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Estudantes da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) da USP desenvolveram uma nova versão de modelos hidrológicos e hidrodinâmicos comunitários capazes de reunir as técnicas mais avançadas de simulações de inundações em rios e várzeas, mesmo em locais com pouca ou nenhuma informação coletada previamente. Além de oferecer previsões mais detalhadas, os novos modelos facilitam a definição de políticas públicas para zoneamento em áreas de risco e sistema de alerta antecipado com maior prevenção de riscos de desastres.
Os novos modelos foram desenvolvidos pelo laboratório Water-Adaptive Design & Innovation (TheWADILab) em colaboração entre professores e alunos da EESC e da Universidade do Texas, em San Antonio, nos Estados Unidos. Uma primeira versão do modelo hidrológico-hidrodinâmico com transporte de massas poluidoras foi publicada em revista especializada, e já existem aplicações, como o planejamento da drenagem futura da cidade de São Carlos, outra para rompimento de barragens e até melhorias que aceleram o tempo de processamento interno e assertividade das estimativas desses modelos, incluindo a qualidade de água. Outras aplicações desses modelos estão sendo realizadas fora do Brasil, como em bacias com forte antropização da Índia e dos Estados Unidos.
“Considerando os desafios de simular eventos hidrológicos extremos em biomas sul-americanos, essa nova geração de modelos permite maior flexibilidade e versatilidade de adaptação em vários tipos de regiões, climas, relevos e usos do solo. Inclusive, houve simulações preliminares em regiões que sofreram desastres por inundações na África e no Oriente Médio. Isso permite seu uso aplicado para sistemas de alerta antecipados de inundações, mapeamento de áreas de vulnerabilidade e até previsões acopladas a modelos de mudanças climáticas, seguindo recomendações da Organização Meteorológica Mundial, especialmente para a iniciativa Alertas Antecipados para Todos, que busca soluções para grupos vulneráveis a riscos hidrometeorológicos”, como destaca Mário Mendiondo, professor do Departamento de Hidráulica e Saneamento da EESC e coordenador do grupo de alunos responsáveis pelo desenvolvimento dos novos modelos.
O objetivo é dar ainda mais robustez ao sistema para ser testado até o final de 2024 e a meta é que ele seja melhorado para se tornar operacional para a COP 30, em 2025. “Temos uma rede extensa de parceiros em todos os continentes, especialmente reunidos em torno do Digital Water Globe, a maior parte deles jovens pesquisadores que seguem de forma comunitária, ou seja, com código aberto para que outras comunidades de pesquisadores ou usuários possam tanto usufruir como melhorar e refinar os modelos de acordo com suas necessidades locais”, explica o coordenador.
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Alimentação dos modelos
Apesar de os atuais modelos de previsão do tempo estarem cada vez mais populares e acessíveis, sozinhos eles não têm capacidade de informar eventuais impactos de enchentes ou inundações na superfície terrestre advindas desses modelos meteorológicos, como explica o professor. “Isso acontece porque os modelos hidrológicos e hidrodinâmicos, que trabalham em escala de células ou pixels de superfície, precisam ser alimentados constantemente com informações da superfície do solo para serem mais assertivos, a partir da meteorologia e estado de umidade do solo, em escala de minutos, horas ou até em um prazo que pode variar entre três e cinco dias. Essas informações são preciosas e fazem toda a diferença para saber até que altura o rio subirá e, assim, salvar vidas em perigo”, destaca.
Para ilustrar a relevância dos modelos desenvolvidos na Universidade, Mendiondo lembra da tragédia das fortes chuvas ocorridas no Estado gaúcho. “Ali, houve o envio de alertas prévios do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais) sobre as iminentes chuvas intensas e com riscos de inundações, deslizamentos e enxurradas. Contudo, esses alertas meteorológicos sem modelos hidrológicos/hidráulicos de superfície não estavam integrados à Defesa Civil local, que não tinha a certeza até onde chegariam as águas de inundação para retirar pessoas a tempo em bairros que foram literalmente arrasados no Vale do Taquari-Antas.”
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“Em síntese, esses modelos hidrológicos/hidrodinâmicos não estão incorporados em nenhum sistema operacional de alertas nas mais de 40 mil áreas oficialmente mapeadas no Brasil sujeitas aos riscos de alagamentos, enxurradas e deslizamentos nos mais de mil municípios considerados prioritários e com mais de 60 milhões de pessoas morando em alta vulnerabilidade socioeconômica. Esses números ressaltam o forte apelo social para o uso de modelos hidrológicos e hidrodinâmicos mais avançados, de código aberto, comunitários, como os desenvolvidos pelos alunos da EESC”, diz o professor.
De acordo com Mendiondo, os modelos também ajudam a estimar melhor os impactos e extensão de outros riscos de desastres, como as secas severas e até a melhor utilização de reservatórios de água doce. Esses temas hoje são tópicos principais de projetos Fapesp coordenados na EESC.
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Contribuição da ciência comunitária
Um dos pontos de destaque neste trabalho foi a prática da ciência comunitária, com a contribuição de alunos da EESC, naturais de diferentes países latino-americanos, tanto no desenvolvimento como na aplicação desses modelos. Além dos brasileiros, o projeto contou com pesquisadores da Colômbia, Costa Rica e de Honduras. “A alta sinergia de projetos interdisciplinares, a colaboração internacional e a transformação dessa ciência mais humanitária, com maior inclusão e diversidade, foram fundamentais para chegarmos nesse ponto do projeto, com modelos feitos por uma ciência comunitária que pode salvar vidas”, celebra Mendiondo.
Recentemente, o projeto foi aplicado como caso de estudo para auxiliar na prevenção de riscos de inundações na escala de país de Honduras e a partir dali o próximo passo foi a escala de toda a América Latina. “Tudo isso movido pela criatividade e motivação dos alunos da USP em dar uma atitude social às pesquisas científicas de alto nível internacional e assim ajudar na curricularização das futuras atividades de extensão”, afirma o coordenador.
O projeto recebe o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), instituições de fomento à ciência no País, além da cooperação da Cátedra Unesco de Águas Urbanas da USP, renovada em 2024 e aderida à nova plataforma de Open Hydrology da Unesco, com Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) para Mudanças Climáticas Fase 2 (INCTMC2), coordenado pelo Cemaden/MCTI, e do Observatório Nacional de Segurança Hídrica e Gestão Adaptativa (ONSEAdapta), coordenado pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), e de Combate à Fome (coordenado pela Faculdade de Saúde Pública da USP).
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*Texto adaptado de Denis Dana, da Assessoria de Comunicação da EESC-USP