andrade Lotufo, publicaram uma carta no dia 20 de junho em seus canais de comunicação (confira abaixo), explicando o que tem sido feito com relação ao controle da doença naquele local. A Prefeitura do Campus USP da Capital também divulgou, no dia 19 de junho, uma nota técnica para explicar quais procedimentos têm sido praticados para prevenir a proliferação do carrapato-estrela.

Desde 2014, com a entrada das capivaras na área da Raia Olímpica, vindas do Rio Pinheiros, a prefeitura do campus monitora a área e estabeleceu um termo de cooperação com o Cepeusp e a Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) para fomentar pesquisas, com autorização da Secretaria do Meio Ambiente (SMA), para diagnóstico da população e controle reprodutivo das capivaras por meio de vacina imuno contraceptiva e cirurgia de esterilização.

Os dados de pesquisa relacionados à presença de carrapatos e da bactéria rickettsia rickettsii, causadora da febre maculosa, mostraram que a Raia Olímpica é uma “área de baixo risco de ocorrência para febre maculosa brasileira”, devido ao confinamento das capivaras e sua baixa taxa de crescimento populacional, conforme consta em um laudo técnico

Capivaras da Raia Olímpica da USP, no bairro do Butantã, em São Paulo, são monitoradas e passam por controle reprodutivo - Foto: Vanessa Medeiros

Confira a nota veiculada pela Superintendência de Saúde e pelo Centro de Práticas Esportivas da USP, sobre os cuidados realizados no campus da capital:

A Universidade de São Paulo, por meio do Centro de Práticas Esportivas da Universidade de São Paulo (Cepeusp) e da Superintendência de Saúde informa que a Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) com o apoio da Prefeitura do campus e do Cepeusp acompanha há anos, periodicamente, as capivaras instaladas no campus com duas ações de interesse. 

A primeira é o controle nas capivaras de carrapatos e de infecção por riquétsias. A segunda tem sido o controle populacional por esterilização. O resultado mais recente mostra que o carrapato-estrela associado à transmissão da rickettsia rickttesii, causadora da febre maculosa, não foi encontrado nos mamíferos do campus, que se encontram na Raia Olímpica.

Além do controle epidemiológico qualificado da FMVZ, o Cepeusp sempre adotou medidas de controle com corte constante da grama na Raia Olímpica e a orientação para uso de calçados em todos os momentos, ações essas, recomendadas pela Coordenadoria de Controle de Doenças (CCD) da Secretaria de Estado da Saúde que também monitora a população de carrapatos.

Por essa razão, manifestamos que há risco mínimo de infecção por riquétsias no campus da USP do Butantã. No entanto, todo e qualquer membro da Universidade com sintomas febris e tenham visitado áreas rurais no estado de São Paulo devem procurar os serviços médicos de urgência.

São Paulo, 20 de junho de 2023

Paulo Andrade Lotufo, Superintendência de Saúde / José Carlos Simon Farah, Centro de Práticas Esportivas da USP

Referência no combate ao carrapato-estrela

Em Piracicaba, o campus Luiz de Queiroz se tornou referência no combate ao carrapato-estrela depois que o campus teve um óbito pela doença, há 20 anos, na área da fazenda experimental do Areão. 

Marcado pela presença da fauna silvestre, o campus que abriga 3.825,4 hectares e representa 49% da área total da USP, tem mais de 20 espécies de animais, entre eles a capivara, o sagui, a onça-parda, o cachorro-do-mato, o gambá, o teiú e uma variedade de aves. Ao mesmo tempo, circula diariamente um público de cerca de 5 mil pessoas, entre estudantes e funcionários da Universidade, além da comunidade local e da região que visitam o campus como opção de lazer e turismo.

Esse cenário foi um desafio para o engenheiro agrônomo e entomólogo Carlos Alberto Perez, especialista em ecossistemas florestais e manejo de carrapatos. Ele atua no campus desde 2003, quando fez o doutorado na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), realizou o mapeamento da infestação na região e desenvolveu metodologias com base agronômica para controle do carrapato-estrela. “Hoje o campus está completamente mapeado, com áreas de tolerância zero, como a área de equoterapia, que é frequentada por crianças, e o gramado na frente do prédio principal, que recebe o público aos finais de semana”, destaca Perez.

Ele explica que há uma comissão que dá suporte a todas as ações preventivas e uma equipe engajada no controle e monitoramento que divulga um boletim mensal com informações para os usuários do campus. 

