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A divulgação de casos de violência contra mulheres tem sido cada vez maior na sociedade e a USP não está imune a isso. Em 2014, a promotoria de Justiça de Direitos Humanos do Ministério Público (MP) de São Paulo e a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) receberam diversas denúncias de abusos sexuais, violência contra calouros no trote e racismo na Universidade, inclusive na Faculdade de Medicina da USP (FMUSP). Como resposta aos relatos de violência de gênero, um grupo de alunas da FMUSP se uniu para criar o Coletivo Feminista Geni.
Na descrição sobre o Geni em sua página no Facebook, o coletivo diz que a “opressão na Universidade pode ser expressa sob várias formas, desde o desrespeito a um ‘não’ em uma festa até a impossibilidade de acesso a determinados locais da faculdade devido ao gênero. Nesse contexto, o Geni se dispõe a ser um espaço de proteção às vítimas do machismo, de acolhimento, discussão e luta”.
O grupo atua articulado com a Frente Feminista USP e outros coletivos da USP para entender o machismo na Universidade e na sociedade como um todo.
Em uma de suas ações para o enfrentamento da cultura do machismo, o coletivo teve um papel fundamental no cancelamento da festa com o nome Fantasias no Bosque, em maio deste ano, organizada anualmente pela Associação Atlética Acadêmica Oswaldo Cruz (AAAOC) da Faculdade de Medicina da USP. A festa foi citada durante investigações da Alesp e do MP como local de casos de abuso e estupro. O Geni liderou um boicote à festa com outros coletivos da USP e organizações de fora da Universidade. Após a pressão e coleta de quase 4 mil assinaturas, a Atlética alterou o nome da festa e apresentou um novo formato.
“Enquanto coletivo feminista, o Geni não aceita que uma festa coloque seus lucros acima do bem-estar das vítimas e das mulheres como um todo. Queremos disputar a narrativa dessa festa, garantir reparação e justiça, e não perpetuar o novo ciclo de violências que se instala a partir do retorno da Fantasias no Bosque”, declarou o grupo em nota à época.
A questão de gênero na saúde também é uma das bandeiras do coletivo que ainda vê resistência no ambiente universitário. Em agosto, na primeira Semana da Diversidade realizada na FMUSP, o coletivo promoveu a Oficina de Siririca, em que eram discutidas as formas de masturbação feminina. Isso gerou muitas críticas na internet de pessoas que não acreditam na importância de falar da vida sexual da mulher dentro de uma faculdade de medicina.
“Algo que deixaria uma mulher se sentindo confortável e empoderada ao discutir um assunto que é um tabu foi totalmente rejeitado pela comunidade acadêmica. O objetivo do Geni era justamente promover esse debate e dizer que esse assunto deve ser discutido na faculdade para que os médicos sejam capazes de lidar com a população feminina”, diz Maria Prandini, aluna da FMUSP.
Participação
Giovanna Pedreira, caloura do curso de Medicina, não era envolvida com o feminismo até entrar no cursinho, e assim que entrou na FMUSP procurou o Geni. “No dia seguinte da divulgação da lista, eu já fui para uma reunião do coletivo para conhecer, acho muito importante as mulheres se reunirem e discutir assuntos importantes para nós”, diz a aluna.
Maria Luiza Corullon também é caloura do curso e foi alertada sobre os perigos que enfrentaria na Universidade. A existência do Geni a deixou mais segura por saber que teria companhia e alguém para compartilhar suas ideias. “No dia que saiu a lista de aprovados no vestibular, uma menina do coletivo veio falar comigo e disse que ficaria com as calouras durante a matrícula.”
Mesmo depois de um semestre na faculdade, Maria Luiza ainda afirma que não se sente segura em frequentar as festas promovidas por estudantes da FMUSP.
Para elas, a questão do gênero não está só presente na parte social dos alunos, mas também na grade curricular. Segundo as alunas, não são vistos assuntos que retratam a saúde da mulher como um todo. Na aula de sistema reprodutor masculino e feminino, por exemplo, enquanto o masculino é completamente detalhado, incluindo orgasmos, o feminino só é citado como reprodução e sem muitas informações.
Coletivos na USP
Os coletivos feministas da USP servem como forma de combater o machismo e opressão dentro da Universidade e geralmente não têm uma grande estrutura de organização ou cargos de diretoria. São formados por alunas que fazem reuniões semanais para discutir a situação da mulher dentro da USP e na sociedade e quais são as formas de combater a violência.
Além do Geni, a USP conta com pelo menos outros 18 coletivos feministas formados por estudantes dos cursos dos campi da capital e do interior.