Série de conteúdos produzidos pelo projeto Ciclo22, que remete à reflexão da USP sobre quatro grandes marcos (1822, 1922, 2022 e 2122): o bicentenário da Independência do Brasil, o centenário da Semana de Arte Moderna, o tempo presente e os desafios para os próximos 100 anos

Painel que faz parte do Monumento à Independência do Brasil - Foto: Sylvia Masini/Sec. Cultura SP

Semana de 22 ofuscou importância do centenário da Independência

Pesquisa desenvolvida na USP mostra que historiografia ignorou relevância de evento ocorrido em 1922 e os desdobramentos relacionados a ele

 03/06/2022 - Publicado há 2 anos     Atualizado: 20/07/2022 as 19:08

Crisley Santana

Às margens do Riacho do Ipiranga, D. Pedro I teria proclamado em 1822 a Independência do Brasil. A importância do evento tornou a cidade de São Paulo, onde fica o famoso riacho, um lugar relevante para as memórias relacionadas ao nascimento da civilização brasileira independente. 

Passados cem anos do acontecimento, em 1922, diversos eventos foram realizados na cidade para lembrar o importante momento. Um exemplo foi a construção do Monumento à Independência do Brasil, também conhecido como Monumento do Ipiranga, encomendado pela elite paulista para demonstrar a importância da cidade na separação entre Brasil e Portugal.

Contudo, a historiografia que se formou nos anos seguintes deu maior destaque à Semana de Arte Moderna, realizada no Teatro Municipal naquele mesmo ano. É o que demonstra o estudo São Paulo na disputa pelo passado: o Monumento à Independência, de Ettore Ximenes. A tese foi apresentada em 2017 pela historiadora Michelli Cristine Scapol Monteiro, na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP, em São Paulo. 

Michelli falou ao Ciclo22 sobre a simbologia por trás da construção do Monumento à Independência e por que a percepção sobre a importância dele, e dos eventos relacionados ao centenário da Independência, se perdeu ao longo do tempo.

Monumento à Independência do Brasil, na cidade de São Paulo, às margens do Riacho do Ipiranga - Foto: Zé Carlos Barretta / Wikimedia Commons

São Paulo e a construção da memória

Especialmente após o período imperial, a cidade de São Paulo buscou se afirmar, simbolicamente, como um importante espaço para o cenário nacional, conforme demonstra o estudo. Grande parte dessa simbologia se concentrava, até então, no Rio de Janeiro, que era a capital do País.

A pretensão paulista pôde ser demonstrada, entre outros aspectos, na encomenda do Monumento à Independência. “A ideia realmente era destacar São Paulo como o lugar da nacionalidade durante o centenário, que foi um momento de celebrações e reivindicações simbólicas”, disse Michelli.

Segundo ela, apesar de talvez não ter se tornado um símbolo tão marcante na memória nacional, como o quadro Independência ou Morte, de Pedro Américo, por exemplo, o monumento seguiu sendo um importante espaço para celebrações relacionadas ao 7 de setembro, dia em que se comemora a Independência do País, além de a obra ter conseguido ressignificar sua importância.

“De 100 anos para cá muita coisa mudou. Eu acho que essa construção de espaços de memória não é mais como era antigamente. Mas o monumento teve uma capacidade de transformação do seu simbolismo e segue sendo importante para as comemorações”, afirmou a pesquisadora.

Tribuna oficial e público presente às comemorações do centenário no Monumento do Ipiranga em 7 de setembro de 1922 - Foto: Revista A Cigarra / Arquivo Público do Estado de São Paulo

A perda da relevância do Centenário

O estudo também mostrou que, apesar da importância simbólica que os eventos relacionados ao centenário da Independência tiveram no ano de 1922, houve uma perda de tal percepção devido ao destaque dado à Semana de Arte Moderna pela historiografia. 

Isso porque, além de todo o simbolismo que se criou em torno da Semana, houve críticas feitas ao monumento e ao artista que o construiu, o italiano Ettore Ximenes, por nomes que se tornaram importantes após a Semana, como Monteiro Lobato e Mário de Andrade. 

“Não houve só um esquecimento do monumento e do seu artista, mas também um menosprezo, talvez pela crítica do Mário de Andrade. Ele disse que [o monumento] era uma ‘porcelana de Sévres’, tirou sarro do monumento como uma coisa ultrapassada. Mas é preciso lembrar que em 22 Mário de Andrade não era o Mário de Andrade que conhecemos hoje”, pontuou a historiadora, se referindo à importância e relevância que o autor ganhou após a Semana de Arte Moderna.

Ela também ressaltou que, embora os artistas modernistas menosprezassem a arte acadêmica realizada na época, ela era importante no contexto de 1922, e o Monumento à Independência, assim como o artista que a produziu, estavam inseridos nesse contexto. 

“A construção do monumento foi um evento bem marcante. Lendo os jornais da época eu via muita participação da população, por exemplo, na escolha do artista que iria construir o monumento. Hoje se você fala em 1922, a maioria da população vai lembrar da Semana de Arte Moderna, ninguém vai lembrar do centenário da Independência, mas foi um evento muito grandioso para a época”, afirmou.

A pesquisa e a pesquisadora

Michelli Cristine Scapol Monteiro é historiadora pela USP. Sua pesquisa sobre a construção do Monumento à Independência recebeu bolsa da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). 

A pesquisa foi feita basicamente em jornais. Eu procurei tudo o que foi dito sobre o monumento e sua construção nos periódicos de São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, além do Arquivo do Estado. Também recebi bolsa de estágio no exterior, então fiquei seis meses na Itália fazendo a pesquisa”, relatou Michelli. 

Além de investigar a parte histórica e simbólica por trás da construção do monumento, sua pesquisa serviu para desvendar informações que se tornaram senso comum sobre a obra.

20220603_michelli_scapol_monteiro_fau_usp

Michelli Cristine Scapol Monteiro - Foto: Arquivo pessoal

“Há várias questões polêmicas sobre o monumento, que eu tentei desvendar. Por exemplo, todos diziam que ele é uma cópia de um monumento russo criado por Ettore Ximenes. Eu fui tentando identificar se isso procedia, mas na verdade não. Então acabei por descobrir que várias dessas questões são erros que se tornaram senso comum”, disse.

Acompanhe o projeto Ciclo22 da USP no site: ciclo22.usp.br. Cadastre-se e receba as notícias por e-mail clicando aqui.
E siga as redes sociais do projeto:Twitter | Instagram | Youtube

CONFIRA TAMBÉM SOBRE O CICLO22:


Política de uso 
A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação do Jornal da USP e do autor. No caso dos arquivos de áudio, deverão constar dos créditos a Rádio USP e, em sendo explicitados, os autores. Para uso de arquivos de vídeo, esses créditos deverão mencionar a TV USP e, caso estejam explicitados, os autores. Fotos devem ser creditadas como USP Imagens e o nome do fotógrafo.