O engenheiro agrônomo e entomólogo Carlos Alberto Perez - Foto: Reprodução / Linkedin

O engenheiro agrônomo e entomólogo Carlos Alberto Perez - Foto: Reprodução / Linkedin

“Todo o início de ano temos também uma palestra para os calouros da Esalq para falar do carrapato e das medidas que devem ser tomadas, informando também os sintomas da doença”, diz. O público que visita o campus também é alvo de uma campanha de esclarecimento sobre a febre maculosa, que ocorre nos finais de semana do mês de julho, quando há muitas visitas ao local.

Campanha de férias esclarece o público sobre o carrapato-estrela no campus de Piracicaba - Foto: Divulgação/Esalq

Perez também destaca os treinamentos de equipes que precisam frequentar as áreas vulneráveis do campus, como os trabalhadores da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) ou pesquisadores e estagiários, e, nesse caso, são fornecidos Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) que garantem a segurança dos frequentadores nesses locais. Professores das escolas públicas da região também recebem treinamento da equipe da Esalq e, recentemente, o Ministério Público da cidade convocou o grupo para entender como lidar com a prevenção à febre maculosa diante de novos casos no interior de São Paulo.

Protocolos de prevenção

Organizada pelo professor Carlos Alberto Perez, juntamente de outros autores, a cartilha Protocolo de Priorização de Áreas para Prevenir a Ocorrência da Febre Maculosa Brasileira oferece conteúdo de referência que pode ser colocado em prática tanto por órgãos públicos como privados. A publicação é da Editora Fealq e está disponível gratuitamente neste link.

“Nosso objetivo é propor um protocolo para organizar a definição das áreas prioritárias para aplicação de medidas preventivas de controle, a partir de critérios científicos, metodologia de fácil utilização e dentro de um contexto de recursos financeiros escassos”, afirma Perez, que é membro da Comissão Permanente de Prevenção e Controle da Febre Maculosa da Esalq.

O documento foi elaborado com base em estudo-piloto desenvolvido de 2018 a 2021 como parte do Programa Aprender na Comunidade, de iniciativa da Pró-Reitoria de Graduação da USP. Participaram da condução do estudo profissionais e alunos da Esalq e da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP, além da Prefeitura Municipal de Piracicaba, por meio da Secretaria de Defesa do Meio Ambiente (Sedema), com a colaboração do Centro de Controle de Zoonoses do município.

Também autor da cartilha e membro da Comissão, o professor Gilberto José de Moraes destaca a atuação da universidade. “A Esalq, com o apoio da Fealq, tem empenhado esforços significativos no sentido de evitar a ocorrência da febre maculosa em seu campus há anos, fomentando ações conjuntas de pesquisa/extensão e se colocando mais próxima da sociedade em seu entorno”, ressalta.

Segundo ele, o ineditismo do protocolo se deve principalmente às particularidades da ocorrência da doença no interior de São Paulo. “Em regiões onde gambás e capivaras são frequentemente encontrados, as medidas recomendadas no manual têm amparo legal na Resolução Conjunta entre as Secretarias de Estado do Meio Ambiente (SMA) e da Saúde (SES) para o estabelecimento de diretrizes voltadas ao manejo populacional de animais como medida estratégica para o controle da febre maculosa”.

A ideia é que o material seja distribuído em prefeituras, unidades oficiais de visitação pública, saúde, ambiental, de ensino, além de organizações imobiliárias e propriedades rurais com áreas de preservação.

Para baixar a cartilha clique aqui.

Monitoramento constante

A experiência do campus Luiz de Queiroz, coordenada por Perez, ajudou outros campi a implementar um plano de manejo do carrapato-estrela. A Prefeitura do Campus da USP em Ribeirão Preto, por exemplo, há 10 anos vem colocando várias ações em prática, como a construção de uma barreira física ao longo de corpos de água, como lagos, por exemplo, o que impede a circulação das capivaras, além da poda regular e sistemática da vegetação, e o mapeamento e monitoramento constante de infestação de carrapatos em todas as áreas representativas do campus. 

Somada a essas ações, foram feitas campanhas para conscientizar a comunidade local sobre a necessidade de evitar as áreas de vegetação do campus em função da infestação de carrapatos e esclarecimentos sobre esses parasitas que são potenciais transmissores da febre maculosa. Também foram instaladas placas em todos os locais com possibilidade de infestação de carrapatos e promovidas várias palestras que esclarecem sobre a doença. Recentemente, uma Comissão de Vetores realizou treinamento para os empregados da empresa terceirizada responsável pela limpeza predial no campus.

Atualmente, o trabalho de consultoria, monitoramento e execução das atividades de controle do carrapato no Campus é feito por uma empresa terceirizada. Em seu último relatório, maio de 2023, de levantamento populacional do carrapato-estrela a partir de armadilhas colocadas em locais diversos no campus revelou que, por enquanto, os locais de movimentação de usuários estão livres da presença do parasita, tanto das ninfas como dos adultos.

