Melhorar o que nunca foi medido: a situação da educação infantil no Brasil

Laboratório da USP criou observatório da qualidade da educação infantil, com resultados de estudos e ferramentas de avaliação para gestores; avaliação inédita identificou que apenas ¼ das turmas cumpre BNCC

 11/07/2022 - Publicado há 2 anos
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Foto: Prefeitura de São Paulo

 

Acesso e qualidade são atributos respaldados por uma série de instrumentos legais que visam garantir às crianças o direito à educação infantil. Junto da Constituição Federal, de 1988, e da Lei de Diretrizes e Bases, de 1996, o Plano Nacional de Educação (PNE) prevê que, até 2024, pelo menos 50% da população de 0 a 3 anos de idade tenha uma vaga assegurada em creches. Já com relação ao papel das creches e pré-escolas, o Ministério da Educação estabeleceu, em 2010, que as unidades de educação infantil devem ser espaços de educação e cuidado, tendo como eixo curricular as interações e as brincadeiras. Com a homologação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), estados e municípios brasileiros passaram a revisar ou construir seus próprios currículos e propostas pedagógicas para a educação infantil. Mas como garantir que estes parâmetros cheguem a cada criança do Brasil?

Esta é uma das perguntas que têm engajado pesquisadores do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Economia Social (Lepes), vinculado à Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEA-RP) da USP. Fundado em 2011, o laboratório desenvolve pesquisas e faz avaliações de impacto de políticas sociais e programas específicos das áreas de desenvolvimento infantil, desenvolvimento socioemocional, gestão escolar e violência e criminalidade. Em parceria com a Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, o Lepes criou um observatório da educação infantil e publicou o primeiro estudo do Brasil a traçar um panorama da qualidade da educação infantil no país.

O Estudo

Daniel Domingues dos Santos – Foto: LEPES

O estudo Avaliação da Qualidade da Educação Infantil pesquisou 12 municípios brasileiros de todas as regiões do País em 2021. No total foram visitadas 3.467 turmas, sendo 1683 de creche e 1784 de pré-escola, em 1807 unidades educacionais. A pesquisa avaliou a qualidade das unidades educacionais, tanto do ponto de vista de insumos (infraestrutura, indicadores de gestão escolar, qualificação e condições de trabalho dos profissionais das unidades educacionais), quanto do de processos, em que o foco está nas interações, acolhimento, gestão dos conflitos entre as crianças e incentivo à sua autonomia. Também foram mensurados aspectos relacionados às práticas pedagógicas (interações, planejamento, organização da rotina e espaços, dentre outras).

Daniel Domingues dos Santos, professor associado da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP em Ribeirão Preto e coordenador do Lepes, explicou os critérios utilizados pelo estudo e seus achados. Dentre eles, Santos conta que “entre 10% a 15% das instituições analisadas estão em nível crítico, que em alguma dimensão viola o direito da criança”. Ainda de acordo com o professor, a brincadeira livre estava ausente em cerca de 42% das turmas e em mais da metade delas (55%) não havia momentos de contação de história. “Oportunidades que deveriam estar, segundo muitos currículos, diariamente na rotina das crianças”, diz.

Ouça no player abaixo entrevista do pesquisador ao Jornal da USP no Ar, Edição Regional

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O Observatório 

Como resultado do estudo, o Lepes criou uma plataforma para implementar os resultados da avaliação. O Observatório da Educação Infantil teve início com a parceria estabelecida pelo LEPES, com a Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, Itaú Social e Movimento Bem Maior, e é o local em que estão os resultados do estudo nacional. O objetivo é contribuir com os municípios que participaram do estudo e com novos municípios, que realizarem um diagnóstico em relação à qualidade do ensino em seus territórios. Nela, gestores poderão criar planos de ação para mensurar a qualidade além dos aspectos de infraestrutura das unidades educacionais.

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De acordo com os organizadores, ainda não havia um local único que disponibilizasse dados e contribuísse com a democratização do cenário da qualidade da educação infantil no contexto brasileiro. “Então para além do objetivo de ser um suporte para os municípios realizarem suas avaliações, a plataforma está estruturada para instrumentalizar todo o processo: desde a relevância da avaliação, até como usar os dados em prol de melhorias”, informam na plataforma. Os organizadores disponibilizam, ainda, um aplicativo gratuito para celular que funciona como uma ferramenta de gestão. A EAPI (Escala de Avaliação de Ambientes de Aprendizagens dedicados à Primeira Infância) tem por objetivo instrumentalizar a rede municipal e as instituições de ensino no processo de melhoria da qualidade dos serviços oferecidos e está disponível no Google Play.

Desenvolvida por meio de um diálogo com secretarias de educação da cidade de São Paulo e de municípios parceiros, a escala foi baseada em estudos realizados em diversos países, cujas evidências mostram que crianças pequenas aprendem melhor quando os adultos as incentivam a se envolver diretamente com materiais; dão a elas possibilidades de escolha em suas atividades e no uso de materiais; as colocam em conversas que ampliam a sua compreensão acerca dos conhecimentos que estão sendo trabalhados; e relacionam as atividades propostas a experiências reais ou do dia a dia.

Saiba mais em: http://lepes.fearp.usp.br/ 

 


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