Roteiro no Cemitério São Paulo ensina sobre patrimônio geológico paulista 

Elaborado a partir de pesquisa realizada no Instituto de Geociências da USP, roteiro ajuda a entender e observar a integração dinâmica do uso dos diferentes tipos de rochas, além dos modismos, costumes e riqueza das populações ao longo do tempo

 21/09/2023 - Publicado há 9 meses
Túmulo da Família de José Giorgio construído com liga metálica e granito cinza mauá, tanto serrado quanto polido. A escultura retrata o momento em que Jesus caminhava para sua crucificação – Foto: Revista do Instituto de Geociências USP

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Os cemitérios podem ser centros de estudos e divulgação para diferentes aspectos das ciências, pois são ricos em valores históricos, sociológicos, arquitetônicos, artísticos e, particularmente, geológicos. Apresentam grande diversidade de litotipos expostos em seus jazigos, mausoléus e obras de arte, os quais registram as práticas mortuárias e as influências culturais e sociais da época em que foram edificados. Para as geociências, é possível entender e observar a integração dinâmica do uso dos diferentes tipos de rochas, as quais refletem de maneira interessante os modismos, os costumes e a riqueza das populações ao longo do tempo. Essas afirmações estão na introdução do
Roteiro geoturístico no Cemitério São Paulo, publicado no Portal de Revistas da USP. A autoria é dos pesquisadores Sofia Groppo, Rodrigo Figueiredo Ramponi e Eliane Aparecida Del Lama, integrantes do Núcleo de Apoio à Pesquisa em Patrimônio Geológico e Geoturismo (GeoHereditas) do Instituto de Geociências (IGc) da USP.

A publicação é resultado de estudos realizados pelo grupo de pesquisadores do GeoHereditas, onde são planejados e produzidos roteiros com enfoque nos patrimônios natural, geológico e construído. O objetivo é realizar a inclusão de atividades educativas e turísticas que promovam a sustentabilidade, além de fortalecer práticas de geoconservação no Brasil. Segundo Eliane Del Lama, que assina a autoria do roteiro, os cemitérios possuem grande quantidade de rochas ornamentais, nacionais e estrangeiras, possibilitando relacionar história, sociologia e geociências. “Tem todo um contexto ali associado com a ideia desses tours”, conta Eliane Del Lama, professora do IGc que coordena as atividades do GeoHereditas, ao falar sobre seus interesses pela preservação do patrimônio histórico, geoconservação e petrografia em entrevista publicada no Jornal da USP.

Portal de Entrada do Cemitério São Paulo
Capela São Francisco de Assis, no Cemitério São Paulo – Fotos: Revista do Instituto de Geociências USP

Pesquisa de campo

O projeto faz parte de um estudo que propõe um roteiro geoturístico ao Cemitério São Paulo, localizado no bairro de Pinheiros da capital paulista, que abriga monumentos pétreos importantes feitos por escultores brasileiros e italianos. Para eles, é um local que agrega grande valor patrimonial, tanto histórico quanto cultural, mas com potencial turístico ainda pouco explorado. “Após revisão bibliográfica sobre o patrimônio cemiterial da Necrópole São Paulo, realizaram-se visitas in loco para levantar informações detalhadas de cada túmulo (como os tipos de pedra, seu estado de conservação e os artistas ou as marmorarias responsáveis por sua projeção e construção), sendo selecionados, com base nos critérios diversidade litológica, obras de artistas de renome e famílias e/ou personalidades relevantes para a história municipal/estadual, 28 jazigos”, declaram os autores.

O estudo apresenta uma releitura dos roteiros geoturísticos pelo Cemitério São Paulo, expandindo os iniciais 13 pontos de interesse, proposto no primeiro estudo, de 2014, que foram ampliados para 25 no estudo de 2021, até os atuais 28 pontos, propostos no roteiro atual. Segundo os autores, “o roteiro pode ser realizado pelo visitante, por conta própria, em aproximadamente duas horas”.  Para eles, o principal objetivo é oferecer uma visão mais completa do patrimônio histórico e cultural por meio do estudo das geociências, de forma acessível a todos os públicos, sejam geocientistas ou não.

Roteiro geoturístico 

Logo que o visitante chega ao Cemitério São Paulo, na Rua Cardeal Arcoverde, 1.250, vê o Portal de Entrada, o primeiro ponto do roteiro. Como dizem os autores, consiste em um frontão de alvenaria, cujo tímpano apresenta um relevo de um anjo e a inscrição “Necrópole São Paulo”, apoiado em capitéis jônicos de alvenaria e colunas de Granito Cinza Mauá. O piso e os degraus também são constituídos em granito cinza mauá e a grade, em ferro; a pedra está com acabamento serrado, ou seja, não está polida. 

Na sequência, o segundo ponto é a Capela de São Francisco de Assis, um modelo inspirado na Basílica de São Francisco de Assis, na cidade de Assis, Itália. Projetada por Galileo Emendabili, trata-se de um mausoléu construído com tijolos, considerados como material geológico processado a partir de argilominerais. No chão são observadas lajotas do arenito botucatu e, no tijolo inferior direito, está a assinatura do artista. A porta de ferro tem elementos decorativos e inscrições latinas.

