O que sabemos sobre o passado do Oriente Médio? Livro apresenta pesquisas sobre arqueologia da região

Lançada pelo Instituto de Estudos Avançados da USP, publicação disponível para download gratuito reúne 21 artigos de pesquisadores do Brasil e do exterior em seções dedicadas a oito países do Oriente Médio

 16/10/2024 - Publicado há 1 mês
Pessoas num terreno na região do Oriente Médio fazendo escavações arqueológicas, no detalhe a capa do livro Arqueologia do Oriente Antigo
Escavações na área sul em Çatalhöyük, sítio arqueológico localizado na Anatólia Central, na atual Turquia; no detalhe a capa do livro – Foto: Jason Quinlan/Reprodução do livro Arqueologia do Oriente Antigo

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Texto: Mauro Bellesa*

A arqueologia do Oriente Médio ainda demanda mais esforços e maior divulgação no Brasil, onde ainda se conhece pouco sobre a região e todas as conexões, heranças e materialidades com as quais a área se relaciona, segundo os organizadores do livro Arqueologia do Oriente Antigo: A Materialidade Através do Tempo. A obra foi lançada este mês pelo Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP e está disponível para download gratuito no Portal de Livros Abertos da USP neste link.

Os organizadores são Vagner Carvalheiro Porto, professor do Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) da USP e participante do Programa Ano Sabático do IEA em 2022, quando realizou estudos e trabalhos ligados à organização da obra, e Marcio Teixeira-Bastos, pesquisador da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.

O livro relaciona-se tanto com o espaço, tempo, ambientes e regiões quanto com as materialidades encontradas no Oriente Médio, afirmam. Nesse sentido, o conjunto de ensaios tem a intenção de “iluminar o breu que ainda paira sobre a arqueologia do Oriente Médio praticada em nosso contexto”, apresentando “uma pequena amostra da materialidade humana, das culturas e das sociedades dessa fascinante e única região global”.

São 21 artigos divididos em seções dedicadas a oito países: Turquia, Iraque, Síria, Líbano, Jordânia, Chipre, Israel e Egito. Os 26 autores são pesquisadores da USP, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Universidade Federal do Rio de Janeiro, Universidade Federal do Espírito Santo, Centro Cultural Árabe Sírio de São Paulo e de universidades da França, Alemanha, Reino Unido, Turquia, Polônia, Itália e Israel.

O arqueólogo Pedro Paulo Funari, da Unicamp, destaca no prefácio que a obra é resultado, em grande parte, da produção acadêmica brasileira das últimas décadas em contato estreito com a ciência mundial e tem ainda o interesse em introduzir o tema aos alunos do ensino superior e ao público em geral. “Sua publicação representa um passo decisivo rumo a um conhecimento crítico, fértil e criativo sobre o passado mais recente, conectado com o presente e aberto a futuros mais inclusivos; abertos ao outro, à convivência. Grande contribuição acadêmica, abre também perspectivas sociais muito mais amplas”, avalia.

A “ampla e movimentada trama de construção das civilizações orientais na Antiguidade (…) passa por permanentes transformações à medida que surgem novos dados analisados, por meio da utilização de novas tecnologias”, comenta o autor da introdução, o historiador Ivan Esperança Rocha, da Unesp.

Ele afirma que houve uma modificação no cenário dos estudos da antiguidade oriental a partir dos inúmeros conflitos que têm ocorrido no Oriente Médio, desde meados do século passado, “que despertaram, naturalmente, a necessidade de conhecer melhor a história oriental contemporânea e suas bases antigas, buscando evitar visões estereotipadas sobre ela”.

Esse interesse é ampliado também pelas crescentes relações econômicas com a região, acrescenta. Apesar desse quadro, “há ainda uma carência de um conhecimento mais denso sobre o Oriente Próximo antigo”, algo que “vem se modificando permanentemente nas últimas décadas”, num movimento ao qual o livro Arqueologia do Oriente Antigo se soma, destaca o historiador.

Organizadores

No MAE, Vagner Carvalheiro Porto coordena o Laboratório de Arqueologia Romana Provincial (Larp), no qual desenvolve pesquisas sobre as províncias romanas da Síria-Palestina e da Península Ibérica. Coordena também o Programa de Pós-Graduação Interunidades em Museologia da USP e o Grupo de Pesquisas Arqueologia Interativa e Simulações Eletrônicas (Arise), no MAE. É ainda coeditor chefe da Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia.

Ele participou do Programa Ano Sabático do IEA em 2022 com o projeto Contatos Culturais na Judaea-Palaestina da Época Romana: Estudos da Malha Urbana e da Circulação Monetária em Tel Dor, Israel.

Marcio Teixeira-Bastos é pesquisador colaborador do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da FFLCH-USP, onde atua também como arqueólogo do Centro de Estudos Judaicos no Departamento de Línguas Orientais.

Ele é pesquisador associado da Universidade de Tel Aviv, Israel, e da Universidade de Münster, Alemanha, e professor visitante da Universidade Stanford, EUA. Participa ainda do Larp-MAE-USP. É membro do Comitê Científico da organização internacional Aplicações Computacionais e Métodos Quantitativos em Arqueologia (CAA, na sigla em inglês) e do Conselho Editorial da American Anthropologist, revista científica da Associação Americana de Antropologia (AAA).

Confira abaixo um trecho do livro sobre o sítio arqueológico de Çatalhöyux, na Turquia:

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A religião em 
Çatalhöyux

Uma nova abordagem do papel da religião em Çatalhöyux [pronuncia-se chatal-huque], sítio arqueológico na área centro-sul da Turquia datado de 9 mil ACE (antes da Era Comum) é o tema do artigo de Ian Hodder, da Universidade Stanford, EUA, que abre a primeira seção do livro. Esse sítio é considerado um dos mais antigos da Anatólia e do Oriente Médio, contemporâneo ao período tardio Pré-Cerâmico e ao período Cerâmico Neolítico no Levante,

“Os seres humanos em Çatalhöyük viveram a religião como parte inerente de suas vidas, sem uma divisão entre mundos – um mundo sem costuras. Em tudo o que fizeram, havia um entendimento de que o mundo tinha vitalidade e poder. O mundo estava repleto de substâncias que fluíam e se transformavam, assim como superfícies que podiam ser traspassadas”, escreve o autor.

De acordo com ele, os estudos sobre se a religião pode ser explicada em termos evolutivos de adaptação ou se deve ser entendida como um subproduto de outras capacidades cognitivas procura contribuir para os debates arqueológicos atuais. As pesquisas desenvolvidas por ele e sua equipe analisam processos evolutivos sociais mais específicos no que diz respeito às mudanças nos modos de religiosidade.

“Os resultados substantivos do projeto confirmam seus objetivos e impactam o entendimento do desenvolvimento da vida estabelecida no Oriente Médio. O experimento interdisciplinar teve por premissa um engajamento com os dados arqueológicos refinados que foram coletados no sítio.”

Na avaliação de Hodder, os resultados da pesquisa em Çatalhöyük, “da mesma forma que este inovador compêndio direcionado ao público lusófono e brasileiro”, contribuem para os debates sobre “arqueologia; ciências naturais, sociais e da computação; materialidade (maneiras pelas quais, para os seres humanos, a matéria passa a ter poder de agente); e os emaranhados biossociomateriais, ou seja, as formas como corpos, coisas, materiais, desejos e sociedades dependem um do outro”.

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Para baixar o livro Arqueologia do Oriente Antigo: A Materialidade Através do Tempo clique aqui.

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*Da Assessoria de Comunicação do IEA USP


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