As principais recomendações aos usuários do campus são:

  • não caminhar, sentar, deitar em áreas infestadas por carrapatos;
  • nos casos de inevitável contato com áreas com presença de carrapatos usar mangas longas, botas e calça comprida com a parte inferior dentro das meias e botas, vedadas com fita dupla face, todos de cor clara para facilitar a visualização dos carrapatos. Após a utilização, colocar todas as peças de roupas em água fervente;
  • ao encontrar carrapatos no corpo, retirá-los o mais rápido possível com uma pinça, sem espremê-los para evitar contaminação;
  • procurar atendimento médico imediatamente ao apresentar sintomas como: febre, dor de cabeça, calafrios, coceira e dores no corpo;
  • informar ao médico se foi picado por carrapato ou se esteve em áreas contaminadas;
  • não passear com animais domésticos nestas áreas.

Áreas com possibilidade de infestação de carrapatos foram sinalizadas com placas no campus da USP em Ribeirão Preto - Foto: Divulgação/USP RP

Em outros campi da USP, não há ocorrência do carrapato-estrela, mas algumas ações de prevenção ajudam a evitar a entrada de capivaras no ambiente universitário. Em Lorena, por exemplo, há alambrados que delimitam o perímetro na região de beira do rio que passa ao lado do campus. 

Apesar da existência de grupos de capivaras e circulação de gado e cavalos em Pirassununga, conforme explica Perez, não há ocorrência da doença. Em São Carlos e Bauru, não há áreas vulneráveis nos campi onde circulam a comunidade universitária e frequentadores. 

O que é a febre maculosa?

É uma doença causada pela bactéria rickettsia rickettsii que é transmitida através da picada de carrapato- estrela infectado. Se não for tratada precoce e corretamente, pode levar a óbito em uma semana após o início dos sintomas.

Como acontece a transmissão?

A doença acomete pessoas que tiveram contato com o carrapato-estrela infectado pela bactéria, durante atividades de trabalho, lazer ou por morarem em áreas com vegetação, com presença de água (margens de lagos, rios e córregos) e com a presença de animais que servem como hospedeiros para o carrapato.

O carrapato estrela apresenta 4 fases de desenvolvimento ao longo da vida, são elas: ovo, larva (conhecida como “micuim”), ninfa (conhecida como “vermelhinho”), e adulto. Em 3 fases do desenvolvimento o carrapato pode transmitir a febre maculosa: larva (micuim), ninfa (vermelhinho) e adulto.

Para que a transmissão da febre maculosa ocorra, o carrapato infectado deve ficar aderido à pele por mais de quatro horas. Este é o tempo mínimo estimado para que o carrapato possa introduzir as bactérias

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Quais os animais hospedeiros?

Em São Paulo, os hospedeiros são, predominantemente, as capivaras e os cavalos (chamados hospedeiros primários). Também podem ser encontrados em hospedeiros secundários: bovinos, cabra, cachorro, porco, coelho, cotia, tatu, tamanduá, galinha, peru, siriema, roedores diversos etc.

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Animais domésticos transmitem?

O carrapato estrela não é o carrapato normalmente encontrado em cães e gatos mas eles também podem ser parasitados pelo carrapato estrela, desde que frequentem áreas onde o carrapato possa estar presente.

Sintomas

Febre alta, dor de cabeça, dor no corpo, mal estar, diarreia e, após alguns dias, manchas avermelhadas pelo corpo. Na evolução da doença, podem ocorrer hemorragias e vômitos.

Tratamento

A partir do início dos sintomas, o tratamento deve ser iniciado precocemente. É preciso buscar atendimento médico o quanto antes e informar se teve situações de risco de exposição a carrapatos.

Como se proteger

A principal forma de proteção é evitar contato com carrapatos. Caso haja contato, quanto mais depressa o carrapato for retirado da pele, menores os riscos de infecção.

O carrapato não deve ser esmagado: a forma correta é usar uma pinça, prendendo o carrapato próximo à pele e realizando uma leve torção (nunca apertar a pinça no meio do corpo do carrapato). Ou tomar banho com uma bucha vegetal, fazendo movimentos circulares e utilizar sabonete acaricida.

Roupas com carrapatos devem ser mergulhadas em água fervente por 5 minutos, e depois seguir o processo normal de lavagem.

Fonte: Febre Maculosa - Manual para prevenção em locais com presença de carrapatos - Secretaria de Saúde / Departameto de Vigilância em Saúde / Prefeitura de Campinas

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Com informações de Rose Talamone, da USP de Ribeirão Preto, e da Assessoria de Comunicação da Fundação de Estudos Agrários Luiz de Queiroz 


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