O roteiro ainda traz o maior portal de bronze da América Latina, construído em travertino romano e bronze. Porta Místico-Profana é o túmulo da família de Varam Keutenedjian, e foi criado pelo artista Galileo Emendabili. A porta contém 10 painéis (formelle) com altos-relevos e representações bíblicas: do lado esquerdo, cenas que remetem ao nascimento de Jesus e à formação da Sagrada Família; do lado direito, a história da família armênia. 

Porta Místico-Profana, túmulo no Cemitério São Paulo que tem o maior portal de bronze da América Latina e a rocha travertino romano – Foto: Revista do Instituto de Geociências USP

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Outro grande artista foi Victor Brecheret, reconhecido na arte funerária, inclusive observada nesse cemitério e em outros, e em diversas obras para a Pinacoteca de São Paulo, o Monumento às Bandeiras, na Praça Armando de Salles Oliveira, e o Monumento a Duque de Caxias, na Praça Princesa Isabel, construções paulistanas. O túmulo
Jurandy e Victor Brecheret é feito em granito cinza mauá serrado, utilizado pelo escultor em muitas de suas obras. Constam também bustos em liga metálica e um retrato do casal.

Túmulo Jurandy e Victor Brecheret no Cemitério São Paulo – Foto: Revista do Instituto de Geociências USP

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Além destes, há o
Túmulo de Granito Verde Candeias, no qual ainda não há pessoas enterradas. Como explicam os autores, o jazigo foi selecionado para o roteiro por ser constituído por uma rocha diversa das observadas e uma boa representante das rochas ornamentais do Estado de Minas Gerais: o granito verde candeias. Nesta lápide é possível observar cristais de granada (rosados/avermelhados).

Veja a sequência completa do roteiro: 1. Portal de Entrada; 2. Capela de São Francisco de Assis; 3. O Último Adeus; 4. Porta Místico-Profana; 5. Nicola Rollo; 6. Orlando de Oliveira Alvarenga; 7. Alexandre Marcondes Filho; 8. Eugênio Prati; 9. Monumento Rossa; 10. Túmulo de Larvikito; 11. Subida do Gólgota; 12. A Sagrada Família; 13. Ryu Mizuno; 14.Capela da Necrópole São Paulo; 15. Joaquim Gil Pinheiro; 16. José Ermírio de Moraes; 17. Túmulo da Fada; 18. Professor Setembrino Petri; 19. Ausência; 20. Ave-Maria; 21. Maria Izilda de Castro Ribeiro; 22. Túmulo de Granito Verde Candeias; 23. Jurandy e Victor Brecheret; 24.Túmulo de Granito Kinawa; 25. Via Dolorosa; 26. Túmulo de Arenito Botucatu; 27. Mausoléu do véu; e 28. Triste Separação. 

Jazigo de Emilio Gianinni, cujo conjunto escultórico representando dois homens carregando o corpo de uma pessoa falecida e uma mulher em prantos foi esculpido, em bronze, por Alfredo Oliani. Construído em granito preto bragança polido, foi selecionado para o roteiro em virtude de sua beleza e seu simbolismo artístico – Foto: Revista do Instituto de Geociências USP

 

Geoturismo pouco explorado no País

Segundo os autores, a visitação aos cemitérios é muito comum nos Estados Unidos, dando como exemplo o Cemitério Nacional de Arlington, na Virgínia, onde repousam mais de 400 mil veteranos militares. “Na Europa, também é usual o turismo cemiterial, a exemplo da Rota de Cemitérios Europeus, criada, em 2009, pela Association of Significant Cemeteries (ASCE), para promover cemitérios como patrimônio cultural”, escrevem, informando que, atualmente, há 138 cemitérios para serem visitados no continente europeu, porém com enfoque histórico, não abordando a pedra. “Quando a visitação tem o viés da pedra, temos o geoturismo cemiterial, que é um meio eficiente de divulgar o patrimônio contido no cemitério, a geologia e a relação entre ambos”, explicam. 

Como lembram os autores, o geoturismo cemiterial ainda é pouco explorado no Brasil, embora algumas iniciativas já tenham sido propostas, particularmente na forma de roteiros geoturísticos (também conhecidos por geotours) para os cemitérios da Grande São Paulo, entre eles o Cemitério da Consolação, o próprio Cemitério São Paulo e o Cemitério São João Batista, em Guarulhos. Outros exemplos brasileiros que já têm propostas documentadas de geotours são: Cemitério Nossa Senhora da Soledade, em Belém; Cemitério São Francisco de Paula, em Curitiba; Cemitérios de São João Del-Rei, em São João Del-Rei; e Cemitério São João da Boa Sentença, em João Pessoa.

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A coordenadora do GeoHereditas destaca a importância de desenvolver atividades voltadas ao geoturismo cemiterial. “O cemitério não precisa ser só um lugar de dor e luto. Ele pode ser um lugar onde podemos saber um pouco mais da história da cidade. O fato de você ir lá para ver os mausoléus tem a ver com o contexto social da época. Um museu a céu aberto te permite entender a história da cidade por meio do cemitério. Em termos de geociências, existe a possibilidade de visualizar pedras de diferentes nacionalidades e cores”, explica.

O Cemitério São Paulo está localizado na Rua Cardeal Arcoverde, 1217, no Bairro Pinheiros, na cidade de São Paulo. Funciona todos os dias das 8 às 18 horas.

Para acompanhar os roteiros e atividades do GeoHereditas acesse o site ou as redes sociais Facebook e Instagram.


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